Para analistas ouvidos pelo GGN, gestão Prates deveria expor uma visão mais estratégica e de longo prazo para a Petrobras; assista
Contribua usando o Google
O queda de braço entre Petrobras e mercado, que virou pauta recorrente na grande mídia nas últimas semanas, ganhou novo capítulo nesta quinta-feira (4), quando veículos de imprensa passaram o dia noticiando a possibilidade de demissão do presidente da petroleira, Jean Paul Prates, e sua eventual substituição por Aloísio Mercadante.
O dia acabou com a hipótese não consumada. “Balão de ensaio“, resumiu o jornalista Luis Nassif.
Nassif aprofundou o debate sobre a “crise” na gestão de Prates na Petrobras com Roberto Gonzalez (economista, professor da ESPM e especialista em governança) e Ticiana Alvares (diretora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), durante o programa TVGGN 20 Horas, transmitido no canal TVGGN, no Youtube [assista abaixo].
Na imprensa, a fritura de Prates aumentou por conta do pagamento de dividendos extraordinários. A Petrobras, empresa pública de capital misto, está no centro do debate público desde que foi anunciada uma suposta retenção do pagamento de dividendos extraordinários a seus acionistas.
Os dividendos são uma parcela do lucro de uma empresa que é dividida entre os acionistas. No caso dos dividendos extraordinários, a empresa não tem obrigação em pagá-los por serem além do mínimo. No entanto, o não pagamento pode ser interpretado pelo mercado como um sinal de menor rentabilidade da estatal.
“Mal assessorado”
Para o especialista em governança, Roberto Gonzalez, a crise com o mercado poderia ter sido evitada ou diluída, em tese, caso o governo Lula tivesse sido “melhor assessorado” e se pronunciado com antecedência a respeito de seus planos para reter parte dos lucros e investir no crescimento da própria Petrobras.
“Se em agosto de 2023, tivessem feito uma análise sobre isso, um argumento técnico sobre reter recursos para investimentos, as ações poderiam cair, lógico, mas muito menos. O mercado teria incorporado isso e visto que era um posicionamento estratégico e planejado. Mas não [querer fazer isso] aos 46 do segundo tempo”, comentou Gonzalez.
O economista ponderou que essa ânsia do mercado em ficar com os lucros extraordinários nasceu, a bem da verdade, em gestões anteriores, quando o governo federal sob Michel Temer e Jair Bolsonaro, perdeu o interesse na função social da Petrobras. Mas, na visão de Gonzalez, há também um problema dentro do governo Lula 3, que tem patinado no planejamento estratégico e na sua exposição à mídia.
“Nós tivemos um problema sério nos últimos anos, principalmente de 2019 a 2022, quando não se sabia bem o que fazer com a Petrobras. Mas também é muito importante: o acionista controlador da Petrobras, a União, era melhor assessorado na gestão [Lula] 1 e 2, que tinha uma equipe que entendia de mercado de capitais e que assessorava melhor o governo do que hoje. Hoje, parece uma nau a se perder no oceano”, avaliou.
Contraponto
A economista do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP), Ticiana Alvares, enfatizou na entrevista ao canal TVGGN que, nos últimos anos, a Petrobras sofreu com o desvio de sua função estratégica e social, originando a atual queda de braço em queo mercado quer, cada vez mais, sair por cima, mesmo já recebendo recordes históricos em dividendos.
“O mercado tem o segundo maior lucro da sua história, segunda maior distribuição de dividendos, e o governo está tentando fazer com que ela [Petrobras] cumpra a sua função social, que foi isso que guiou a Petrobras em seus 70 anos de história”, avaliou Ticiana Alvares.
A diretora do Ineep fez ainda um contraponto à avaliação de Roberto Gonzalez sobre a equipe do atual governo estar “mal assessorada” no embate com o mercado.
“Eu tenho dúvidas o quanto é o governo que está mal assessorado, ou quanto a condição [política] atual é muito mais difícil. É muito mais difícil reconstruir do que construir, e a destruição foi muito grande. (…) Tem o próprio papel cumprido pela Lava Jato, no sentido de criminalizar sua atuação do governo. É normal o sócio controlador querer controlar, mas essa atuação do governo foi criminalizada, e agora tratam como aberração o governo querer falar para onde vai a Petrobras“, defendeu.
Apesar disso, Ticiana Alvares concordou que o governo Lula deveria expressar uma visão mais estratégia e de longo prazo para a Petrobras.
“Investir na Petrobras não é jogar dinheiro fora, investir na Petrobras é investir no Brasil”, defendeu Ticiana, ao recordar que a empresa é o principal instrumento de política industrial no país.
Interesse nacional
Ainda que na década de 1990 a Petrobrás tenha aberto para o capital privado, o governo federal e o BNDES continuam sendo seus principais acionistas. Assim, ela teria por vocação e papel principal garantir o abastecimento nacional, a segurança nacional, além de atender ao abastecimento interno e a segurança energética.
Portanto, a empresa não se restringe à economia, mas também passa por fatores geopolíticos e de segurança nacional. “Ela precisa atender a essa interesse coletivo. A gente sabe que houve desvio dessa função nos últimos anos, e agora há essa queda de braço que estamos assistindo”, comentou a diretora do INEEP.
A economista acredita que seria necessário decidir se a Petrobras “vai ser um instrumento do Estado brasileiro para desenvolver em ciência, tecnologia e inovação, para aumentar sua segurança energética, para investir na transição energética, ou vai ser um instrumento de curto prazo para remunerar as premissas apenas”.
O panorama empresarial no Brasil mudou com o advento da operação Lava Jato, tanto no setor público quanto privado, e a evolução de mecanismos para evoluir a governança, como o desenvolvimento de departamentos de compliance, surgiram não como uma tendência passageira.
Por isso, Roberto Gonzalez nos recorda sobre a importância de uma melhor orientação e comunicação da estatal com mercado e população, já que muitas pessoas comuns dependem dos recursos repassados pela Petrobrás. “A gente pensa que é o mercado, é o pessoal da Faria Lima, mas tem muitos milhões de CPFs que são acionistas da Petrobras”, apontou Gonzalez.
A crise com Jean Paul Prates
Questionados sobre o desempenho de Jean Paul Prates à frente da Petrobras, Ticiana Alvarez e Roberto Gonzalez concordaram que o atual presidente da petroleira está seguindo o script esperado pelo governo Lula, sendo injustificadas as tentativas de derrubá-lo do cargo no momento.
“O desafio maior é fazer cumprir o programa de governo Lula para a Petrobras, ou seja, fazer voltar um equilíbrio entre os interesses dos acionistas minoritários e do governo. No governo Bolsonaro, isso foi saqueado. (…) Fazer da Petrobras, de novo, uma empresa cada vez mais verticalizada, uma grande empresa de energia, recuperar o poder de investimento em transição energética; recolocar a Petrobras no rol de grandes petrolíferas mundiais. Isso vem acontecendo de forma gradual. Talvez o governo não esteja tão satisfeito com a velocidade disso, mas a política é a arte do possível”, argumentou a dirigente do Ineep.
Para Gonzalez, “Prates foi escolhido para fazer o que está fazendo: atendendo ao mercado, aos acionistas, e ao papel social da Petrobras. (…) Prates está fazendo isso, ele não pode ser penalizado por estar cumprindo a regra do jogo que foi acertada com ele. (…) A Petrobras é um ativo brasileiro e o investidor que compra ação tem que saber que é ativo do povo brasileiro. Espero que Prates continua na Petrobras.”
DOLORES GUERRA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Dolores Guerra é formada em Letras pela USP, foi professora de idiomas e tradutora-intérprete entre Brasil e México por 10 anos, e atualmente transita de carreira, estudando Jornalismo em São Paulo. Colabora com veículos especializados em geopolítica, e é estagiária do Jornal GGN desde março de 2014.