- Dois dos líderes democratas cristãos dos países perdedores da Segunda Guerra (1940 – 1945), o alemão Konrad Adenauer (1876 – 1967) e o italiano Alcide De Gasperi (1881 – 1954), foram os grandes idealizadores e arquitetos, no início dos anos 1950, da União Europeia – que atualmente congrega 29 membros. A organização foi criada, oficialmente, em 1956, com seis integrantes, agrupando, para além da Alemanha Ocidental e Itália, a França, Holanda, Bélgica e o Luxemburgo.
- Quando explodiu a Revolução dos Cravos, em Portugal, na radiante manhã de 25 de Abril de 1974, a União Europeia já contava com nove países. Havia sido ampliada, no ano anterior, com o ingresso de Dinamarca, Irlanda e Reino Unido. Mas se preparava para mais adesões num cenário geopolítico continental dominado completamente pela lógica perversa da ‘Guerra Fria’.
- O principal marco da Europa dividida, entre democracias, a Oeste, e tenebrosas tiranias proclamadas comunistas, a Leste, era o odioso Muro de Berlim, que separava a histórica metrópole germânica em duas cidades distintas e incomunicáveis. Por isso, chamou-me, especialmente, atenção o retorno a Lisboa do líder socialista Mário Soares (1924 – 2017), no dia 28 de abril, no denominado “Comboio da Liberdade”, embarcado em Paris.
- Ovacionado por uma multidão, diante da Estação de Santa Apolónia, o lisboeta Mário Soares subiu à varanda do primeiro andar da gare e falou ao povo – prometendo lutar para que a nação passasse a viver plenamente a democracia e se incorporasse à Europa. Desde o princípio, portanto, ele sabia da relevância da entrada de Portugal no organismo europeu – o que aconteceria 12 anos depois, em 1986.
- Ilustra a coluna foto do meu encontro com Mário Soares, em Roma, em 1980. Mário Soares tornou-se o meu grande herói da Revolução dos Cravos porque, em tempos de ‘Guerra Fria’ e extrema polarização, entre direita e esquerda, como hoje, soube optar preferencialmente pela Europa. Não caiu na tentação, a exemplo de tantos, de querer transformar a velha pátria imperial numa ditadura à cubana, como sonhou o luso-moçambicano Major Otelo Saraiva de Carvalho (1936 – 2021), um dos chefes da tomada de Lisboa no 25 de Abril. Ou à argelina, propagada pelo grupo do lisboeta General Ernesto Melo Antunes (1933 – 1999) – um dos articuladores da oficialidade que conseguiu derrotar o regime. Ou então fazer de Portugal um satélite de Moscou, como preconizava, abertamente, o secretário-geral do Partido Comunista, o coimbrão Álvaro Cunhal (1913 – 2005).
- Defendia, com sua barulhenta claque, que o país deveria se converter, às margens ensolaradas do Atlântico, em uma nova Bulgária – fincada nos contrafortes sempre nublados do Mar Negro. Mário Soares disse não aos golpismos e sofreu as consequências. Chegou a ser barrado às portas do Estádio Nacional, no Vale do Jamor, em Lisboa, na festa do Primeiro de Maio de 1975, acusado de ‘traidor do socialismo’, enquanto Cunhal, em triunfo, no alto da Tribuna de Honra, recebia aplausos. Portugal enfrentaria golpes e contragolpes até 1976 – mas acabariam prevalecendo os valores democráticos de Mário Soares. Ideais reforçados durante o exílio, quando, em 1973, refundou em Bonn, capital, à época, da Alemanha Ocidental, o Partido Socialista, sob a inspiração do social-democrata e ex-Primeiro-Ministro germânico, Willy Brandt (1913 – 1992), que comandava a Internacional Socialista – à qual era vinculado o núcleo dirigente do partido lusitano.
- A importância de Mário Soares no destino de Portugal o faria admirado e respeitado em todo o planeta. Símbolo dos gloriosos cravos que nunca murcharam e, felizmente, não se transformaram em ditadura. Foi, para mim, o maior líder político de língua portuguesa no século XX.
- ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador