Mesmo persistindo a expectativa de que as eleições municipais de outubro cederão à tendência da nacionalização dos temas discutidos em gabinetes dos governantes, isto é, consentir que os temas da política geral tomem espaço das grandes questões locais, há alguns aspectos, até há pouco desconsiderados, que podem acabar influindo no destino das urnas. O primeiro exemplo para tal previsão tem origem na tragédia que vive o Rio Grande do Sul, o maior entre todas as vítimas das intempéries. Porque, no rastro da elogiável solidariedade com as vítimas, a opinião pública brasileira vai percebendo que o desastre pode, agora ou num futuro próximo, em crescente intensidade, estender-se pelo Brasil afora. Por que sofrerem apenas os gaúchos, e não nós outros?
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O eleitor se deixaria sensibilizar diante do risco de estar pisando em solos pouco preocupados com a preservação do meio ambiente; e cobre, na hora de votar, propostas claras e objetivas dos candidatos sobre o que a comunidade deve fazer para se precaver. Cada cidade tem uma parcela de responsabilidade, mesmo que com pequeno peso no conjunto dos fenômenos de degradação ambiental. Seria apenas esforço de escapismo dizer que nada seria suficiente fazer, quanto aos deveres de casa, porque o que realmente agride a natureza são as maiores potências e a volúpia de lucros dos grandes grupos industriais. Contudo, há sempre alguma coisa a fazer nos limites de nossas capacidades, sejam nas metrópoles ou nas pequenas cidades, onde quer que vivamos.
Leve-se em conta, para aguçar as preocupações, que o Rio Grande nunca esteve entre os estados mais críticos no mapa das calamidades provocadas pelo clima; mesmo assim, não foi poupado dessa tragédia que temos visto. Quem imaginaria que a paisagem de verde dos pampas, seus arrozais e suas estâncias, de hora para outra, transformados em tristes imitadores do cenário de destruição de Gaza, que, há pouco, achávamos ser coisa tão distante de nós.
Mas tudo isso vem à memória, repetindo coisas já fartamente ditas, porque surgiu um fato auspicioso, que, queira Deus, possa influir em eleições próximas ou distantes. Em Brasília, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos concluiu, em recente pesquisa, que 95% das pessoas entrevistadas têm consciência das mudanças climáticas; e, em decorrência, sabedoras dos efeitos negativos que podem produzir. O que já é muito bom. Trata-se de um quadro, sustentado no caos suportado pela região Sul, que leva, automaticamente, a indagar dos partidos e dos candidatos o que têm a dizer e a propor em relação à advertência que a natureza faz. Se nada disserem, nada propuserem, que os eleitores cobrem, porque podem ser vítimas, no futuro, de outras tragédias que ninguém deseja.
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1 – O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, acolheu representação partidária, para decidir que órgãos do serviço público não podem promover comemorações no aniversário do golpe de 64. O que não impediu que, em Minas, onde começou a insurgência contra o governo constitucional de João Goulart, algumas festas se estendessem pelos primeiros dias deste maio.
A considerar se, efetivamente, é assunto para preocupar o STF, por questão de coerência espera-se que o ministro proponha estender a medida, proibindo o feriado nacional de 15 de Novembro, que comemora o primeiro da lista de muitos golpes, o de 1889, dando início à República.
2 – Surpreendeu-se o presidente Lula ao perceber, em meio à tragédia do Rio Grande do Sul, o volume da população negra dos gaúchos. Acha, certamente, que se trata de um estado onde os brancos garantiram maiores espaços ao longo da História. Pode ser que o comentário tenha surgido de informação truncada de algum assessor; não do conhecimento próprio. Seja como for, é sinal de que os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística vão passando descuidados pelos gabinetes do governo. Há anos que o Brasil tem, nas peles negras, a maioria de população. Cerca de 52% hoje. Por que o Rio Grande seria exceção? Sem embargo de ali ter sido expressiva a influência civilizatória dos europeus.
3 – Um motivo a mais para atormentar o sono do ministro da Fazenda, cuja dupla preocupação é garimpar ouro para as receitas e costurar os rombos dos cofres da União. Entrar muito e sair pouco, diferentemente do que pensa o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que decidiu adoçar as tensas relações com o Judiciário, inventando progressivo quinquênio de 5% para a magistratura, presente logo também reclamado pela AGU, promotores, delegados e policiais. Pois, no corpo raquítico que o ministro Haddad sonha engordar, o presidente do Senado propõe nova sangria, o que promete custar ao país algo em torno de R$ 40 bi anuais. É o Brasil, tanto mais desafiador e generoso quanto for seu raquitismo.
Soa com todos os sinais de fragilidade o argumento do senador, alegando que o ônus do benefício caberá aos orçamentos próprios do Judiciário. Mas, não diz que eles são filhos do orçamento maior, o da União, onde todos correm para ganhar espaço nas receitas, mas pouco se incomodando com o volume das despesas.
WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)