Era firmemente empenhado em causas sociais e em temas ligados ao desenvolvimento social, um dos fundadores do Economistas Pela Democracia
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Conheci César Locatelli em fins dos anos 80.
A desorganização total da economia abriu espaço para grandes tacadas, a maior das quais foi a permissão para que dívidas externas brasileiras pudessem ser convertidas em cruzados pelo valor de face e a autorização para a constituição de novos bancos brasileiros, associados a estrangeiros..
Aliás, historicamente essa recompra de títulos de dívida externa de empresas brasileiras, em momentos de dificuldade nas contas externas, sempre foi uma das operações mais promissoras dos financistas brasileiros.
Grande parte do salto de Walter Moreira Salles se deu na recompra de títulos de dívidas de empresas brasileiras na praça norte-americana, enquanto negociava a dívida externa. E seu sócio na empreitada era o grande Douglas Dillon, Subsecretário de Estado no período da renegociação, e dono de uma prestigiada banca de advocacia.
O jogo era simples. Ia-se até o credor, comprava-se o crédito com enormes deságios – já que não havia expectativa de solucionar a moratória. Depois, revendia-se para a devedora, ganhando a diferença. No caso da dívida brasileira, os devedores pagavam o Banco do Brasil, e o dinheiro ficava retido à espera de dólares. Renegociada a dívida, quem tinha os títulos recebia integralmente, sem deságio.
Mas havia movimentos mais rápidos. Por exemplo, a solução da moratória brasileira, nos anos 50, imediatamente fez explodir os preços dos títulos da dívida. Certamente, parte relevante do feito deve ser creditado a Douglas Dillon.
Quando se tratava de dívida, pública, havia outros estratagemas, como anúncios de recompra de títulos que, mesmo não sendo realizada, permitia, em um primeiro momento, grandes valorizações dos papéis.
Quando presidente do Banco do Brasil, ainda nos anos 40, Guilherme da Silveira anunciou a recompra de títulos brasileiros, o que provocou enormes oscilações nos seus valores.
Quando presidente do Banco Central, Gustavo Franco fez o mesmo e quase quebrou o Banco Garantia – do qual seu pai tinha 1%. É que, simultaneamente, estourou a crise financeira na Ásia e na Rússia, derrubando o valor de todos os títulos.
João Sayad tinha sido Secretário do Planejamento no governo Sarney tendo, debaixo de si, o controle das estatais. O subsecretário era Felipe Reichstul, que já havia passado pelo banco Garantia e pela Villares. Outro técnico relevante era Francisco Luna. Tendo acesso às estatais, procederam a um trabalho de recompra dos títulos de dívida em várias praças. Desde o início dos anos 80, as estatais se tornaram grandes tomadores de crédito externo, forçadas pelo Ministro da Fazenda Delfim Netto para conseguir fechar as contas externas.
Com o capital acumulado pelas operações de conversão, associaram-se à Goldman Sachs para fundar o Banco SRL – de Sayad, Reichstul e Luna -, ao mesmo tempo que o BBA – de Fernão Bracher e Beltran Martinez – se associava ao Creditanstalt-Bankverein, da Áustria.
Mas como nenhum dos três sócios da SRL tinha experiência maior com bancos, contrataram César Locatelli para colocar ordem na casa. Conheci-o nessa época. Ele reclamava da enorme confusão de um banco tocado por pessoas não familiarizadas com o setor. Trabalhou lá até 1994. Depois, passou pelo BankBoston.
Depois dessa fase inicial, perdi contato com César. Reencontrei-o anos depois, como um economista progressista, firmemente empenhado em causas sociais e em temas ligados ao desenvolvimento social, um dos fundadores do Economistas Pela Democracia, e colaborador de várias publicações independentes, entre as quais este Jornal GGN. Ele se apresentava como “jornalista independente desde 2015”.
Meu último contato com César foi em sua casa, há pouco tempo, para um sarau musical.
Deixa a lembrança de um grande caráter e um grande brasileiro.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)