A ( i) LÓGICA DO DIREITO E O CASO LULA

Em priscas eras, quando denunciei o então consultor geral da República (logo depois Ministro da Justiça) Saulo Ramos, ele tentou respondeu às acusações com um jurisdiquês incompreensível. Na época, consegui uma fonte privilegiada, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Sidney Sanches, que me deu um conselho de ouro: analise a medida do ponto de vista da lógica de uma pessoa racional.

A doutrina tem que espelhar o mundo real.

Na época, Saulo deu parecer para conceder um ano de correção pela inflação a títulos da dívida pública emitidos um mês antes do final do congelamento do cruzado. Era uma tramoia óbvia, que ele procurava disfarçar citando capítulos e parágrafos da doutrina.

Algo similar está acontecendo com o julgamento de Lula.

Em qualquer sistema democrático, quem denuncia tem o chamado ônus da prova, a obrigação de provar a acusação. Em caso de dúvida, prevalece a versão do réu. Ou seja, o réu só pode ser condenado quando o conjunto de provas levantadas não derem margem a nenhuma dúvida sobre sua culpabilidade.

Vamos conferir algumas pérolas do julgamento de Lula pelas três instâncias – 13ª Vara, de Curitiba, turma do TRF4 e turma do Superior Tribunal de Justiça.

  1. O que caracteriza a propriedade de um imóvel é o registro. Podem ser também contratos de gaveta. Se não existe provas nem de um nem de outro, não se pode afirmar que o imóvel mudou de mãos. É o caso do triplex. A OAS até poderia pretender vender o imóvel a Lula. Se Lula não aceitou, seja porque não gostou, seja porque o assunto vazou, e não há nenhuma prova da transferência da propriedade, então não houve venda ou doação. Não havendo, não tem crime a ser apurado. Não existe enquadramento legal para o fato de, em algum momento, Marisa da Silva ter manifestado interesse pelo imóvel. A Lava Jato aceitou a suposição do “contrato de boca”, sendo que a boca acusadora foi de outro réu aspirando a delação premiada.
  2. A lavagem de dinheiro é caracterizada pelo ocultamento dos ganhos ilícitos. Como, por exemplo, a compra de bens em nomes de terceiros, para disfarçar a origem do capital. Se o imóvel continua em nome do proprietário original, e não há nenhuma prova da transferência do imóvel para terceiros, então não houve o crime da lavagem de dinheiro. A Lava Jato sustentou que a lavagem de dinheiro consistia, justamente, na não transferência do triplex para o Lula. É de um nonsense…
  3. Corrupção e lavagem de dinheiro são tratados como uma ação única pelo STF. Não pode haver duas penas para uma só ação. As três instâncias aplicaram as duas penas porque, segundo os doutos juízes, a lavagem do apartamento prosseguiu muitos anos depois dos supostos fatos que teriam originado a propina. E qual a prova? O fato do triplex continuar em nome da OAS. Não há código nem jurisdiquês que legitime tal absurdo lógico.
  4. Não se levantou uma prova sequer sobre a compra do triplex por Lula. Mas a conclusão da Justiça, nas três instâncias, não foi a de que Lula seja inocente, mas a de que ele era muito esperto para ser apanhado e a operação era muito sofisticada. Fantástico! No mundo da lavagem de dinheiro, em que correm cifras bilionárias, transitando em paraísos fiscais, por estruturas complexas de dinheiro, de offshores, a tal operação sofisticada consistia em um tríplex meia boca em plena Guarujá, onde o beneficiário pela lavagem de dinheiro desfilaria publicamente pelas calçadas da cidade.
  5. A não ser em economias centralizadas, políticas econômicas são feitas para beneficiar setores da economia. Pode parecer estranho a procuradores e juízes, que pertencem ao lado improdutivo da economia, mas economia de mercado é assim. É papel dos governantes criar condições favoráveis às empresas nacionais, para que possam gerar emprego, impostos e investimentos. E é comum essas empresas apoiarem os partidos políticos cujas políticas públicas são benéficas ao setor. A propina é caracterizada por um percentual amarrado a uma obra específica. Além de não conseguir comprovar que o tríplex foi repassado a Lula, a Lava Jato não conseguiu estabelecer uma relação sequer entre o tríplex e os três contratos que a OAS tinha com a Petrobras. Por isso criou a figura do fato indeterminado.
  6. Toda a denúncia se baseou em uma delação na qual, para ter direito a benefícios, o delator teria que entregar o que os inquisidores pedissem. Justamente para evitar esse tipo de manobras, só são aceitas delações acompanhadas de provas. A Lava Jato aceitou as delações de Leo Pinheiro. Provas? Em determinado momento da delação, Pinheiro explicou ter destruído as provas, a pedido de… Lula, é claro. E a Lava Jato aceitou.
  7. Lula só poderia ser acusado de corrupção no período em que foi presidente – e, portanto, tinha ascendência sobre as pessoas indicadas. Para tanto, Moro colocou como data do crime 2009, último ano de Lula na presidência. Na hora de aplicar a pena, percebeu o fora. Há um prazo para a prescrição da pena, que tem relação direta com a pena aplicada. Com a pena que ele impôs a Lula, haveria a prescrição. É por isso que, quando o caso pulou para o TRF4, os três desembargadores – lendo votos escritos antecipadamente, com o mesmíssimo conteúdo – aumentaram a pena, atropelando o próprio Código Penal.
  8. No STJ, os quatro ministros – lendo votos preparados antecipadamente e todos com o mesmo teor – corrigiram as penas excessivas. Mas mudaram a data inicial da contagem da prescrição para 2014, que seria o período de influência de Lula no governo.
  9. Com a redução da pena, teoricamente Lula poderia pleitear prisão domiciliar em setembro. Mas, como era de se esperar, a Justiça age de forma sincronizada. E o juiz de primeira instância, do caso do sítio, tratou de acelerar o julgamento, para o TRF4 poder apreciar antes de setembro.

Quem tem a força, pode tudo. Mas não se utilize o fato das três instâncias terem concordado com essas aberrações, como sinal de imparcialidade da Justiça. Trata-se de estado de exceção na veia.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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