- Portugal viveu na ‘corda bamba’ os dois anos seguintes à gloriosa manhã de 25 de abril de 1974. Havia conspirações nos quarteis, dia e noite, e em toda Lisboa, madrugada adentro, com o Conselho da Revolução, em Belém, a dar as cartas e um Partido Comunista, chefiado pelo coimbrão Álvaro Cunhal (1913 – 2005), a consumar a descolonização, a toque de caixa, repassando o Ultramar ao controle da União Soviética, e a realizar intermináveis ‘sessões de esclarecimentos’ em vários pontos do país – buscando ‘catequizar’ a população rumo ao socialismo real.
- Uma das primeiras vítimas das conspirações foi o próprio Presidente da República, General António Spínola (1910 – 1996) – nomeado no mesmo dia do golpe dos capitães. O legendário General Sem Medo, alentejano de Estremoz, herói da guerra nas Áfricas, governador da Guiné de 1968 a 1973, sempre a usar luvas e monóculo, tomou posse em 15 de maio de 1974, nos esplêndidos salões do Palácio de Queluz. Chegam ao poder, com General Spínola, dois líderes da esquerda militar: o General Vasco Gonçalves (1921 – 2005), lisboeta e aliadíssimo de Cunhal, como chefe do governo, e o major luso-moçambicano Otelo Saraiva de Carvalho (1936 – 2021), nascido em Lourenço Marques, atual Maputo, promovido rapidamente a coronel, para cuidar da segurança nacional.
- O General Sem Medo ficaria no cargo até 30 de setembro, quando, tentando conseguir mais poderes, pediu demissão, como ocorrera, em 1960, com o presidente brasileiro Jânio Quadros. Já não voltaria. Acabaria desterrado e vindo para o exílio no Rio de Janeiro – onde se encontravam o ex-Presidente da República, Almirante Américo Tomás (1894 – 1987), e o ex-Primeiro-Ministro, Professor Marcello Caetano (1906 – 1980), ambos lisboetas.
- Lembro-me, inclusive, de Spínola, nas sociais do Estádio de São Januário, numa noite de temperatura amena, no inverno carioca, quando o Vasco da Gama derrotou o Independiente, de Buenos Aires, por 1 a 0, num desafio amistoso. Foi muito aplaudido por inúmeros portugueses ali presentes, porém, logo recebeu uma reprimenda do gabinete do então Presidente do Brasil, o gaúcho General Ernesto Geisel (1907 – 1996), para que evitasse aparições públicas, pois poderiam causar embaraços ao Itamaraty, junto ao esquerdista Vasco Gonçalves.
- Naqueles dias tudo parecia indicar que Portugal marcharia célere em direção ao comunismo à soviética – seria uma nova Bulgária. Apregoavam dirigentes como o alentejano Miguel Urbano Rodrigues (1925 – 2017), diretor do combativo “Avante”, órgão oficial do PC Português. A mudança de regime, no auge da ‘Guerra Fria’, enfraqueceria a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), da qual Portugal foi um dos fundadores.
- Gonçalves e Saraiva de Carvalho mandavam em Lisboa com o apoio do General Francisco da Costa Gomes (1914 – 2001), transmontano de Chaves, que substituiu Spínola na Presidência. Recordo, ainda, uma viagem de Saraiva de Carvalho à cubana La Habana. Ao regressar, no saguão do Aeroporto de Portela de Sacavém, disse, enfático, que os lusitanos deveriam adotar o modelo caribenho dos irmãos Fidel e Raúl Castro.
- Indagado sobre como alcançaria o socialismo ‘a la cubanchera’, respondeu: “Não inventamos a bacalhoada à portuguesa? Inventaremos também o Socialismo à portuguesa”. Todos deram risadas da frase de efeito de Saraiva de Carvalho. Mas a casa começava a cair e Portugal, pouco depois, tomaria o caminho da democracia. Seria determinante, para dar fim aos cravos loucos, as convicções do socialista Mário Soares (1924 – 2017) – um ilustre lisboeta que se bateu pelo ingresso do País na União Europeia. Tema da próxima coluna.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador