COMO O NOVO DELEGADO-GERAL DA POLÍCIA FEDERAL ATUAVA EM FAVOR DO CLÃ BOLSONARO

Com base nas conversas do Telegram da Lava Jato, The Intercept identificou conversas entre os procuradores, suspeitando de que o delegado da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, “era corrupto e ligado ao PT”.

Pelo material divulgado, não se sabe os desdobramentos dessa suspeita. Ramagem continuou atuando sem ser incomodado. Provavelmente porque descobriu que Ramagem não estava operando a favor do PT, mas de seu amigo Eduardo Bolsonaro.

Vamos aos fatos e às suspeitas.

Peça 1 – a Operação Furna da Onça

A Operação Furna da Onça, do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, visou esquemas de corrupção envolvendo políticos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e os governos Sérgio Cabral e Pezão, a partir das denúncias de dois doleiros.

Para subsidiar a operação, a pedido do MPF o COAF produziu um relatório sobre movimentações financeiras de deputados e servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O relatório levantou a movimentação de um número razoável de pessoas. O MPF se incumbiu das investigações que envolviam Jorge Picciani. As movimentações atípicas em gabinetes de deputados, que não tivessem envolvimento direto, seriam encaminhadas para o MPE-RJ.

Ainda em janeiro de 2018, o COAF encaminhou o relatório ao MPE-RJ, para análise preliminar de outros casos que não estivessem diretamente ligados a Picciani. Era um cartapácio de 400 páginas, uma pedra bruta que precisou ser lapidada.

Na véspera das eleições, o então juiz Sérgio Moro – que já tnha certado sua nomeração para Ministro da Justiça de Bolsonaro – divulgava o vídeo de Antônio Palocci, com a intenção nítida de influencias as votações. Na outra ponta, o nome de Fabrício Queiroz, o faz-tudo dos Bolsonaro, estava no relatório do COAF, podendo implicar Flávio Bolsonaro. Mas passou despercebido até as eleições.

O que aconteceu nesse período?

Peça 2 – a cronologia dos fatos.

Uma série de movimentações sugeriam que Bolsonaro já tinha acesso a informações privilegiadas da operação Furna da Onça e dos preparativos do MPE-RJ. Tanto que sua primeira atitude, depois de eleito, foi trabalhar para abafar o caso, antes que viesse a público.

Confira a cronologia:

28.10.2018 – Segundo turno das eleições.

06.11.2018 – Queiroz e sua filha Natalia foram exoneradas dos gabinetes de Flávio e Jair Bolsonaro.

08.11.2018 – Apenas dois dias depois, a PF cumpre mandato de prisão contra 10 deputados estaduais do Rio de Janeiro.

12.11.2018 – o desembargador Abel Ferreira, do TRF2, divulga a representação do MPF sobre a Operação.

Alguns trechos do relatório, comprovando que já havia vazamentos para os suspeitos:

Esse contexto aponta com verossimilhança a existência de pessoa de prontidão para repassar informações aos investigados, valendo destacar que parte dos fatos descritos pelo MPF envolve exatamente a ingerência que os agentes políticos teriam na indicação e ocupação de cargos dentro das mais variadas estruturas estatais, que encontrou, para vários deles, corroboração nas medidas de busca e apreensão.

06.12.2018 – E, aqui, o divisor de águas, que muda o curso das investigações: Relatório do COAF mencionando Queiroz é vazado para o Estadão.  E aparecem pela primeira vez nomes ligados a Bolsonaro.

11.12.2018 – Depois do vazamento o MPF encaminhou ao MPE-RJ o seu inquérito.

Porque, então, Queiroz ficou de fora da Operação Furna da Onça?

Na foto dos detidos, faltou um nome: Flávio Bolsonaro

Peça 3 – o relatório do COAF

As manobras ocultando Flávio Bolsonaro – e desmontadas pelo vazamento do relatório do COAF – começaram a ficar mais nítidas a partir de 21.02.2019, quando o grupo Auditores-Fiscais Pela Democracia (AfpD) divulgou a Nota Técnica no 02.Leia também:  Xadrez do desfecho final do caso Marielle e os Bolsonaros, por Luis Nassif

Um dos filtros essenciais para a seleção de suspeitos é o volume de dinheiro movimentado em cada operação, explicavam eles. No caso da Operação Furna da Onça, foram levantadas as movimentações financeiras dos suspeitos no período 2014 a 2017.

Seis dias após o vazamento do relatório, Bolsonaro se manifestou sobre o tema, comprovando que o agente detonador das investigações contra Queiroz fora mesmo o vazamento. Segundo O Globo, declarou, em transmissão pelo Facebook:

“O Queiroz não estava sendo investigado, foi um vazamento que houve ali, não sou contra vazamento, tem que vazar tudo mesmo, nem devia ter nada reservado, botar tudo para fora e chegar a uma conclusão. Dói no coração da gente? Dói, porque o que nós temos de mais firme é o combate à corrupção e aconteça o que acontecer, enquanto eu for o presidente, nós vamos combater a corrupção usando todas as armas do governo, inclusive o próprio Coaf”.

