Sem dispor de um projeto democrático de Nação, Lula continuará brilhando no exterior. E sendo alvo de campanha negativa diuturna da mídia.
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Há uma discussão crescente sobre as características do novo mundo, que surge da tecnologia digital. A revolução industrial trouxe a luta de classes, empregador contra empregado, e a classe dos financistas, pairando sobre todos.
A ultra financeirização das últimas décadas trouxe uma nova realidade, a do precariado, em lugar do proletariado. E a do financista-rentista em lugar do empreendedor – o que ergue empresas. Trata-se de uma discussão complexa, que envolve os melhores economistas e cientistas políticos do mundo.
Vamos nos debruçar sobre a realidade brasileira e tentar sistematizar os atores envolvidos.
Grosso modo, há uma grande divisão: o pessoal da produção e o pessoal das finanças. No primeiro grupo estão os personagens com as seguintes características:
- São geradores de emprego e pagadores de impostos.
- São clientes do crédito oferecido pelas instituições financeiras.
- Trabalham diretamente com a produção – como fabricantes ou comerciantes.
Entram nessa categoria, pequenos, médios e grandes empresários e – importante – seus trabalhadores; mais as formas associativas de produção – as cooperativas, a agricultura familiar em torno do MST -, e os pequenos empresários individuais.
Em uma economia saudável, os financistas adiantam financiamento para seus clientes – pessoas físicas ou jurídicas -, que adquirem bens de produção ou de consumo, criando um mercado robusto.
No caso brasileiro, a enormidade das taxas de juros cobradas faz com que a maior parte da poupança brasileira seja esterilizada em distribuições de dividendos, que vão apenas tornar os ricos mais ricos e exportar parte dos lucros para fundos internacionais.
Tudo passa a ser financeirizado. Para investir em uma empresa, o investidor vai analisar a Taxa Interna de Retorno, uma forma de comparar com as taxas de juros dos títulos públicos ou privados. E o piso é dado pela taxa básica de juros – no caso brasileiro, a taxa Selic. Ele não analisa a empresa pelo que poderá se tornar no futuro, mas pelo que rende em dividendos no imediato.
Esta semana, o Copom (Comitê de Política Monetária) reune-se para definir a nova Selic. Desde ontem, instaurou-se um terrorismo no mercado, com o dólar subindo, as taxas longas subindo, em um claro movimento de cartelização. Taxas elevadas derrubam o valor das empresas, enxugam o dinheiro que iria para consumo e jogam a economia em uma semi-estagnação – situação em que se encontra o mundo e, particularmente o Brasil, há muito tempo.
Com o valor das empresas despencando, com o torniquete dos juros comprimindo seu capital de giro, perdem os empresários e os empregados. Não se trata mais de disputar a mais valia, porque ela já não há. Em outros países, leves movimentos de taxas de juros são utilizados para reduzir as demandas salariais por reajustes e, por aí, segurar os movimentos do câmbio e da inflação. Por aqui, é veneno na veia, deixando a economia entorpecida.
Sem perspectivas de lucrar com a atividade real, quais as alternativas dos rentistas:
- Chupar o sangue do Estado com a Selic nas nuvens.
- Adquirir empresas estatais na bacia das almas.
- Adquirir empresas em dificuldade para normalizar seu caixa e vender com lucro.
Tem-se aí – no extraordinário nível dos juros – o ponto central para um pacto entre o Estado e a produção. Aqueles setores com maior poder político conseguem isenções fiscais e outras benesses, pressionando os gastos públicos, mas longe, ainda, da grande conta dos juros da dívida pública.
Recentemente, o professor Eugênio Bucci inverteu uma frase clássica e criou seu oposto: “desinformação é poder”. Há um insistente trabalho de criação de bodes expiatórios para o déficit. Não se trata dos R$ 7 trilhões da dívida pública, 80% dos quais em função dos juros sobre juros; nem as isenções para o agronegócio, para a distribuição de combustíveis, para a Zona Franca de Manaus. Os culpados são os gastos com Educação, Saúde, pesquisas, enfim, tudo aquilo que é central para a construção de uma Nação.
É uma mixórdia invencível de notícias falsas sobre o déficit, repetida por papagaios das mais diferentes formações.
Não tenho a menor ideia sobre o que virá pela frente. Nos anos 20, a mistura de excessos da financeirização, decadência do padrão ouro – e do Banco da Inglaterra como maestro dos bancos centrais de países emergentes – desmoralizaram a democracia, dando início a outros modelos de gestão, do comunismo ao nazismo.
E agora? A China dá o exemplo, muito inspirada no modelo brasileiro dos anos 50 – quando o Estado entrava com as grandes empresas de infraestrutura, pavimentando o caminho para o setor privado. O mercado de energia eólica da China, por exemplo, é fruto da parceria do Estado – que montou uma gigantesca empresa de equipamentos eólicos – e centenas de empresas privadas, usando os equipamentos para a geração de energia.
Mas a China tem duas condições essenciais, que faltam ao Brasil: um governo forte e esclarecido. No Brasil, há uma pulverização partidária, a infiltração da religião por todos os poros da política, um presidencialismo enfraquecido. De onde surgirá, então, a solução?
Enquanto não se desenha um projeto de Nação, há que se investir em um dos grandes ativos nacionais: o associativismo, na forma de cooperativas e de movimentos sociais, nos arranjos produtivos, nos consórcios. E, a partir daí, firmar o grande pacto com a produção. Lula tem que usar sua retórica objetiva – que conquistou ovações nas reuniões da Organização Internacional do Trabalho e no G-20 – para convencer industriais, comerciantes, proletariado e precariado, poder público, que todos somos parceiros da grande bandeira de reconstrução nacional: o desenvolvimento. E o grande desafio é derrubar juros e spreads bancários, para induzir o enorme capital financeiro, acumulado em décadas de bonança, a investir no setor real, na infraestrutura, na indústria de base, nos estaleiros, nos consórcios de empresas.
Sem dispor de um projeto democrático de Nação, Lula continuará brilhando no exterior. E sendo alvo de uma campanha negativa diuturna da mídia.
LUIS NASSIF ” JORNAL GNN” ( BRASIL)