O GOVERNO DO RIO GRANDE DO SUL IGNOROU O HISTÓRICO E A LEI QUE IMPEDIA CONSTRUÇÕES PRÓXIMAS DE RIOS NO RG

Enchentes alagaram Canoas desde a sua origem – Foto: Arquivo/Reprodução Notícias da Aldeia

História de Canoas, como revela o próprio nome da cidade, e lei municipal impediam construções. Governos locais e Eduardo Leite ignoraram

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O histórico ambiental e geológico de parte das cidades afetadas pelas enchentes do Rio Grande do Sul já comprovavam a impossibilidade de construções e moradias nas áreas. Estudos e uma lei foram ignorados, inclusive pelo atual governador Eduardo Leite (PSDB), que sob a sua gestão aprovou a construção de um sistema de proteção contra cheias entre os diques e rios bacia hidrográfica do rio dos Sinos, no ano passado.

O historiador e pesquisador Edison Barcellos da Rosa recuperou o histórico da cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, como exemplo das condições geográficas locais e os históricos das enchentes que assolaram a região ao longo dos anos.

Em artigo para o jornal local Notícias da Aldeia, Barcellos explica que o próprio nome do município remete aos seus rios e como a população se locomovia na cidade quando tomada pelos rios.

“Embora cercado pelos Rios dos Sinos e Gravataí, e Arroios Sapucaia e da Brigadeira, sua origem [do nome da cidade Canoas] se dá muito por conta de um desastre natural, que assolou seu território, pelo menos três vezes em proporções alarmantes, as enchentes”, narra.

Ele conta que o primeiro grande episódio ocorreu em 1873, atingindo toda a região metropolitana e Porto Alegre, a semelhança do desastre deste maio de 2024. À época, as cidades não eram tão populadas como atualmente, que antes das enchentes estava abrigando cerca de 150 mil pessoas.

Enchentes alagaram Canoas desde a sua origem – Foto: Arquivo/Reprodução Notícias da Aldeia

“Conforme os anais da Câmara, essas zonas ficaram submersas, atrasando assim a construção da estrada ferro, que cortava a Fazenda Gravataí, ligando Porto Alegre e São Leopoldo. Desta catástrofe, surgiu, de acordo com depoimentos publicados na obra de João Palma da Silva, o primeiro nome referenciando a estação que fora construída. Sua menção devido à construção de algumas canoas, que foram utilizadas e depois com o baixar das águas, abandonadas próximo de um capão. Surgindo assim a origem do Capão das Canoas.”

O historiador relata que a segunda grande enchente que atingiu Canoas foi a histórica de 1941, que hoje se faz referência e se utiliza para comparar com o desastre ambiental. Os poucos moradores de Canoas foram transferidos para terras mais altas e, entre 1942 e 1943, o governo local chegou a decretar um projeto de construção segura, a Vila Popular Mauá, mas que não saiu do papel.

Enchentes alagaram Canoas desde a sua origem – Foto: Arquivo/Reprodução Notícias da Aldeia

Nos anos 60, outra grande enchente que alagou Canoas e os arredores mobilizou as autoridades locais a construir os diques de contenção nos bairros que faziam limites com os Rios Gravataí e dos Sinos. Os diques, instalados a partir dos anos 70, diminuíram o receio dos moradores. Mas além de manutenções periódicas necessárias, não solucionavam os riscos.

Ainda, uma lei municipal, sancionada em 1970, pelo então prefeito de Canoas, impedia a concessão de licença para construção de prédios destinados a residência em toda a faixa de terra entre o dique de proteção contra cheias e os rios Gravataí e Sinos. De acordo com o historiador, a lei não foi cumprida e formaram-se no local núcleos suburbanos irregulares.

Enchentes alagaram Canoas desde a sua origem – Foto: Arquivo/Reprodução Notícias da Aldeia
Lei municipal de Canoas impede e restringe a construção de prédios próximos a rios

Além disso, em 2016, pesquisadores do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos – COMITESINOS, em parceria com o Ministério Público Estadual (MPE), criaram um mapa que previa as áreas de inundação da Bacia do Sinos.

“O mapa das áreas de inundação da Bacia foi elaborado acompanhando in loco situações de cheias e levando em conta outros levantamentos hidrogeológicos, histórico de enchentes nas cidades e outros estudos. Mas foi em uma visão macro, por isso é possível que algumas áreas na ‘franja’, no limite das cheias, tenham que ser melhor especificadas. Porém, isso não pode se tornar desculpa para possibilitar o licenciamento de empreendimentos em zonas de risco, daí a exigência de responsável técnico”, disse, à época, o então presidente do Comitesinos, Adolfo Klein.

O objetivo, além de evitar e prever riscos que ameaçavam as populações locais, era impedir o licenciamento de empreendimentos e construções em zonas de risco. O mapa não foi mantido e encontra-se fora do ar.

No ano passado, os governos municipais e estadual, sob a gestão de Eduardo Leite (PSDB), tentaram avançar com obras para contenção de enchentes que “resolveriam os problemas”, nas palavras do próprio secretário de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do RS, Carlos Rafael Mallmann.

Na ocasião, não foram feitas medidas para impedir e realocar a população às beiras dos rios e o dique de contenção, mas foi proposta a construção de um novo sistema e a manutenção do existente.

“O projeto de construção do dique para a contenção de cheias na bacia hidrográfica do Sinos é um exemplo concreto do compromisso do governo estadual com a segurança e o bem-estar da população, além de representar um importante avanço na gestão de riscos e desastres naturais”, havia dito Mallmann.

Esse projeto previa um prazo de 12 meses para os estudos, o que não foi concluído à tempo das enchentes deste ano. O sistema de proteção atual, que totaliza 21 km de diques, foi superado pela enchente, ultrapassando a cota de inundação da barreira que protegia contra o desastre natural.

Em entrevista recente à Rádio Gaúcha e jornal Zero Hora, o hidrólogo Fernando Fan, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que a manutenção não bastaria para impedir que a enchente atingisse as cidades.

“Assumindo a hipótese de que o dique está todo bem construído, bem executado e nivelado, o fato de a gente estar vendo a água passar por cima mostrou que os níveis que chegaram a São Leopoldo superaram os valores de projeto daquela obra. E, nisto, não haveria nada que a gente pudesse fazer, porque simplesmente o valor de vazão que aconteceu foi acima do valor adotado para a construção deste projeto”, explicou o pesquisador.

PATRICIA FAERMANN ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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