Uma semana após a publicação do vazamento, o MPE-RJ pediu um relatório ampliado ao COAF pedindo o detalhamento das operações de Queiroz. Os alvos passaram a ser, então, Flávio Bolsonaro, Queiroz, Nathalia Queiroz, Evelyn Queiroz (ambas filhas do ex-assessor), Márcia de Oliveira Aguiar (mulher de Queiroz) e outros investigados.

Em janeiro de 2019, O Globo divulgou outro relatório dos COAF, sobre as movimentações de Queiroz de 2014 e 2015. O valor foi de R$ 5,8 milhões, totalizando R$ 7 milhões nos quatro anos.

Ali as fumaças se transformaram em suspeita. O valor das operações é um critério técnico para a seleção de pessoas a serem investigadas.  No relatório do COAF, no entanto, levantaram-se as movimentações de todos os investigados no período 2014-2017. Apenas a de Queiroz ficou restrita a 2016. Com isso, o valor movimentado caiu para R$ 1,2 milhão, irrisório perto dos R$ 40 milhões movimentados pelo gabinete de Jorge Picciani, deixando Queiroz na 20ª posição dos que mais movimentaram recursos.

Possivelmente foi essa redução que permitiu a Queiroz – e Flávio Bolsonaro – passarem incólumes pelo crivo da Lava Jato do Rio de Janeiro – que, ao contrário de Curitiba, tem um trabalho mais consequente, apesar do vergonhoso envolvimento do juiz Marcelo Bretas com o bolsonarismo.

Foi a primeira fumaça estranha, captada por quem conhecia a maneira de elaboração dos relatórios do COAF. Por que os levantamentos sobre as movimentações de Queiroz foram picotados?

Como analisam os auditores:

* O período de investigação dos alvos da operação Furna da Onça, centrada nos funcionários dos gabinetes dos deputados estaduais do RJ, era de quatro anos. Queiroz foi excluído do rol dos alvos da operação, provavelmente porque o valor movimentado no ano 2016, único ano que fizeram constar no relatório COAF, ficou abaixo da linha de corte da operação;

* se o mesmo critério dos alvos da operação Furna da Onça (período investigado de quatro anos) tivesse sido aplicado aos funcionários do gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, certamente este deputado também estaria entre os alvos da operação, uma vez que o valor de R$ 7 milhões figura entre os maiores em relação ao que foi movimentado pelos funcionários da Assembleia Legislativa do RJ;Leia também:  Coordenador da Funai omite participação em projeto de evangelização de indígenas

* a inclusão das movimentações suspeitas de Queiroz dos anos de 2014 e 2015 nos autos da operação Furna da Onça e a inclusão de Flávio Bolsonaro como alvo da referida operação, se tivesse ocorrido como está a sugerir a matemática dos números, e ainda a possibilidade real dessa informação vazar antes das eleições de outubro de 2018, teria tido um impacto negativo nada desprezível, tanto para Flávio (senador) quanto para Jair Bolsonaro, uma vez que o então deputado federal Jair abrigava em seu gabinete a filha de Queiroz, Natália, que repassava quase integralmente o valor do salário para seu pai, conforme relatório COAF.

Concluía a nota da AfpD:

“No caso Queiroz, há razoáveis indícios de que pode ter havido sim intervenção humana, pois o relatório foi fatiado. É preciso transparência, para que a sociedade tenha a garantia de que informações sigilosas sob guarda dos órgãos de controle não sejam usadas para perseguir adversários nem para blindar os amigos do governo de plantão”.

Peça 4 – retomando a cronologia

Como lembrou a AfpD, os arranjos posteriores, aparentemente, visaram esconder as pistas dessa operação. E a rapidez com que Bolsonaro agiu, dias após sua eleição, mostra indícios de vazamentos das informações.

* Sérgio Moro é indicado para o Ministério da Justiça.

* Poucos dias após as eleições, Bolsonaro fecha com Moro a entrega do COAF ao Ministério da Justiça. Foi o seu primeiro anúncio. Não teria anunciado essa transferência, se não tivesse fechado um acordo com Moro.

* Moro leva para a presidência o auditor Roberto Leonel, que era quem vazava as informações sigilosas para a Lava Jato.

Até então, o COAF era um órgão acima de qualquer suspeita.

Nas análises dos diálogos do Telegram, anteriormente divulgados, foram identificadas as relações informais – e, portanto, ilegais – dos procuradores com o COAF . A criação das chamadas Salas de Situação – em que sentavam todas as pontas envolvidas em uma operação – foi um improviso ilegal. Nela, servidores do COAF trabalhavam ombro a ombro com os investigadores, abrindo sigilo fiscal e selecionado os alvos que a Lava Jato definia.

