CHARGE DE AROEIRA
Antes da existência da ferramenta digital google, qualquer pessoa que tivesse dúvidas sobre alguma palavra recorria ao Dicionário do Aurélio, popularmente chamado de “ pai dos burros”.
Hoje no google ou no dicionário encontramos a seguinte definição de cidadão carreirista: “ Pessoa sem escrúpulo que só pensa em fazer carreira”.
Esta definição une dois brasileiros oriundos de territórios nacionais diferentes. Um nascido em Maringá ( Paraná); outro, na cidade do Rio de Janeiro ( na época Capital da República) .
Nosso primeiro personagem vislumbrou em sua participação em um concurso para juiz federal o caminho mais garantido para ascender socialmente. O segundo descobriu que para se aproximar da elite carioca o melhor era entrar para o time de jornalistas de Roberto Marinho.
Fazer concurso para juiz federal é um trampolim social garantido ? Por alguns aspectos, sim. Não basta apenas pensar nos rendimentos ou no prestígio social adquirido com a função. Diferente de outros concursos, o de juiz federal não exige e nem oferece conhecimentos em relações internacionais, economia, geografia e história. Fornece e exige apenas conhecimentos das leis e interpretações jurídicas. Uma trajetória garantida para um cidadão medíocre.
Foi esse o caminho que Sérgio Fernando Moro escolheu. Seu primeiro aprendizado como juiz federal deu-se no caso Banestado, onde lidou com a máfia que manipulava dólares e a Operação Farol da Colina, que operava crimes financeiros.
Dois universos complexos que lhe deram notoriedade na magistratura e mostraram que dar nomes emblemático ás operações era uma boa maneira de chamar a atenção da mídia.
O estágio seguinte o levou a participar, como juiz assistente, da equipe da Ministra Rosa Weber, onde pôde conhecer os bastidores do Supremo Tribunal Federal e vivenciar o poder em Brasília, permitindo sonhar com uma carreira na Suprema Corte, garantia de um emprego permanente.
Com essas vivências decidiu estudar a Operação Mãos Limpas ( Manu Puliti )que revolucionou e transformou o panorama político e econômico italiano nos anos 90.
Faltava encontrar uma instituição interessada em seus serviços e um personagem que o fizesse ser conhecido fora da bolha curitibana.
A união com o departamento de Estado dos Estados Unidos interessado em destruir as empresas de engenharia brasileiras que estavam incomodando no exterior as transacionais norte-americanas caiu como uma luva.
Faltava encontrar uma figura pública detestada pelas famílias que controlam os meios de comunicação no Brasil.
A oportunidade surgiu na véspera das eleições de 2018. Lula liderava as pesquisas eleitorais e era combatido pela mídia corporativa que nunca aceitou um operário se transformar em presidente do Brasil. Tinha surgido um candidato que dizia representar a nova política. Que tal dar uma ajuda a esse deputado com 28 anos de experiência na Câmara dos Deputados, afastando do pleito o líder das pesquisas ?
O enredo estava pronto para lançar a Lava Jato: agora era contratar uma assessoria de imprensa que tivesse influencia na mídia impressa e eletrônica nacional. Com esse passo, Sergio Moro e os procuradores de Curitiba passaram a conduzir o noticiário nacional e se transformaram em heróis nacionais e conhecidos internacionalmente.
Mas o que conseguiram, além de condenar Lula, foi deixar 4 milhões de pessoas sem emprego, destruir empresas de engenharia e provocar uma crise econômica.
Lula foi preso por 580 dias, não disputou a eleição de 2018 e Jair Messias Bolsonaro virou presidente da República do Brasil.
Depois de eleito Jair Messias Bolsonaro pagou o serviço fazendo de Sérgio Moro Ministro da Justiça e Segurança Pública do novo governo e o sonho de ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal estava próximo.
Alguns meses depois, Moro se desentendeu com Bolsonaro e deixou o governo cuspindo no prato que comeu.
Seu novo passo foi trabalhar no exterior para um escritório de advocacia americano ligado ao Departamento de Estado dos Estados Unidos.
E, na volta, se candidatar a presidência da República pensando que a fama lhe garantiria imunidade. Foi rejeitado pela classe política, virou candidato a senador pelo Paraná e se elegeu.
A versão virou fato , se transformou em notícia, com a colaboração de todos os veículos de imprensa controlados pelas famílias tradicionais brasileiras. Os jornalistas que deveriam apurar os fatos se limitaram a reproduzir o que era produzido pela assessoria de impressa da República de Curitiba.
