Ainda não sabemos exatamente como as coisas aconteceram mas vai ficando claro que Bolsonaro já tentou dar um golpe e perdeu. E que diante da recusa do ministro da Defesa e, principalmente, do comandante do Exército, a emprestarem a força militar para atos inconstitucionais, possivelmente contra os governadores, ele reagiu demitindo Azevedo e Silva, determinando a troca dos comandantes das três forças e deflagrando a crise militar em curso.
No calor destes acontecimentos inesperados, a primeira e mais corrente leitura foi a de que ele estaria fazendo as mudanças para ampliar seu apoio militar e eventualmente partir para o golpe. Mas, juntando as pontas e revendo os fatos precedentes, a conclusão deve ser outra: as demissões foram o troco que ele conseguiu dar, usando a caneta e o poder de comandante-em-chefe das Forças Armadas. A nomeação de Braga Netto para o lugar de Azevedo e Silva e a troca dos comandantes, entretanto, não mudará o fato de que o estamento militar ativo não está disposto a se meter em aventuras golpistas.
Quando Azevedo e Silva, já demitido, telefona para o presidente do STF assegurando isso, e o general Santos Cruz dá declarações muito eloquentes no mesmo sentido, eles sabem do que estão falando: não vai ter golpe, se depender dos militares.
Assim, a crise militar é decorrência da tentativa de golpe fracassada de Bolsonaro, não de uma intenção. Com o tempo, vamos saber o que se passou de fato. Ele propôs o estado de defesa e foi repelido? Ele quis medidas de força contra os governadores, contra as medidas de isolamento contra as quais voltou a falar nesta quarta-feira, enquanto seu novo ministro da Saúde e os presidentes das casas do Congresso as defendiam? Sabemos que Azevedo lhe negou as cabeças do comandante do Exército e do general Paulo Sérgio, por ter este último criticado a política sanitária federal em comparação com a gestão positiva da pandemia nos quarteis. Sabe-se que ele quis uma declaração de Pujol contra a decisão do ministro Fachin anulando as condenações de Lula. Mas não deve teriso apenas isso. Deve ter havido algo mais. Há pouco, vi a ex-presidente Dilma Rousseff dizer mais ou menos a mesma coisa em entrevista à TV247: “parece-me que ele (Bolsonaro) tentou uma ação”.
Juntando as pontas: na segunda-feira Bolsonaro estava sob os efeitos de uma grande derrota, a demissão do ex-chanceler Araújo imposta pelo Senado. Talvez tenha tentando uma ação naquele dia mesmo. O 31 de março se aproximava, e lembremos que o governo foi à Justiça derrubar liminar obtida pela deputada Natalia Bonavides contra as celebrações do aniversário do golpe de 1964. Repelido até pelos militares, deu o safanão no tabuleiro trocando seis ministros. E com isso conseguiu até mesmo diluir a percepção da derrota representada pela substituição do chanceler.
Na semana passada, Bolsonaro perdeu no STF a ação contra os governadores que adotaram o toque de recolher, acusando-os de implantar o estado de sítio. Falando a apoiadores, deu claramente a entender que estava preparando alguma coisa. Discorrendo sobre a miséria e a fome, para combater o isolamento, disse que “o caos vem aí”. E perguntado sobre a decretação do estado de sítio, afirmou: “Eu gostaria que não chegasse o momento, mas vai acabar chegando”.
E não seria ditadura, mas viria “para dar liberdade para o povo. É para dar o direito ao povo trabalhar. É para dar direito ao povo trabalhar. Não é ditadura não. Temos uns hipócritas aí falando de ditadura o tempo todo, uns imbecis. Agora o terreno fértil para a ditadura é exatamente a miséria, a fome, a pobreza”.
Foram estas declarações que levaram o presidente do STF, ministro Fux, a ligar para Bolsonaro perguntando se o estado de sítio estava em seus planos. Ele negou. Segundo o jornalista Ricardo Kotscho, ele quis decretá-lo e o ex-ministro da Defesa Azeredo e Silva não topou. Teria que passar pelo Congresso, mas talvez ele quisesse a força do Exército para impor a medida goela abaixo. Ainda saberemos.
Nesta quarta-feira, os novos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica serão conhecidos, e das escolhas dependerá o desfecho da crise militar. Se Bolsonaro decidir caronear quatro generais para escolher Freire Gomes, aumentará ainda mais o fosso que agora os separa do estamento ativo – embora tenha tantos da reserva no governo.
Certo é o que nos sobra disso tudo: apenas o desgoverno da pandemia. Enquanto o novo ministro da Saúde e os chefes do Congresso defendiam o isolamento social e demais cuidados para conter o vírus enquanto não temos as vacinas suficientes, um Bolsonaro sem máscara voltava a dizer:
– O apelo que a gente faz aqui é que esta política de lockdown seja revista. Isso cabe, na ponta da linha, aos governadores e aos prefeitos. Porque só assim podemos voltar à normalidade. O Brasil tem que voltar a trabalhar”.
Deste o jeito, o novo ministro também pode não durar.
É crise sobre crise, e mortos sendo empilhados.
TEREZA CRUVINEL ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)