BIDEN RESPONDEU A TRUMP E FALA POR LULA

CHARGE DE NANDO MOTTA

O presidente Lula foi fustigado nas últimas semanas pelas redes sociais bolsonaristas por suas críticas veementes à ação de revide desproporcional do Exército de Israel aos atos terroristas do Hamas, que já provocaram a morte de 30 mil civis na Faixa de Gaza, a maioria de mulheres e crianças. Desde outubro, antes de completar um mês da ação terrorista do Hamas, que matou mais de mil cidadãos israelenses e fez mais de 250 reféns na invasão do território no sábado, 7 de outubro, Lula defendeu o cessar-fogo para ajuda humanitária e vem insistindo na criação dos dois Estados (Palestino, ao lado de Israel, instituído em 1948) para um acordo de coexistência pacífica na região.

Os pastores das seitas evangélicas, ditas “cristãs”, que adotaram o Antigo Testamento e símbolos de Israel, seguidor da Torá e do Talmud, foram os maiores críticos de Lula. Mas a inspiração talvez tenha sido o fim dos privilégios fiscais a pastores que são gerentes das rendosas franquias nas quais se transformaram muitas das seitas bilionárias. Como se já não bastasse a onda contra Lula que cercou a preparação do comício de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, o presidente resolveu atravessar a rua para pisar em cascas de banana e foi defender, mais uma vez, a ditadura de Nicolás Maduro, da Venezuela. O resultado de tantas polêmicas em que se meteu, sem a retaguarda de defesa aos ataques recebidos nas redes sociais, foi a preocupante baixa na popularidade do governo Lula em duas pesquisas de opinião pública, divulgadas esta semana: na da Quaest/Genial e do Ipec (o antigo Ibope).

Para piorar, com Lula fora do Brasil e sem condições de intervir diretamente nas articulações para a eleição do comando das 19 das 30 comissões da Câmara dos Deputados, ele deixou nas mãos do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), a tarefa de ajudar a articulação de votos para impedir uma derrota fragorosa dos candidatos da base minoritária e fracionada do governo. Deu no que deu: Lira, que está ressabiado com as conversas de Lula com o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (Republicanos-SP), que pode ser seu sucessor (o mandato de Lira acaba em fevereiro de 2025, na prática, com o recesso e as férias de janeiro, antes do Natal deste ano), lavou as mãos como Pilatos no credo e salvou a conquista da rica Comissão de Saúde, com verba de R$ 4,5 bilhões, pelo deputado Dr. Francisco (PT-PI); a oposição deitou e rolou.

A poderosa Comissão de Constituição e Justiça, que pode encaminhar ou engavetar pedidos de “impeachment”, projetos de lei, emendas constitucionais e emendas provisórias, foi conquistada pela bolsonarista raiz Carolina de Toni (PL-SC). Mais ruidosa foi a eleição do jovem deputado Nikolas Ferreira, o mais votado do Brasil em 2022, pelo PL-MG, com 1,4 milhão de votos, para presidente da Comissão de Educação. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Nikolas vestiu uma peruca feminina para provocar uma deputada trans na sua estreia na tribuna, no ano passado.

Faço minhas as palavras do querido amigo e companheiro de jornalismo político, Ricardo Noblat, que, em seu blog de 6ª feira, no site “Metrópoles”, lembrou as palavras do velho e experiente ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães, que dizia que, se “o Congresso está deixando a desejar, espere o próximo”. Noblat diz que o Congresso “não conseguirá ser pior que o atual, o mais poderoso da história, mas uma casa de gente desqualificada, corrupta e que só pensa no próprio bolso”. Ele lembra que “o maior partido da Câmara, o PL de Valdemar Costa Neto, que abriga Bolsonaro, prestou-se ao papel de aliado dele na tentativa de anular os resultados da eleição de 2022. Costa Neto foi um dos presos no caso do mensalão do PT. Na hora de escolher os presidentes de comissões, diz o regimento da Câmara, o maior partido tem o direito de indicar quem quiser para comandar as que preferir. Nikolas Ferreira (PL-MG) ganhou a presidência da Comissão de Educação”.

