LEMBRANÇAS DAS MINHAS VIAGENS INÚTEIS

Um relato fotográfico de um repórter acostumado a guerras e surpreso com a destruição que encontrou no Rio Grande do Sul

Quando cheguei a Passo de Estrela, Rio Grande do Sul, me lembrei de Gabriel García Márquez. As águas do rio Taquari já haviam baixado, mas ainda corriam forte. Da parte mais alta, era difícil entender o que havia acontecido ali. Tirando os escombros de uma casa ou outra, não havia nada mais que ressoasse um bairro com mais de 500 residências: pilastras, paredes, portas, muros, sons… Tudo se foi.

Só de cima era possível ver a incrível violência e devastação que se abatera sobre Passo de Estrela. Olhando pela tela que recebia as imagens do drone, lembrei de Gabo num de seus primorosos textos quando repórter. Na descrição do terremoto que destruíra a pequena cidade colombiana de Popayán, em março de 1983, ele contava que, para alguns, os intensos tremores eram como se Deus tivesse batido palmas sobre os Andes. Busquei uma analogia tão forte para descrever o que eu via. Não achei. Dali, parecia que Deus se esquecera de Passo de Estrela.

Ao longo de mais de 25 anos como jornalista acompanhei desastres, eventos trágicos, guerras. Foram poucas as vezes em que vi tanta destruição, de forma tão violenta, como presenciei no Vale do Taquari. Me espantou como áreas inteiras simplesmente foram varridas, como se fossem estruturas frágeis, simplórias, e não estruturas erguidas há décadas com concreto, ferro, tijolos, cimento.

Rio abaixo houve estrago, mas um estrago diferente. Na região metropolitana de Porto Alegre, as águas subiram a níveis jamais vistos. Alagaram ruas, bairros, às vezes quase cidades inteiras. Deixaram centenas de milhares de pessoas desalojadas. Outras dezenas de milhares, desabrigadas. Mas, ali, a água subiu e ficou. Não passou levando tudo como nessas pequenas cidades rio acima.

É difícil dimensionar tanta violência capaz de simplesmente apagar os rastros de vida em uma comunidade inteira. Mesmo em áreas duramente bombardeadas, como na Ucrânia, no Iraque e na Síria, ainda é possível ver resquícios de vida. Em Passo de Estrela – e em tantas outras localidades – não. Talvez seja preciso um novo Gabo para traduzir em palavras o que de fato aconteceu no Rio Grande do Sul neste maio mortal.

O bairro de Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul, foi completamente devastado pela força das águas do rio Taquari, que mudou seu curso original e levou com ele mais de 500 casas apenas neste bairro

Uma voluntária de um grupo de resgate de animais em situação de desastre navega pelas ruas submersas de Canoas buscando cães e gatos que foram deixados para trás

Um homem navega com os restos de uma geladeira sobre as ruas submersas do bairro Humaitá, na periferia de Porto Alegre

Por mais de três semanas, bairros inteiros na região metropolitana de Porto Alegre e também na capital gaúcha ficaram alagados

Moradores do bairro Mathias Velho, em Canoas, voltam às suas casas, mesmo com as ruas ainda alagadas, para acompanhar os estragos deixados pela enchente

Mais de 200 mil carros foram destruídos durante as cheias no Rio Grande do Sul. Este surgiu virado após as águas terem começado a baixar na cidade de Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre

Algumas casas foram completamente cobertas por árvores e partes de madeira que vieram com as fortes correntes dos rios inundados. Algumas permaneceram de pé, como esta em Arroio do Meio, mas muitas simplesmente desabaram 

Uma árvore foi quebrada ao meio pela força das águas e dos detritos que desceram o rio Taquari

Em alguns lugares do estado do Rio Grande do Sul, os níveis dos rios subiram mais de 25 metros, trazendo árvores derrubadas pelos deslizamentos de terra nas áreas montanhosas

Em meio às árvores e entulhos trazidos pelas águas, muitos itens pessoais que um dia foram parte da vida de muitas pessoas

Um homem inspeciona a casa em que vivia com sua família em um bairro de Arroio do Meio, às margens do rio Taquari

Um homem trabalha para limpar a lama e os entulhos que tomaram conta de sua casa após as águas terem baixado na pequena cidade de Estrela, no Vale do Taquari

As águas que desceram pelos rios do Vale do Taquari e desaguaram no Guaíba, em Porto Alegre, deixaram um rastro de destruição no campo e nas cidades  

Renato Cardoso, 68 anos, ex-pescador, olha para a foto de seu neto, uma das poucas coisas que as águas não levaram de sua casa na cidade de Estrela 

Homem retira porta que foi arrancada pelas forças das águas em um casarão histórico na cidade de Roca Sales. Milhares de casas foram destruídas parcialmente ou totalmente no Vale do Taquari 

Maurício Santori, 22 anos, queixa-se de dor de cabeça, febre e dores no corpo após passar vários dias em contato com as águas contaminadas do Guaíba. A suspeita é que ele tenha contraído leptospirose, doença que já matou 13 pessoas no Rio Grande do Sul desde o início das cheias 

Moradores de Eldorado do Sul observam suas casas ainda inundadas mais de três semanas após o início das cheias 

Moradores de Lajeado aguardam na fila para cruzar um pontilhão construído com canoas pelo Exército para chegar a Arroio do Meio, um município vizinho que ficou isolado após as águas do rio Forqueta terem levado duas pontes

Com as águas baixando, gaúchos correram para tentar salvar o que sobrou de suas casas e os animais que não morreram nas enchentes, como esse leitão

No bairro de Passo de Estrela, mais de 500 casas foram completamente destruídas pela força das águas do rio Taquari
Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

YAN BOECHAT ” AGÊNCIA INVESTIGATIVA PÚBLICA” ( BRASIL)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *