A OCDE NÃO DESCARTA PROTESTOS NO BRASIL, REPETINDO CENÁRIOS DE OUTROS PAÍSES SUL-AMERICANOS

A desigualdade social no Brasil aumentou e o modelo de crescimento pode ter se esgotado. As análises são da OCDE que, para o segundo semestre do ano, prepara uma espécie de raio-x do país. O documento, elaborado ainda quando o coronavírus se limitava à Ásia, ainda citava como país poderia registrar os mesmos protestos que, tomaram conta de diferentes cidades latino-americanas. .

Os comentários fazem parte de uma primeira versão do documento que a entidade elabora sobre a situação brasileira – OECD Economic Survey of Brazil 2020. A versão do documento obtida pela reportagem ainda não é final. Mas será a partir dela que o documento conclusivo está sendo elaborado.

O texto, classificado em sua capa de “confidencial”, deveria estar concluído em meados do ano. Mas, diante da pandemia, ele foi adiado para setembro.

Procurada, a OCDE afirmou por meio de seus porta-vozes que não iria comentar o documento obtido pela coluna e que apenas falaria sobre informes finais. Já fontes dentro da entidade que participaram da elaboração do documento, em Paris, confirmam que, diante da pandemia, todas as projeções econômicas de crescimento para o país que constam do informe terão de ser refeitas, além de avaliações sobre emprego, dívida pública e ameaças externas.

Até que o texto esteja concluído, várias revisões ainda serão realizadas e o governo terá a oportunidade de submeter seus comentários aos autores. Ainda assim, as avaliações mostram uma preocupação clara sobre a situação social que já imperava antes mesmo da crise.

Desde seu início, o governo de Jair Bolsonaro colocou a adesão à OCDE como um de seus maiores objetivos no cenário internacional. Para isso, cedeu em temas comerciais, em troca do apoio americano. Mas um impasse em Washington e a Europa sobre quem seriam os próximos países a aderir à entidade colocou a candidatura brasileira num compasso de espera.

Procurado pela reportagem, o Itamaraty indicou que não comenta documentos que não tenham sido oficialmente divulgados. Fontes dentro da chancelaria, porém, confirmam que a minuta inicial do texto já tinha sido vista pelo governo.

Economia e queda de renda
O documento, elaborado antes de todas as revisões econômicas diante da pandemia, traça uma avaliação da situação econômica na qual o Brasil se encontrava. Se todas as projeções terão de ser refeitas, a análise do informe sobre o contexto mostra a dimensão da crise na qual o Brasil viveu nos últimos anos.

“A recessão 2015/2016 foi a mais profunda do Brasil em dois anos consecutivos em mais de 100 anos e atrasou a renda em oito anos”, alertou. “Em termos per capita, as rendas estão agora abaixo do nível de meados de 2010”, indicou.

Segundo a OCDE, a recuperação que ocorria era “muito mais fraca do que em recessões anteriores”. E a entidade levantava uma questão estrutural. “Isto pode refletir um menor potencial de crescimento da economia que vai muito além de uma desaceleração cíclica e um modelo de crescimento que precisa agora de mudanças”, apontou.

“Ao longo de várias décadas, a demografia favorável e o aumento da força de trabalho sustentaram a renda per capita, enquanto o aumento dos preços das commodities impulsionou a receita pública. Esta constelação benigna sustentou uma expansão simultânea do consumo privado e público, mesmo quando o crescimento da produtividade estava praticamente estagnado”, disse.

Mas a demografia atingiu um ponto de inflexão em 2019 e o que antes era um ativo está agora se tornando um desafio. “Todo o impulso de crescimento da demografia desde o ano 2000 será totalmente revertido ao longo dos próximos 25 anos. Nos próximos 40 anos, a participação das pessoas com 65 anos ou mais aumentará em quase 16 pontos percentuais”, disse. “Isto irá diminuir substancialmente o potencial de crescimento da economia, para cerca de 1,5% ao ano”, estima.

Desigualdade e protestos
Para a OCDE, a expansão da economia não era o único desafio. “As desigualdades estão subindo novamente após anos de declínio e a evidência generalizada de práticas corruptas expostas nos últimos anos revelou desafios significativos na governança econômica e nas instituições, desperdiçando recursos públicos e exacerbando as desigualdades de renda”, alertou.

A entidade não descartava nem mesmo protestos. “O descontentamento social tem aumentado em vários países vizinhos da América do Sul e pode também afetar o Brasil”, alertou.

“As aspirações frustradas de uma classe média crescente, mas ainda vulnerável, têm sido um tema comum em todo o continente, um tema que também repercute no Brasil”, disse.

“A recessão reverteu o progresso com a mobilidade social, frustrando aqueles que pensavam que seriam os próximos na fila para melhorar suas vidas”, apontou. “O Brasil ocupa a 27ª posição entre 30 países em comparação sobre mobilidade social. A frustração resultante é agravada por escândalos de corrupção que corroem a fé nas instituições públicas”, completou.

De acordo com a OCDE, após declínios substanciais nas últimas décadas, “as desigualdades de renda e a pobreza têm aumentado recentemente por conta da recessão”. Para a entidade, a retomada do progresso social do passado é “claramente viável”, mas dependerá de refinamentos e gastos mais efetivos em proteção social, educação e formação profissional.

“Além dessas alavancas políticas específicas, o aumento da produtividade, para o qual as reformas estruturais desempenham um papel fundamental, detém a chave para melhorias sustentáveis nas perspectivas econômicas por meio de novos e melhores empregos”, disse.

O custo de combater a pobreza no Brasil não seria elevado. Garantir uma renda acima de US$ 5,5 por dia por pessoa custaria 0,15% do PIB por ano. A OCDE ainda estima que o Bolsa Família seja “um ativo fundamental sobre o qual o Brasil deve se apoiar para proteger os pobres de forma mais efetiva e promover a viabilidade política das reformas”.

Bandeira da OCDE há anos, a reforma estrutural do país é citada como parte da solução. “A realização do potencial do Brasil e a melhoria do bem-estar e do padrão de vida só serão possíveis através de reformas estruturais ambiciosas que aumentem a produtividade”, disse.

“Após décadas de lenta reforma, muitos dos cenários institucionais e políticos do Brasil foram feitos para um mundo que é muito diferente dos desafios de hoje. Sem o apoio da demografia, novos progressos no padrão de vida material dependerão crucialmente do crescimento da produtividade, que deve se tornar a base para mais e melhores empregos remunerados para todos os brasileiros”, apontou.

A entidade admite que “não será fácil encontrar o consenso político necessário para novas reformas”. “O cenário político fragmentado de hoje e o espaço fiscal mais limitado aumentam essas dificuldades, já que no passado o consenso era muitas vezes obtido por causa de ineficiências significativas nos gastos do governo”, constatou. “Mas, no contexto atual, o fracasso da reforma vai atrasar o progresso econômico e escolhas políticas difíceis terão de ser feitas de qualquer forma, das quais a inação pode ser muitas vezes a menos atraente”, apontou.

JAMIL CHADE ” SITE DO UOL” ( BRASIL)

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