Para Noblat, NF “é uma cópia jovem e escarrada de Bolsonaro, deputado por quase 30 anos: escandaloso, ignorante, só preocupado em aparecer fazendo barulho e criando factoides, um sem-ideias. Com uma diferença: essa é a receita que funciona agora”. E faz um “mea-culpa”: “nós, jornalistas, nunca prestamos atenção em Bolsonaro porque ele era um político sem atributos, ou como ele diz: que falava para as paredes e seus colegas não levavam a sério. Bolsonaro jamais foi escalado para presidir uma comissão. No seu primeiro mandato, Nikolas já foi. E como não se descarta que uma nova versão de Bolsonaro possa vir a ocupar no futuro o cargo mais importante da República, passamos a dar importância excessiva aos Nikolas e às Zambelli”.

Biden socorre Lula

Enquanto Lula era fustigado no Brasil e sua desaprovação crescia em consequência, e o ex-presidente Donald Trump, o ídolo de Bolsonaro e da direita mundial (que apoia Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel), surfava na onda de já ter sido virtualmente escolhido como o candidato Republicano ao pleito de 20 de novembro, o presidente Joe Biden, do partido Democrata, ao fazer o seu último discurso sobre o “Estado da União”, fez um veemente e enérgico pronunciamento de 68 minutos que desmoralizou uma das críticas recorrentes de Trump (77 anos) à idade de Biden (81 anos). Em uma tirada espirituosa, depois de lembrar que a pátria americana, que foi forjada pelo amálgama entre os imigrantes voluntários, como os irlandeses de sua família, com os nativos do país e negros escravos, além de imigrantes dos quatro cantos do mundo ao longo da história, não pode erguer muros como o de Berlim à livre circulação de pessoas e ideias, estocou o “antecessor”, evitando citar seu nome, dizendo que a diferença entre ambos era de apenas quatro anos, mas o “antecessor” era “muito mais velho nas ideias”.

Velho, velhaco e velhacarias

Por sinal, aqui um parêntese em homenagem à perspicácia e sabedoria política de Ulysses Guimarães: na primeira eleição presidencial da redemocratização, em 1989, ele era o candidato mais idoso e experiente. Concorriam vários políticos, de peso, como Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB) e, ainda dois jovens. Pela direita, a bordo do recém-criado PRN, o ex-governador de Alagoas (eleito pelo PMDB de Ulysses), Fernando Collor de Mello, que tinha completado 40 anos em agosto; pela esquerda, o jovem líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, de 43 anos (faria 44 em 27 de outubro, após o 1º turno). Lá pelas tantas, querendo criar polêmica (na época não havia redes sociais, apenas a TV e o rádio tinham grande alcance), Collor provocou Ulysses, dizendo que ele era velho. Resposta lapidar e premonitória:

– Velho, sim; velhaco, não!

O tempo, que é senhor da razão, provou que Ulysses estava certíssimo. Mas o Brasil escolheu Collor contra Lula e os dois, muitos anos depois, reconheceram que não estavam então preparados para a Presidência. Brizola perdeu a chance de disputar com Collor por cerca de 350 mil votos a menos que Lula. Pressentindo a aglutinação da direita e dos evangélicos e conservadores em torno do jovem Collor, Brizola propôs a Lula renunciar em nome da 3ª via, que era Covas. Lula recusou e perdeu. Collor, apanhado em corrupção, sofreu processo de “impeachment” e renunciou ao cargo quando o julgamento já estava instaurado. Perdeu os direitos políticos por oito anos. Hoje senador, aos 74 anos, está novamente enrolado com a Justiça sob acusações de corrupção, e se escuda no mandato para adiar o julgamento.

Voltando a Washington, as estocadas de Biden parecem ter sido certeiras. Como num duelo de esgrima, Trump tentou atalhar no X (ex-Twitter) mais de 3 mil vezes, segundo a mídia americana, ao longo da fala de Biden no Capitólio. Foi o local, em 6 de janeiro de 2021, da infame invasão do Congresso norte-americano, incentivada pelo então presidente derrotado nas urnas e no Colégio Eleitoral, para que a sessão do Senado, presidida pelo vice-presidente Mike Pence, não desse diplomação ao presidente eleito, Joe Biden, e à vice, Kamala Harris. Na sua insanidade, Trump chegou a incitar os “prouds boys” – equivalentes aos “kids pretos” do GSI que depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 – a “enforcar Mike Pence”.

A campanha começa agora. E Trump não está livre de prestar contas à Justiça e sair fora.

