O Brasil nunca passou por uma grande guerra em seu território. Os conflitos tiveram pequena duração – eram mais revoltas do que guerras. As maiores batalhas foram travadas em territórios alheios ao que cabia ao Brasil-Colônia. Pelo Tratado de Tordesilhas, assinado entre Portugal e Espanha em 7 de junho de 1494, dois anos após Cristóvão Colombo descobrir a América, o Brasil teria sido confinado a uma linha reta que partiria de Belém até Santa Catarina. Nos primeiros dois séculos após Tordesilhas, uma dezena de geógrafos, com rudimentares instrumentos, tentou dimensionar a área da colônia que cabia à Coroa Portuguesa. Se prevalecesse a visão de Cantino (1502), o Brasil viria de metade do Maranhão até o Espírito Santo. O último levantamento, de Costa Miranda, em 1688, o Brasil partiria do sul do Amapá, avançaria pelo Centro-Oeste para além da área ocupada por Brasília, e compasso se abriria a Oeste abarcando o atual Paraguai, o Uruguai e o litoral da Argentina.
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Como o reino de Espanha se satisfez com o que encontrou ao longo da costa do Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes desancorava sua transposição pelos aventureiros espanhóis, os bandeirantes e aventureiros brasileiros na busca por ouro e esmeraldas, só encontraram resistência dos índios e mais de dois terços do atual território foi sendo ocupado sem batalhas. Na mesa da diplomacia, antes ou depois de escaramuças e batalhas, o Brasil foi conquistando sua vasta área em cima de Tratados de Paz.
A região mais complexa e que gerou muitas batalhas foi justamente o Sul do país, a Oeste do limite de Santa Catarina. Com o fácil acesso da coroa espanhola, além da cobiça e ocupação temporária de ingleses e franceses, a região foi pródiga em conflitos bilaterais (entre Brasil e Argentina, entre Brasil e Uruguai e a grande guerra do continente, o verdadeiro massacre da Tríplice Aliança (Brasil, Uruguai e Argentina) contra o Paraguai de Solano Lopes, com o apoio financeiro da coroa inglesa. Na guerra que durou de dezembro de 1864 a março de 1870. Eram ainda feridas mal curadas da Guerra Guaranítica, ou Guerra dos Sete Povos das Missões (1753 a 1756), que opôs as tropas portuguesas e espanholas na revisão do Tratado de Tordesilhas pelo Tratado de Madri (1750) que redefiniu a demarcação dos territórios dos dois reinos na América do Sul.
Cicatrizes gaúchas
De certa forma a guerra do Paraguai, na qual o país vizinho, além de ter sido dizimado da maior parte da sua população masculina, perdeu mais de 40% do seu território e a “saída para o mar” no chamado Entre Rios, que ficou com a Argentina (entre os rios da Prata e Uruguai), ajudou a cimentar o sentimento de brasilidade do povo do Rio Grande do Sul. Dois conflitos anteriores – a guerra Cisplatina, de dezembro de 1825 a agosto de 1828, que opôs o Brasil à Argentina, e a Revolução Farroupilha – o mais grave conflito interno do Brasil, que se estendeu de setembro de 1835 a 1º de março de 1845 – tinha exposto duas grandes feridas na alma gaúcha contra o Império do Brasil. Os gaúchos, que chegaram a criar, de 1836 a 1845, a República Rio-Grandense, também conhecida como República de Piratini (nome do Palácio do governo do estado), não se conformaram com a perda, pelo Império, a quem estavam ligados, da Banda Oriental do Uruguai, que encurtou a área territorial do estado, que antes se estendia até o rio da Prata às atuais fronteiras com o Uruguai.
Mas a perda da Banda Oriental do Uruguai criou um fator de desestabilidade e concorrência para os estancieiros gaúchos. Criadores de gado, eles produziam carne de charque que era vendida no mercado interno para abastecer a mão-de-obra escrava que trabalhava nas minas de ouro e diamante de Minas Gerais e nos engenhos de açúcar pela costa do país afora. O Uruguai passou a oferecer dupla concorrência de seus charqueadores, que podiam vender para quem quisesse, sem estarem sujeitos à tributação sobre o charque e o couro. Isso incomodava os gaúchos que começaram a se insurgir contra o Império.
