Os próximos dias serão decisivos para saber se, mais uma vez, a Presidência da República cairá nas mãos do vice-presidente
O presidente de extrema direita Jair Bolsonaro manteve ontem um duelo histórico com seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que lhe fez graves acusações de querer interferir na Polícia Federal para ficar a par de investigações de corrupção sobre sua família.
Ainda é cedo para saber quais serão as consequências jurídicas e legais sobre tais acusações, mas o que ficou claro é que Bolsonaro vai ficando nu ao rasgar durante seu mandato as três grandes bandeiras com as quais se cobriu durante a campanha e o levaram à vitória.
Era a luta dura contra a corrupção política que naquela época envergonhava o país e que o candidato à Presidência jurou combater. Foi assim que aceitou que o paladino naquele momento de luta contra a corrupção, o à época juiz da Lava Jato, Sergio Moro, entrasse em seu Governo como um superministro da Justiça. Foi seu primeiro gol.
Ele foi perdendo essa bandeira à medida em que foram aparecendo possíveis escândalos de corrupção dentro de sua própria família. Hoje, Bolsonaro, com sua Presidência acossada, está se refugiando até mesmo nos velhos deputados que também estão envolvidos em escândalos de corrupção para que possam salvá-lo de um possível impeachment no Congresso. E acaba de perder sua melhor espada, o ministro da Justiça, Moro, que decidiu deixar o Governo e lançar contra ele acusações tão graves que serão agora analisadas pelo Supremo e podem acabar forçando-o a renunciar.
A segunda bandeira era a de acabar no Brasil com a chamada velha política que governava fazendo acordos pouco republicanos com os deputados oferecendo-lhes cargos e benefícios para conseguir aprovar os projetos do Governo.
Bolsonaro havia jurado acabar em seu mandato com aquele velho estilo de governo para governar “escutando mais o povo” do que os deputados e senadores.
Tal bandeira, que lhe rendeu muitos votos nas eleições até mesmo de brasileiros que não gostavam de seu aspecto militar totalitário, mas que estavam aborrecidos com as tais maneiras de governar de costas às pessoas, foi ao chão. E está tentando formar uma maioria que nunca teve no Congresso e sem a qual viu que era impossível governar. E o está fazendo com os métodos da mais rançosa velha política.
Resta a ele, prestes a cair, a última bandeira, a de realizar uma política neoliberal, de menos Brasília e mais Brasil, menos Estado e mais capital privado. Para essa bandeira escolheu o economista da Escola de Chicago, o superliberal Paulo Guedes. Uma bandeira que pretendia reverter a desastrosa política econômica dos governos de Dilma Rousseff, que deixou 14 milhões de trabalhadores na rua.
Essa bandeira neoliberal também já está praticamente murcha e a imprensa fala abertamente que após a saída do popular ministro Moro, já estaria sendo preparada a saída da estrela econômica Guedes, que teria perdido a confiança do Presidente que pretende reverter a política econômica para dar lugar a um populismo que possa ajudá-lo na reeleição.
Ontem foi significativo que durante seu discurso para responder às acusações de Moro, durante o qual esteve cercado por todos os outros ministros, o único sem terno e gravata, de camisa e com a máscara contra o coronavírus, tenha sido justamente o ministro da Economia. Guedes com a máscara mostrava seu contraponto ao Presidente, que insiste em minimizar a epidemia e continua abraçando as pessoas nas ruas e pedindo que tudo volte à vida normal enquanto o número de mortos já se multiplica em maior proporção do que a Espanha.
Despojado das três bandeiras que lhe deram a vitória, o Presidente, cujo Governo faz água por todos os lados, aparece a cada momento mais nu e sozinho. Restam a ele os ministros generais do Exército cuja reação diante das graves acusações lançadas por Moro, ninguém ainda sabe se decidirão abrigar o Presidente nu, ou se farão algum malabarismo para cobrir sua nudez com seu voto de confiança.
Os próximos dias serão decisivos para saber se, mais uma vez, a Presidência da República deste país cairá nas mãos do vice-presidente eleito com ele nas urnas que no Brasil, hoje, é o general Mourão. A última palavra agora será do Congresso e do Supremo, as duas instituições que podem colocar em andamento o impeachment de um Presidente da República.
Um momento que para o Brasil não poderia ser mais crítico, já que o coronavírus, além de a cada dia levar mais vidas, está produzindo uma grave crise econômica com milhões de brasileiros que sem poder trabalhar voltam aos anos terríveis da fome e da miséria.
JUAN ARIAS ” ” EL PAIS” ( ESPANHA / BRASIL)