O DÓLAR NO EMBALO DE BIDEN E MCCARTHY

Minha juventude foi no embalo de Lennon& MacCartney, a dupla genial dos Beatles (tinha admiração especial por George Harrison). Pois agora, aos 73 anos, escrevendo sobre a economia, o que embala os mercados financeiros (dos Estados Unidos e do mundo, incluindo o Brasil) é a pauta “musical” do acordo do presidente Biden com o presidente da Câmara, o republicado Kevin McCarthy, para evitar o calote da dívida de US$ 31 bilhões do Tio Sam.

O alcance da medida nos mercados financeiros está limitado pelo feriado do Memorial Day nos EUA. Mas houve, sem dúvida, um grande alívio que pode definir melhor a política de juros do Federal Reserve. Antes do acordo, no fim de semana, a Genial Investimentos reportava – com base na alta de 0,4% na taxa do PCE de abril – que “a probabilidade avaliada pelos investidores de que o Fed venha a aumentar (em 21 de junho) a taxa básica de juros da economia em 0,25 pontos de porcentagem, voltou a se tornar majoritária”.

O impacto no Copom

No mesmo dia, o Comitê de Política Monetária do Banco Central decide se mantém a Selic em 13,75% ou faz a sua 1ª redução. Um aumento dos juros nos EUA reduz o diferencial entre os juros no Brasil e no exterior e pode afetar a cotação do dólar. Semana passada o mercado já apostava que o default da dívida nos EUA seria evitado. Somada à valorização do real, isso manteve a queda dos juros futuros. O mercado agora projeta um corte de 25 ponto percentual na Selic em agosto, com a previsão de fechar o ano em 12,50%.

Essa aposta foi reforçada pelo boletim Focus, que mostrou nova redução do IPCA para 2023, de 5,80% para 5,71%, por 154 instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa. Nas apostas dos últimos dias úteis, a mediana de 69 respostas caiu para 5,50%. Vale lembrar que há um mês as projeções estavam em 6,03%.

O principal fator de redução está nos preços administrados, embalados pelo dólar abaixo de R$ 5,00 (o mercado operava hoje a R$ 4,99) e pela nova política de preços da Petrobras: o mercado reduziu a previsão para a alta até dezembro de 9,50% para 9,44%, sendo de 9,16% as apostas nos últimos 5 dias. Há um mês, antes da mudança da Petrobras, a previsão era de 10,73%para os preços administrados, entre os quais a gasolina influi mais.

Inflação cai abaixo de 4% em junho

Outro indicador que confirma as expectativas de queda da inflação no curto prazo diz respeito às previsões para o IPCA de maio, junho e julho. Na semana passada anunciamos que a LCA Consultores previa queda para apenas 0,35% no IPCA de maio, após a baixa para 0,51% no IPCA-15. Pois a pesquisa Focus apontou baixa de 0,43% para 0,39% na mediana das previsões para maio (0,36% nos últimos cinco dias). Isso reduz a taxa em 12 meses do IPCA de 4,18% par 4,08%. Para junho, a previsão caiu de 0,34% para 0,31% (0,27% nos últimos 5 dias). Como a taxa subiu 0,67% em junho de 2022, se as previsões se confirmarem a taxa acumulada do IPCA em 12 meses descerá abaixo de 4% – para 3,70% a 3,66% no final do 1º semestre, dentro do teto da meta de inflação, que é de 3,25% + 1,50% de margem de tolerância= 4,75%.

Se a Selic for mantida em 13,75% na reunião do Copom em 21 de junho, isso significaria brutal aumento de juro real nestes cinco primeiros meses do ano. Descontada a inflação de 5,79% em dezembro, o juro real subiria de 7,52% em dezembro para 9,7%. O freio de mão está puxado e já se sente o cheiro de lona queimada. Mas, o Banco Central alega o medo do repique inflacionário de julho a setembro (no ano passado, para tentar aumentar as chances de reeleição de Jair Bolsonaro, o governo cortou impostos e gerou deflação de 1,32% no período). O mercado não teme isso.

O Copom chegou a discutir na reunião de maio, para justificar o tranco no juro real, a suposição de que a economia brasileira estava necessita de uma taxa de juros real neutra (aquela em que não há influências negativas ou positivas no andar dos negócios) acima do nível de 4% (ela está mais do que o dobro desde março). O Banco Central vem preparando o terreno para justificar seu excesso de cautela, já que em julho de 2022 houve deflação de 0,68%. Mas a Focus aponta previsão de taxa de 0,35% em julho deste ano (0,31% nos últimos 5 dias). Se as previsões forem confirmadas o repique seria de 3,7% para 4,77%, na 1ª hipótese, ou para 9,7% na previsão mais benigna.

Pendurados no cartão

Enquanto não move os juros para baixo e (ao contrário) os eleva em termos reais, o Banco Central divulgou hoje um box do Relatório de Economia Bancária (que será divulgado em 6 de junho) com dados alarmantes do aumento do número de brasileiros pendurados em dívidas nos cartões de crédito. Em junho de 2022, 84,7 milhões de clientes de cartões de crédito no Brasil possuíam saldo devedor (que refere ao valor da compra, seja ela parcelada ou não, que ainda não foi pago pelo cliente e sobre o qual pode ou não incidir juros) relacionado a essa forma de pagamento.

Houve um aumento de 20 milhões de pessoas (30,9%) sobre os 64,7 milhões de junho de 2019. O Banco Central atribui o fato à maior concorrência de novos players no mercado (novas instituições bancárias e de pagamentos) que emitiram em 27,6 milhões o total de beneficiários no período analisado.

Se a gente considerar que boa parte da população não tem cultura ou dinheiro para suportar a quitação total dos débitos no mês seguinte (entrando assim no perigoso círculo vicioso do endividamento mais caro do país, como havia, em junho de 2022, a absurda quantidade de 190,8 milhões de cartões de crédito, uma quantia quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões), segundo dados de 2021 do IBGE, conclui-se que o cartão eletrônico virou a tornozeleira eletrônica das classes médias e baixa do país.

‘Desenrola’ segue enrolado
Enquanto isso, a tábua de salvação, que seria o programa “Desenrola”, segue enrolado para contornar as restrições da Lei Geral de Proteção de Dados.

GILBERTO DE MENEZES CÕRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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