Apenas juristas independentes, magistrados internacionais e jornalistas profissionais do universo da internet mostravam a parcialidade de Moro.
Foram cinco anos de bombardeio contra Lula e essa gente que mostrava que o arbítrio tinha se instalado no Brasil com o silêncio das instituições.
Mas como dizia o personagem televisivo criado pelo mexicano Roberto Bolaños, Chapolin Colorado, “ ninguém contava com minha astúcia”.
E ela se manifestou na rejeição amorosa de um jovem advogado da cidade de Araraquara, no interior paulista Walter Delgatti, que após aprender a trabalhar no submundo da internet, virou hacker e descobriu através da ferramenta digital “ Telegram”,a maneira ilegal de Sérgio Moro e sua turma trabalharem .
A operação foi divulgada pelo jornalista americano Gleen Greenwald no portal “ Intercept” sem menção a fonte e foi denominada Vaza Jato.
Através dela, foi comprovada a parcialidade da República de Curitiba, o uso da delação premiada para enriquecer escritórios de advogados amigos da turma, manobras processuais combinadas entre procuradores e membros da justiça superior e discussões sobre como aplicar e se beneficiar dos recursos provenientes das delações premiadas.
Walter Delgatti é o verdadeiro herói nacional. E Gleen Greenwald o único jornalista que cumpriu sua função profissional como manda a ética.
Lula deixou a cadeia de Curitiba inocentado em todos os processos que Sérgio Moro tinha forjado, a Onu reconheceu que ele tinha sofrido abuso jurídico e que o governo brasileiro tinha que pagar um valor pela arbitrariedade que tinha sofrido. O que nunca ocorreu.
Merval Soares Pereira Filho, o nosso segundo personagem, funcionário das Organizações Globo, foi um dos jornalistas que durante 5 anos disseminou os boletins da assessoria de impressa do juiz federal, sem buscar o contraditório e deixando de fazer jornalismo, transformando o medíocre cidadão de Maringá em herói.
O jovem jornalista carioca começou sua trajetória pelas mãos de Evandro Carlos de Andrade, profissional que em 1971 Roberto Marinho contratou para mudar o patamar do jornal “ O Globo”. Evandro era um dos remanescentes do “Diário Carioca”, que havia revolucionado a impressa brasileira junto com os jornalistas Carlos Castelo Branco e Pompeu de Souza.
Após um período como repórter no Rio de Janeiro, Merval foi alçado ao cargo de Diretor da Sucursal de Brasília, onde adquiriu poder e prestígio junto à classe política brasileira e tornou-se útil para Roberto Marinho, o dono de “ O Globo” e da Rede Globo, que se gabava de mandar nos poderosos de plantão .
No retorno à sede do Rio de Janeiro, Merval se transforma no colunista político mais influente do país ( Carlos Castelo Branco, o de mais prestígio e influência no cenário político nacional que escrevia no Jornal do Brasil tinha falecido).
Daí foi um pulo para seus comentários políticos no jornal e na Globo News serem apontados como palavra editorial dos interesses da família Marinho e ele, como porta-voz da Organizações Globo.
No dia em que Roberto Marinho faleceu, deixando desocupada seu posto na Academia Brasileira de Letras, Merval ocupou os holofotes ao receber em nome da família Marinho autoridades e personalidades que fizeram do ato um evento nacional.
Quando a Academia Brasileira de Letras abriu inscrições para preencher as vagas disponíveis, como é tradição, Merval Soares Pereira Filho inscreveu-se e foi eleito. como representante oficial da Família Marinho, mas seu deslumbramento o impediu de reconhecer tal fato.
Em 2022, ele foi eleito presidente da Academia Brasileira de Letras.
E depois que viu Sergio Moro desfilar abraçado com Jair Messias Bolsonaro no debate da Rede Bandeirante, declarou na Globo News: “ Eu nunca pensei que esse ex-juiz que liderou a Operação Lava Jato fosse tão sem caráter”.
Como dizia na extinta Radio Nacional uma ajudante de palco em um programa radiofônico de sucesso, ao auxiliar um professor que alardeava ser capaz de “ ver de olhos fechados”: “ Pensar professor, pensar”.
PATRICIO BENTES
ALLTV ” ( BRASIL)
Patricio Bentes é sociólogo e jornalista