Não sei se o governo Lula tem noção dos antecedentes históricos, mas a nomeação do ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, para comandar a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, pode funcionar “tri legal” ou ser um tiro pela culatra. Gaúcho natural de Santa Maria, Paulo Pimenta tem sido reeleito deputado federal pelo PT desde 2002. E tem pretensões políticas de não apenas ser o facilitador das tratativas entre o governo do estado e prefeituras locais com a União, visando obras emergenciais ou estruturantes para reerguer a vida e a economia dos quase 497 municípios do estado.
Paulo Pimenta pode ser discreto e eficiente. O excesso de chuvas serra abaixo nos vales do Taquari, Sinos, Jacuí e Caí, que inundaram o lago do Guaíba e prolongaram as cheias e inundações às margens da Lagoa dos Patos, foi causado pelas mudanças climáticas que serão mais frequentes daqui para a frente e exigem rigoroso planejamento para mitigar seus efeitos. Pimenta tem de mirar no acúmulo de erros de outro interventor federal (do Império) no estado. O também gaúcho Antônio Rodrigues Fernandes Braga foi nomeado interventor do Império em terras gaúchas. O clima de queixas contra o Império (D. Pedro I tinha voltado a Portugal em 1831, deixando no Brasil o príncipe herdeiro, d. Pedro II, com apenas cinco anos; o país foi governado até 1840 por regentes e sua coroação só se deu em 1841, aos 15 anos. Pois Fernandes Braga, que vivera mais na Europa que no Brasil e no seu próprio estado, fez um discurso desastroso, em 28 de abril de 1835, na Assembleia do Estado que uniu as correntes gaúchas contra o Império. Quando percebeu o estrago, tentou remendar. Já era tarde. De políticos a chefes militares e donos de charqueadas, todos estavam contra os ditames do Império. E em setembro de 1835 estoura a Revolução Farroupilha, por novo erro de avaliação de Fernandes Braga. A pequena tropa que ia espionar os “farrapos” foi descoberta e dizimada. O conflito se estendeu até 1º de março de 1845, com mais de três mil mortes. Ressentimentos podem aflorar por palavras fora do tom.
Eventuais mudanças de localizações de vilas e cidades terão de ser considerados, à parte a retificação de atuais leitos de rios e pontes. Mas nada dará certo se novas e custosas obras não tiverem manutenção adequada. Técnicos que já estudaram as comportas e sistemas de defesas de bairros de Porto Alegre contra as cheias periódicas do Guaíba (que virão cada vez mais amiúde) ficaram entre espantados e indignados ao saber que das quase duas dúzias de bombas instaladas junto às comportas, para fazer o esgotamento das águas, apenas quatro estavam operantes. Imagine você, carioca ou paulista, se as bombas de esgotamento dos lençóis freáticos das redes subterrâneas do metrô entrassem em pane… Foi algo semelhante o que houve na área das margens do Guaíba na capital gaúcha. Responsabilidade municipal ou estadual, não importa, o que é preciso é os técnicos e os engenheiros nacionais, que são competentes, desenvolverem projetos para evitar gambiarras que não funcionam. Meu palpite seria a construção de um canal, de uso emergencial, às margens do Guaíba e da Lagoa dos Patos para desaguar diretamente no mar as águas em excesso absorvidas pela calha do Guaíba, sem causar inundações no lago que tirem o aeroporto, o metrô e a rede férrea de circulação na Grande Porto Alegre, nem interfiram nas cidades portuárias de Rio Grande e Pelotas.
Vários exemplos de reconstrução
A história brasileira nos traz vários exemplos de reconstrução de Norte a Sul, do Leste a Oeste. No fim do ano passado o Vale do Taquari foi duramente afetado pelas chuvas e estava se reerguendo. No Norte, Manaus viu os rios da Bacia do Amazonas secarem por falta de neve nos Andes. O que dizer da secular resistência dos nordestinos às secas periódicas. Baianos, pernambucanos, mineiros, cariocas e paulistas sofrem sucessivas provações.
