O que unifica, soma, motiva, é a capacidade do Estadista de desenhar o futuro. E não se desenha o futuro com medidas esporádicas
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O governo Lula tem duas restrições: uma de ordem orçamentária; outra de ordem psicológica.
A de ordem psicológica é simples. Basta a mídia bater o pé, como uma matrona do século 19 apontando o fantasma fiscal, para o governo como um todo entrar em pânico. Editoriais econômicos do pior nível da história da mídia, pior até que os editoriais do período do esgoto, servem para inibir as ações de governo. E são fantasmas na acepção do termo, invenções fantásticas para assustar crianças.
Por outro lado, as análises sobre a queda de popularidade de Lula concentram-se na… religião. E toca Lula mencionar Jesus por todos os poros, o Senhor é meu pastor e só o mercado me conduz.
Não é por aí. Não vai convencer um evangélico, nem que andar sobre as águas ou multiplicar os pães.
O que unifica, soma, motiva, é a capacidade do Estadista de desenhar o futuro. E não se desenha o futuro com medidas esporádicas, de ordem fiscal ou financeira, nem com menções a Jesus Cristo. Desenhar o futuro é a capacidade de construir sonhos, mas com base na realidade de planos bem concebidos e bem estruturados.
Precisa de princípios claros, capazes de consolidar alianças sólidas com setores expressivos da sociedade. E tudo isso em torno de uma bandeira única: desenvolvimento com preocupação social.
Não precisa de autorização do Congresso nem da mídia para montar pactos com a indústria, o comércio, as centrais sindicais, o cooperativismo, os movimentos sociais. Em suma, estender um grande abraço que junte todas as forças da produção, em um pacto de salvação do país.
Tem que se basear em princípios rígidos, de defesa inteligente da produção nacional e do emprego. E, por tal, entenda-se a defesa da produção nacional, dos produtos finais, sem prejudicar a importação de insumos essenciais; promover a aproximação dos institutos de pesquisa com pequenas e médias empresas; estimular o associativismo em todos os níveis, para combater o individualismo exacerbado da financeirização. Enfim, um desenho de concepção clara e de implementação complexa, que exigiria a constituição de Grupos de Trabalho interministeriais.
E Lula domina todos esses temas. Participei com ele de um seminário na Confederação dos Metalúrgicos, no trágico dia do derrame de dona Marisa. O discurso de Lula foi uma síntese admirável desse país com o qual sonhamos. Comentei com conhecidos que, com aquele discurso, nas eleições seguintes ele só seria parado à bala (parodiando um dito sobre Muhammad Ali). De fato, foi parado por uma bala política, a conspiração do impeachment e da Lava Jato.
Mas não é possível que o Lula daquele discurso seja o mesmo Lula que conta agora apenas com inaugurações do PAC – que jamais acontecerão, por falta de orçamento. Não é possível que o Lula que, naquele evento, desenhou, em linguagem simples, compreensível e com uma objetividade rascante, o país do futuro, tenha se convertido no Lula que menciona Jesus Cristo e acha que cumpriu o dever do dia.
Ainda acredito no Lula de 2008-2010. Ainda acredito no Lula do seminário na Confederação dos Metalúrgicos. Precisamos apenas que Lula também acredite.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)