NOVO MODELO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM UM PAÍS DE TRATORES E TACAPES

CHARGE DE ZÉ DASSILVA

O que haveremos de aproveitar da passagem deste Sete de Setembro? O que deverá restar nas ruas e praças?, onde o dia amanhece com tantas previsões divergentes. Há os que esperam um dia quente, violento, conflituoso, como também os que apenas esperam amanhã, com tudo de volta ao normal, como a pandemia, que cancelou desfiles miliares, mas não foi capaz de impedir manifestações de milhares de pessoas nas grandes cidades. Apenas estaríamos voltando de generoso e prolongado feriado.

Vai prevalecer, contudo, uma certeza: o feriado cívico deixa claro que a Nação depara com questões que estão a exigir rápido encaminhamento, sem maiores adiamentos. É o caso da forma como se organiza a composição do Supremo Tribunal Federal, hoje atribuição exclusiva do presidente da República; só dele, além de uma protocolar aprovação pelo Senado.

O Supremo precisa disso para se reavivar. Está vivendo seus momentos mais críticos quanto à confiabilidade e isenção nas decisões que toma, não raro avançando além das tão lembradas quatro linhas da Constituição. Como nunca antes havia acontecido, os ministros são acusados até de usar o cargo para viverem nababescamente. Se não se respeitam, não são respeitados.

Então, parece claro que, no rastro deste Sete de Setembro, a mais alta corte de Justiça reclama recauchutagem, a começar por extinguir o modelo em que a responsabilidade pessoal e soberana do presidente é que decide quem assume uma daquelas onze cadeiras. Não faltam sugestões, algumas de indiscutível procedência. Uma delas, objeto de proposição que tramita no Congresso Nacional, assegura que o ministro só deve ascender à cadeira se alcançar a bênção de um colégio insuspeito, onde votariam representantes de tribunais superiores, do Tribunal de Contas, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados. E para cumprir mandato de tempo determinado; nada além de uma década.

Esse poder colegiado poderia contribuir para que, nas indicações, avalie-se também, com cuidado, a elástica interpretação de méritos pessoais. Indaga-se se a definição de “ilibada reputação”, exigível de quem será ministro, é virtude de todos que assumem o direito de julgá-lo capaz. Ao passar pelo crivo do Congresso, têm todos os sabatinadores a santidade que cobram dos outros?

Hoje, na composição da corte, cumpre-se modelo visivelmente desgastado, que contribui para condená-la a uma dolorosa fase de desprestígio, a começar por perder o respeito da nação. Não é bom que continue assim.

Onde estão os partidos?

Nesse clima de tensões por que passa a vida política nacional, uma indagação parece pertinente, embora raramente lembrada. É o que têm feito – se é que fazem – os numerosos partidos que temos por aqui. Pouco ou nada, certamente. Basta recorrer a duas realidades, que se fazem claramente expostas. A primeira é o presidente da República sem filiação partidária, desabrigado da legenda com que se elegeu em 2018, e, desde então, tateando entre uma ou outra opção, sendo que, em certos casos, tornou-se evidente que não seria recebido com total agrado. Com tanto poder, um presidente garimpando legendas? A um ano de disputar a reeleição, é algo singular, se não mesmo excêntrico.

Por onde andam os partidos? Sem boa resposta para a indagação, a segunda realidade a considerar é o governo fazer-se representar no Congresso não por um ou mais partidos, mas por um bloco de rigorosa heterogeneidade, sem formação programática e ideológica; contudo, forte, e por isso chamado no superlativo – Centrão.

Ali, é um conjunto de colaboradores ocasionais. Não podem ser confiáveis, porque quem já serviu bem a muitos senhores não serve bem a nenhum. Um espaço que PSDB e MDB não tiveram fôlego suficiente para ocupar, como também não o tiveram para assumir a oposição, quando ela se impunha necessária.

Nesse quadro amorfo e confuso, vê-se a razão de nenhum dos muitos partidos ter espaço no núcleo das tensões atuais, sem capacidade para agravá-las, muito menos solucioná-las. Como também raramente assumem papel nos primeiros lances da sucessão presidencial. Nem caberia, em contradita, lembrar o PT, porque ele não traz um programa ou uma nova ideia. Seu líder natural ocupa sozinho o cenário.

Tratores x tacapes

A versão atualizada de velho brocardo dirá que, se pouca confusão é bobagem, uma a mais não haverá de afetar o país, que tem mostrado costas largas para enfrentar dissabores.

Dá-se caso semelhante com a discussão que se aprofunda em torno do chamado ”marco temporal”, pretendendo isolar aldeias indígenas onde já se encontravam no dia em que foi promulgada a Constituição de 88. Elas não concordas e protestam, alegando que ocupavam terras mais amplas, e, antes, delas foram expulsas por posseiros, grileiros e pelos tratores e capatazes dos fazendeiros. Está criado o impasse, nascido de uma causa que se restringia ao povo xokleng, de Santa Catarina, cenário de uma disputa que remonta situação centenária, e acabou despertando ambições territoriais estendidas por outros estados; e foi parar no Supremo Tribunal, que espera encerrar o assunto amanhã, quando o ministro Édson Fachin apresentar seu voto como relator. Sucessivos adiamentos revelaram que a questão se cerca de entendimentos e temores diversos.

O melhor que pode fazer o STF, neste momento, quando já não anda em tempos de prestígio, é retirar-se do conflito. Não decidir. Para tanto, conta com argumento oportuno, pois na Câmara tramita o projeto 490, que dispõe sobre o polêmico marco territorial. Aos deputados haverá de sobrar tempo suficiente para decidir. Mas não os ministros nesta semana, porque, como quer que venha o voto do plenário da corte, o desagrado será geral, com agravante de se dar num momento de ânimos exacerbados, incluindo o temor de decadência do agronegócio. E os índios serão donos de espaços equivalentes às suas primitivas regiões? Ironiza-se: vão acabar voltando a ser donos do que era deles nos tempos de Cabral…

O Brasil está ardendo num forno que pode atingir temperatura máxima neste dia 7. Tem direito de dispensar confrontos de tratores e tacapes.

WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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