Membros da Lava Jato recorriam reiteradamente a Roberto Leonel, presidente do COAF, como, por exemplo, para obter informações fiscais de uma nora de Lula, do caseiro do sítio, de antigos donos e da esposa de Lula, Marisa Letícia.

Chegou-se ao requinte de se recorrer ao COAF para verificar se seguranças de Lula teriam adquirido fogão e geladeira em 2014, para definir alguma correlação com a história do triplex.

A Lava Jato já tinha arrombado todas as instituições estatais, como ficou demonstrado pela Vaza Jato, como por exemplo no intercâmbio de informações sigilosas da Receita Federal.

No COAF era o mesmo padrão: os relatórios eram produzidos de acordo com os objetivos predefinidos pela Lava Jato.  Havia, portanto, uma relação de confiança que ultrapassava os limites da formalidade, o que torna a Lava Jato cúmplice da manobra tirou Flávio Bolsonaro da Operação Furna da Onça.

Provavelmente a missão mais urgente e importante de Leonel, quando indicado para presidir o COAF, tenha sido a de manter em segredo o que aconteceu na manipulação dos relatórios em benefício de Queiroz.

Peça 5 – a infiltração do bolsonarismo nas instituições

Dias antes do vazamento, em 30 de novembro de 2018, Flávio Bolsonaro se reuniu com Caio Carlos de Souza, promotor do MPE/RJ, para quem foi distribuída a investigação sobre a movimentação suspeita de Queiroz, depois do STF ter negado foro privilegiado a Flávio Bolsonaro.Leia também:  Novo chefe da Polícia Federal, Ramagem é íntimo de Carlos Bolsonaro

No dia 4 de fevereiro de 2019, internautas descobriram tuites de Caio Carlos minimizando as denúncias contra Queiroz.

E retuítes dele em mensagens de Carlos Bolsonaro

Foi o que levou o promotor a se declarar suspeito e abrir mão de presidir a investigação.

Ali, apareciam os indícios do primeiro envolvimento de alguns promotores estaduais com os Bolsonaro. O segundo indício foi na operação abafa, da falsa perícia dos equipamentos de telefonia do condomínio, visando desqualificar as acusações do porteiro. Também ali, revelações sobre as tendências bolsonaristas da promotora chefe da operação obrigaram ao seu pedido de demissão. Mesmo assim, há um conjunto de promotores sérios, garantindo a integridade do MPE-RJ, conforme o depoimento isento do deputado Marcelo Freixo.

E aí se entra no papel do delegado federal Alexandre Ramagem, indicado como delegado geral da Polícia Federal.

Pelas notícias de jornais, havia duas frente

Pelos diálogos divulgados por The Intercept, a Lava Jato desconfiava da existência de um sabotador no Rio de Janeiro. E as suspeitas eram justamente contra o delegado Ramagem, visto como agente do PT. Ou seja, sabia-se de movimentações estranhas de Ramagem, mas se julgava, inicialmente, que fosse a favor do PT.

Agora, com o aparecimento do nome de Ramagem nos diálogos da Lava Jato, fica a suspeita de que ele agia, de fato, como sabotador, mas do lado dos Bolsonaro. E, por isso mesmo tenha sido deixado de lado pela Lava Jato Curitiba.

A Operação foi em novembro de 2018.  Ramagem já aparece ao lado de Carlos Bolsonaro no réveillon de 2018. Antes disso, foi coordenador de segurança da campanha de Bolsonaro, o que demonstra que, já em 2018, tinha bastante influência na Polícia Federal.

No dia 26 passado, a CNN divulgou vídeo de 14 de novembro de 2017, no qual Bolsonaro, ainda deputado federal, acompanha a Policia Federal levando para depor o deputado Jorge Picciani, no bojo da Operação Cadeia Velha, que precedeu a Operação Furna da Onça. O delegado era Ramagem. Picciani seria preso dias depois, abrindo caminho para a operação seguinte, que centraria fogo em outros deputados estaduais.

Nos meses seguintes, Bolsonaro trouxe para sua segurança pessoal na campanha, justamente Ramagem, o delegado que comandava as investigações sobre os malfeitos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Agora, Bolsonaro tem, finalmente, a possibilidade concreta de controlar a Polícia Federal e, com isso, poder direcionar seu poder de fogo para blindar amigos e perseguir adversários.

Entra-se, portanto, na fase final do embate entre ditadura vs bolsonarismo. Caberá ao STF definir de que lado está.

Para saber quem manipulou o relatório do COAF é simples. Qualquer pessoa, para acessar o relatório, tem que se identificar. Basta conferir o histórico.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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