Na economia, o país resistiu à crise de 1929 que arruinou a lavoura do café – que até o fim dos anos 60 era a principal fonte de divisas do país. Quando a economia se diversificava na exportação, e se fortalecia industrialmente, reduzindo o peso do café na receita cambial (chegou a 70% nos anos 60 e hoje está em torno de 5%), veio a crise do petróleo (1973, que apanhou o país produzindo apenas 15% do seu petróleo). Quando o país inicia projeto de substituição de importações, vem a geada que destrói as lavouras de café de São Paulo e Paraná, atingindo o regime de colonato que começou enquanto a escravidão estava com os dias contados). Houve dupla destruição da produção agrícola.
AI é voraz consumidora de energia
Virou moda celebrar a inteligência artificial. Mas, como toda inovação, ela traz efeitos colaterais. E um dos efeitos, assinalados pelo departamento de Pesquisas do Banco Goldman Sachs, é o aumento do consumo de energia, um paradoxo em tempos de transição energética. Em média, uma consulta ChatGPT precisa de quase 10 vezes mais eletricidade para ser processada do que uma pesquisa no Google. Nessa diferença reside uma mudança radical na forma como os Estados Unidos, a Europa e os países em geral irão consumir energia – e quanto isso custará.
Durante anos, os “data centers” demonstraram um apetite notavelmente estável por energia, mesmo com o aumento de suas cargas de trabalho. Agora, à medida que o ritmo dos ganhos de eficiência na utilização de eletricidade abranda e a revolução da IA ganha força, a Goldman Sachs Research estima que a procura de energia nos centros de dados crescerá 160% até 2030.
Atualmente, os centros de dados em todo o mundo consomem 1% a 2% da energia total, mas esta percentagem provavelmente aumentará para 3% a 4% até ao final da década. Nos EUA e na Europa, este aumento da procura ajudará a impulsionar o tipo de crescimento da eletricidade que não se via há uma geração. Ao longo do caminho, as emissões de dióxido de carbono dos centros de dados poderão mais do que duplicar entre 2022 e 2030.
Quanta energia os data centers consomem?
Numa série de três relatórios, os analistas da Goldman Sachs Research expuseram as implicações nos EUA, na Europa e no mundo deste aumento na procura de eletricidade. Não é que a procura de dados no país tenha sido escassa no passado recente. Na verdade, as cargas de trabalho dos centros de dados quase triplicaram entre 2015 e 2019. Durante esse período, porém, a procura de energia dos centros de dados permaneceu estável, em cerca de 200 terawatts-hora por ano. Em parte, isso ocorreu porque os “data centers” continuaram a se tornar mais eficientes na forma como utilizavam a energia que consumiam, de acordo com os relatórios da Goldman Sachs Research.
Algumas inovações da IA aumentarão a velocidade da computação mais rapidamente do que o acréscimo no consumo de eletricidade, mas a utilização cada vez mais ampla da IA ainda implicará um aumento no consumo de energia da tecnologia. Uma única consulta ChatGPT requer 2,9 watts-hora de eletricidade, em comparação com 0,3 watts-hora para uma pesquisa no Google, de acordo com a Agência Internacional de Energia. A Goldman Sachs Research estima que o aumento global no consumo de energia proveniente da IA nos data centers seja da ordem de 200 terawatts-hora por ano entre 2023 e 2030. Até 2028, os nossos analistas esperam que a IA represente cerca de 19% da procura de energia nos “data centers”.
Paralelamente, o aumento esperado das emissões de dióxido de carbono dos centros de dados representará um “custo social” de US$ 125-140 bilhões (no valor atual), acreditam os analistas da GS. Eles destacam que “as conversas com empresas tecnológicas indicam uma confiança contínua na redução da intensidade energética, mas menos confiança no cumprimento das previsões de emissões absolutas devido ao aumento da procura”.
No balanço geral, os analistas esperam investimentos substanciais por parte de empresas tecnológicas para financiar novas energias renováveis e comercializar capacidades emergentes de geração nuclear. E a IA também pode proporcionar benefícios ao acelerar a inovação – por exemplo, nos cuidados de saúde, na agricultura, na educação ou na eficiência energética na redução de emissões. O Brasil e o mundo estão diante de enormes desafios, para a IA superar a “burrice natural”, o fazer mal-feito comum em nossa terra.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)