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Essa visão estreitamente sintonizada com os geointeresses de Israel e do imperialismo precisa ser questionada.
O noticiário da Globo sobre a guerra conduzida por Israel traduz uma explícita operação de propaganda pró-Israel e muito favorável também às diretrizes da política externa dos EUA. Repercutindo os valores e interesses defendidos pelas potências imperialistas do chamado “Ocidente” (compostas pelos países citados, pelo Japão e a União Europeia), a linha editorial da Globo justifica todos as atrocidades praticadas pelo governo israelense.
Em que pese a lástima demonstrada por um comentarista aqui e acolá com os sofrimentos da população civil palestina, os crimes de guerra perpetrados pelo terrorismo do estado de Israel ganham total guarida nos esquemas de percepção veiculados pelas organizações Globo.
No momento, estão em curso a destruição de cidades na faixa de Gaza, o assassinato indiscriminado de palestinos – centenas de crianças –, o uso de alvos não militares para perpetração do terror, a determinação israelense para que a população do norte de Gaza abandone seus bens e suas casas, atos desumanos outros como a suspensão do acesso à água e víveres, ações correspondentes a crimes de guerra e que violam direitos humanos elementares (a respeito das normas internacionais sobre crimes de guerra, consultar Valerio de Oliveira Mazzuoli, “Curso de direito internacional público”, editora Forense). Contudo, trata-se de um arsenal de iniciativas reconhecidas pela Globo, as quais se atribui legitimidade para a “autodefesa” de Israel.
Essa visão estreitamente sintonizada com os geointeresses de Israel e do imperialismo precisa ser questionada. Para nós brasileiros entendo não ser muito difícil colocá-la em xeque. Temos vivência histórica para isso, senão vejamos.
Em primeiro lugar, a relação entre o estado de Israel e o povo palestino é a relação entre uma máquina política e militar colonizadora e um povo colonizado. O estado de Israel tem como origem de edificação a expulsão de mais de 700 mil palestinos, em 1948, apropriando-se com isso de patrimônio e terras daquela gente que foi espoliada e oprimida.
Portanto, um crime de guerra deu à luz um novo estado nacional, patrocinado pelo Reino Unido. Diga-se, um processo que persiste no tempo e ora virtualmente se intensificará durante e após a guerra. Não custa recordar: o Brasil já foi uma colônia. Literal e formalmente. Roubar nossas riquezas e exterminar povos indígenas para apropriar-se das suas terras fazia parte da lógica colonizadora. Nada muito diferente na relação Israel/Palestina.
Invariavelmente, os africanos escravizados (principal força de trabalho e maior vítima da política colonial imposta por Portugal), entravam em conflitos com os agentes de repressão da metrópole, como também contra os paus-mandados e feitores dos donos das grandes fazendas e das minas dedicadas à exportação de bens primários. De maneira recorrente, os escravizados respondiam à violência e à humilhação sofridas dia-a-dia também com violências: queimavam plantações, casas dos senhores de engenho e latifundiários, demais setores de classe no poder, matando seus algozes. Defendiam com o uso da força os seus redutos de liberdade, isto é, os quilombos (ver Clóvis Moura, “Rebeliões da senzala”, ed. Anita Garibaldi).
Uma dinâmica político-social-militar compreensível. A violência se retroalimenta em ambas as partes de um sistema colonial: opressores e oprimidos. Nos dias que correm, seguramente os recentes atentados promovidos pelo Hamas enquadram-se na categoria de prática de terrorismo. Mas, o grupo em si não é rotulado como organização terrorista, em boa parte da comunidade internacional: o status de uma “força insurgente” ou “grupo de libertação nacional”, envolvido em um confronto em face de forças colonialistas, tende a se aplicar ao agrupamento armado palestino. Não é, pois, um mero banditismo vulgar e inconsequente, como sugere a retórica propagandística da Globo. Esse é um enquadramento noticioso que almeja satanizar não somente o referido grupo armado, como o conjunto dos palestinos.
A rigor, em que pese a distância geográfica e no tempo, existem práticas colonizadoras, como a genocida limpeza étnica – visando controle ampliado e criminoso de território – e respostas das suas vítimas, norteadas por ações violentas, via de regra desesperadas, que são comuns a todas as experiências de povos submetidos ao deplorável colonialismo. É o que ora ocorre no drama árabe-israelense.
Não gratuitamente, parte expressiva dos países do “Sul global”, formado por ex-colônias e nações hoje subjugadas ao imperialismo financeiro e tecnológico das potências do capitalismo, precisamente estas nações mais têm manifestado simpatia e solidariedade com a causa palestina. O “couro” já sentiu e, com intensidade um pouco menor, ainda sente o peso da poderosa mão do imperialismo.
Abertamente a favor de Israel encontram-se os EUA e a União Europeia. A identificação entre colonizadores é natural. De resto, Israel consiste em um protetorado militar ocidental que atende aos interesses geopolíticos do imperialismo no Oriente Médio, uma região notoriamente rica em petróleo e de ampla maioria árabe.
Ao fim e ao cabo, as organizações Globo querem que tenhamos afeto pelo chicote do colonizador e desprezo por suas vítimas. Um verdadeiro acinte.
ROBERTO BITTENCOURT DA SILVA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.