Na largada, o presidente Joe Biden – que em fins de outubro, com o veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU, derrubou a proposta brasileira de cessar-fogo na Faixa de Gaza – reagiu às críticas que recebe, em casa e ao redor do mundo, por seu alinhamento com Israel na guerra em curso desde 7 de outubro de 2023. Biden reconheceu as 30 mil mortes de palestinos, “a maioria civis inocentes, mulheres e crianças”, e anunciou que as Forças Armadas dos EUA vão estabelecer, de forma emergencial, um píer no Mediterrâneo para facilitar a chegada de ajuda humanitária às vítimas dos ataques do governo de Netanyahu. Disse em inglês claro que tem trabalhado “incessantemente” pelo cessar-fogo entre Israel e o Hamas. E defendeu a solução de dois Estados. Tudo o que Lula diz, mas só que em português.

As datas se encaixam na minuta

Os últimos vazamentos sobre o teor do depoimento do ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, na condição de testemunha, à Polícia Federal no dia 1º de março, como desdobramento da operação “Tempus Veritatis”, estão ajudando a fechar o quebra-cabeça da minuta do golpe encontrada em janeiro de 2023 na revista da Polícia Federal à casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, Anderson Torres, que deixou o cargo no fim de dezembro de 2022 para voltar a ocupar a chefia da Secretaria de Segurança do Distrito Federal, no governo Ibaneis Rocha (MDB). Só que Anderson Torres tirou férias antecipadas dia 6 de janeiro de 2023, e voou para Orlando, onde estava Bolsonaro, na antevéspera dos atentados de 8 de janeiro de 2023. Deixou a Secretaria de Segurança do DF, a quem cabe garantir a segurança de Brasília, acéfala e desbaratada, facilitando a invasão e depredação dos golpistas às sedes dos Três Poderes da República: Palácio do Planalto (Executivo), Edifício do Congresso (Legislativo) e sede do Supremo Tribunal Federal (Judiciário). O objetivo era criar o caos para a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a convocação das forças armadas para assumir o controle da situação e escantear Lula. Mas Lula não mordeu a isca. E o STF confirmou intervenção federal na segurança pública do DF, com o afastamento do governador.

Derrotado em 30 de outubro e sem reconhecer a derrota, o então presidente Jair Bolsonaro, que, antes e durante o processo eleitoral, tentou insuflar a versão de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis, para abrir caminho ao golpe em caso de vitória de Lula, depois da derrota ficou remoendo, na sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, onde se recolhera, alegando crise de erisipela (reação à volta de Lula?) meios de dar um golpe. No dia 7 de dezembro, segundo o general Freire Gomes, reuniu vários ministros e o alto escalão militar para apresentação, pelo presidente da República, de uma minuta de decreto que previa a prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e a realização de novas eleições.

Nesta reunião, que contou com a presença do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, estavam presentes o candidato a vice de Bolsonaro, general Walter Braga Neto, o ministro-chefe do Gabinete de segurança Institucional, general Augusto Heleno, e os comandantes do Exército, general Freire Gomes, da Marinha, almirante Almir Garnier. Além deles, o assessor da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, e o advogado Amauri Saad ajudaram na elaboração de uma minuta de golpe com intervenção no TSE. Também estavam presentes os assessores Tércio Arnaud (apontado como um dos chefes do “Gabinete do Ódio”, e Sérgio Rocha Cordeiro, cujo apartamento era usado como cenário das “lives” semanais de Bolsonaro.

Na reunião, nada ficou decidido. Mas Bolsonaro não desistiu do golpe e tratou de enxugar, nos dias seguintes, com a ajuda de assessores e juristas, a minuta do golpe encontrada na casa de Anderson Torres. Todos tinham pressa porque a diplomação de Luís Inácio Lula da Silva e do vice, Geraldo Alckmin, estava marcada para a tarde de 12 de dezembro, na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes. Paralelamente, em mensagens que a PF identificou em celulares do ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, para Freire Gomes, Cid fala sobre os manifestantes pró-Bolsonaro acampados diante do QG do Exército em Brasília e o que chamava de “pressão” sobre o ex-presidente para que ele tomasse “uma medida mais radical”. Em função destas medidas, Bolsonaro convoca nova reunião dia 9 de dezembro para apresentar a minuta de Decreto de Lei mais enxuta e direta. Na reunião, os comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, do Exército, general Freire Gomes, não concordam em desobedecer à Constituição e ao Estado Democrático de Direito. Ministro da Defesa até abril de 2022 e um dos articuladores mais ativos do golpe, Braga Neto investe contra Freire Gomes nas redes sociais, chamando-o de “cagão”, e sugere ataques às famílias dele e de Batista Júnior.

