Quando assumiu, em 2003, Lula ganhou de presente um superciclo das commodities internacionais. Agora, o jogo é outro.
Contribua usando o Google
Vamos a uma atualização de episódios recentes:
- Os planos de saúde romperam com contratos individuais, de pessoas com doenças custosas, grande parte crianças. O presidente da Câmara, Arthur Lira, montou um jogo de cena com as operadoras. simulou uma defesa dos segurados. Lula não se manifestou.
- Greve dos professores universitários. Lula deu uma bronca, taxando a greve de prejudicial aos alunos. Depois, anunciou um PAC para a construção de novos Institutos Federais, sendo que faltam recursos até para a manutenção da atual estrutura das universidades federais. Se não há recursos para a estrutura atual, como ampliar a rede?
- Se embaraçou na questão das “blusinhas”, do PIS-Cofins.
- Ontem, o mais previsível das pessoas públicas, Roberto Campos Neto, rasgou a fantasia e revelou o que estava à vista de todos desde o início: é um agente do bolsonarismo, boicotando o governo Lula para assumir o Ministério da Fazenda em um futuro governo bolsonarista. Já conseguiu comprometer dois anos de governo.
- Na outra ponta, tem-se o melhor quadro do governo, Fernando Haddad, pagando o desgaste de tentar tapar os rombos do orçamento, enquanto o Congresso – e Roberto Campos Neto – arrebentam com as contas públicas e oferecem sacos de bondades, ainda que vazios.
Quando assumiu, em 2003, Lula ganhou de presente um superciclo das commodities internacionais. Havia recursos para contentar todos os setores. Com essa abundância, Lula pode manter Antonio Pallocci e Henrique Meirelles presenteando o mercado, o Bolsa Família atendendo os miseráveis, ainda teve superávits fiscais e, a partir de 2008, acumulou um belíssimo volume de reservas cambiais. E, na ponta contrária, ainda havia uma oposição civilizada, apesar de José Serra.
Agora, o jogo é outro. Não há mais o boom das commodities, há o pior Congresso da história, e não se conseguem alinhar teses progressistas sequer no partido do próprio governo. É só conferir o papelão da ex-Ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário no caso da “saidinha”, ou de Jacques Wagner, no episódio do PIS-Cofins.
Dentro desses limites estreitos, como romper com as amarras? Não dá para colocar todas as energias em medidas que dependam do Congresso. Há que se sair da concha e buscar outras formas de atuação – e um governo federal tem muitos instrumentos à mão.
Há duas prioridades básicas, para impedir a volta do fascismo em 2026:
- Uma gestão eficiente que não dependa do Congresso. Há trunfos fantásticos, com as possibilidades abertas pela transição energética, com a existência de organizações de caráter nacional – das federações empresariais às cooperativas e movimentos sociais. Esse enorme potencial exige planejamento, articulação, planos interministeriais, sob a coordenação de grandes gestores. Lula tem à mão o melhor gestor público das últimas décadas, Fernando Haddad. Mais que isso, Haddad sempre foi de uma lealdade impecável com seu chefe, Lula, a pessoa que melhor sabe aproveitar seu aconselhamento político. Com todos os instrumentos à mão – dos financiamentos de bancos públicos às medidas fiscais e à articulação da máquina pública – Haddad deixaria de ser o Ministro das maldades, para ganhar uma dimensão maior, que lhe dê mais autoridade para suas tentativas de racionalização do orçamento público. E Lula teria, enfim, entregas à mancheia para reconquistar a opinião pública
- Ao mesmo tempo, Haddad sendo bem sucedido, resolve-se a segunda prioridade, que é Lula ter uma alternativa de candidatura forte em 2026
Nesses anos todos, Lula foi a única liderança no PT e nas esquerdas, com uma atuação histórica em vários momentos da vida nacional. Por essas virtudes, nunca lhe foi cobrado essa desatenção em relação à sua sucessão.
Como sindicalista, permitiu que vicejassem outras lideranças e sempre teve o cuidado de não inibir seu crescimento.
Como político, não. Está na hora de se começar a pensar a sério na construção política de seu sucessor e na recuperação administrativa do seu terceiro mandato. Seria uma sucessão conduzida pessoalmente por ele, com o mesmo desprendimento com que enfrentou as maiores provações sempre tendo em mente o bem do Brasil e o fato de sentir-se à altura de dona Lindu.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)