O novo depoimento de Mauro Cid, nesta segunda-feira, 11 de março, à Polícia Federal, pode ajudar a fechar as poucas peças que faltam no quebra-cabeças da urdidura do golpe. Se o ex-presidente e os generais que ficaram em silêncio (se cag#&ndo de medo de não se incriminarem) tivessem assumido as responsabilidades do que atentaram, a PF teria menos trabalho. Mas é bom lembrar que, já temendo reações violentas em 19 de dezembro, data original da diplomação, Lula pediu antecipação para 12 de dezembro de 2022. E no dia 12, Lula e Alckmin foram oficialmente diplomados. O tal decreto, que determinava intervenção no TSE e teve uma cópia encontrada na casa de Anderson Torres estava datado de 12 de dezembro de 2022.

Investigações da PF mostram que os planos envolviam a prisão e sequestro de Alexandre de Moraes. Que seria morto, jogado de avião, como ocorreu com muitos presos no regime militar, ou “enforcado na Praça dos Três Poderes”, se o movimento fosse vitorioso.

Na noite do dia 12 de dezembro, os “kids pretos” (tropa de infiltrados do Exército) fizeram enorme arruaça em Brasília, queimando carros, incendiaram um ônibus que tentaram derrubar de cima de um viaduto no centro da capital. Não contentes, invadiram uma delegacia da Polícia Civil do DF e depredaram a portaria da sede da Polícia Federal. Mas o caos não foi o suficiente para a GLO ou a instalação do Estado de Defesa no TSE. Houve ainda a tentativa de explosão de um caminhão tanque com querosene de aviação no aeroporto de Brasília, às vésperas do Natal. Como nada funcionou, Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos para não passar a faixa a Lula, e esperou pelo golpe em 8 de janeiro de 2023, já com Lula no poder. Hoje, Moraes preside o inquérito contra os golpistas e outros deslizes de Mauro Cid em prol do ex-chefe inelegível.

O centenário do Itaú é do Unibanco

Etarismo, às vezes, é um problema. Mas, quase sempre a nova idade é motivo para festejos e comemorações. Graças ao centenário do Banco Itaú, como ficou conhecida nas placas a holding Itaú-Unibanco, criada em outubro de 2008, quando, atingido pela crise financeira mundial de setembro de 2007, o Unibanco se fundiu, de forma minoritária, ao Itaú, surgiu o maior banco privado do país e da América Latina. E, como o Rio de Janeiro é uma das maiores praças onde atua, cariocas e amantes da cantora Madonna vão poder assistir, em maio, a um megashow da pop-star na praia de Copacabana, em frente ao Copacabana Palace Hotel.

Só tem uma observação, o “centenário do Itaú”, na verdade, é do Unibanco. Mais propriamente da Seção Bancária da Casa Moreira Salles, uma comissária de café fundada em Araxá (MG) em 1924, cuja sede era em Santos (SP), a grande praça de exportação de café de Minas Gerais e São Paulo. Vira Banco Moreira Salles em 1940. E adota o nome de União de Bancos Brasileiros (depois Unibanco), quando se funde com o gaúcho Banco Agrícola Mercantil, em abril de 1967. Após sucessivas compras de bancos menores e fusões, surgiu o Unibanco, cuja última grande compra foi a do Banco Nacional, em 1995. O Itaú é bem mais jovem. Começa a operar efetivamente em 2 de janeiro de 1945. Tem “apenas” 79 anos, portanto.

Mas o “aniversariante” deste 10 de março de 2024 é o Banco Brasileiro de Descontos. Nascido em Marília (SP), zona cafeeira de São Paulo, em 1943, numa operação até hoje mal explicada, quando Amador Aguiar assume o comando da Casa Bancária Almeida (Amador e companheiro da gigantesca empreitada, o também falecido Lázaro de Mello Brandão, fizeram do zombado “Banco Brasileiro de Dez Contos” o poderoso Bradesco). Foi o maior banco privado do país até 2008, quando a união Itaú-Unibanco encerra a hegemonia conquistada em 1963.

São 81 anos, a idade de Biden.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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