‘Com Bolsonaro inelegível em 2026, o objetivo da manifestação foi sentir quem tem mais estofo para assumir a candidatura presidencial’, avalia Eugênio Aragão
E a Paulista no dia 25, hein?
É a pergunta que hoje mais é encontradiça nas redes sociais. As respostas, na mídia corporativa, a meu ver, não preencheram a necessidade de análise estratégica sólida. Alguns dizem que o movimento foi xoxo, com Bolsonaro medindo palavras e a turma do asfalto bem comportada; outros vislumbram confirmação do comportamento delituoso do ex-presidente na senda golpista. Muitos lembram que as autoridades que se fizeram presentes, como os governadores de Goiás, de São Paulo e de Santa Catarina, foram poucas. Numerosos deputados da bancada da direita hidrofóbica também teriam faltado. No STF, dizem, os ministros teriam avaliado o movimento como política e juridicamente inócuo. As coisas ficariam do jeito que estão.
Então “flopou”? Não houve o impacto desejado pelos organizadores? Não é bem assim. O número de manifestantes foi significativo. Quatro quarteirões bem compactados de gente. Bolsonaro mostrou ter seguidores. Alguns articulistas apontaram até para a fragilidade do campo da esquerda, incapaz, hoje, de mobilizar tanta gente. Houve quem imaginasse que a direita do espectro partidário é o que sobrou no espaço político.
Pretender que o ato da Paulista não terá repercussão política é ingenuidade, ainda que, de imediato, não se vislumbre nenhuma tragédia a se avizinhar. Para começar: o que diabos Bolsonaro, que está inelegível e é alvo de investigações criminais, queria com essa movimentação? Colocar o STF contra a parede? Não acredito que estivesse tão mal assessorado por seus advogados a ponto de achar ser essa uma tática eficaz.
Claro, houve a choradeira de sempre sobre a suposta injustiça contra si praticada. Houve os lamentos sobre a pretensa falta de democracia no país. Afinal, por mais absurdo que seja, há quem acredite que é democrático arrogar-se o “direito” de desancar sobre as instituições, depredar suas instalações, ameaçar de morte magistrados e exigir um golpe de Estado contra a proclamação oficial dos resultados das eleições. Mas esse discurso é para a massa apenas. Os estrategistas sabem perfeitamente que estão numa guerra contra aquilo que chamam de “sistema” e seus movimentos são bem refletidos e planejados. Eles têm a consciência da antijuridicidade de sua atuação e acham-na ideologicamente legítima, mesmo que confronte o senso comum sobre o significado de nossa democracia constitucional. Não nos iludamos.
O ato público convocado pelos atores e pelas organizações da extrema direita teve um propósito claro. Importa, no seu campo, dar um freio de arrumação, para medir, com mais precisão, com quem podem contar. O objetivo da manifestação foi, portanto, de economia interna, antes de mais nada. Com Bolsonaro inelegível em 2026, é preciso sentir quem tem mais estofo para assumir a candidatura presidencial e a dianteira das disputas pelo executivo estadual. Foi por isso que governadores, deputados e senadores se fizeram presentes, mesmo com risco a sua reputação oficial. Todos estavam ali a disputar seu espaço no palco combalido da direita machucada pela vitória de Lula e pela persecução penal aos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Bolsonaro, agora, sabe com que peças jogar no tabuleiro político. Sabe, também, que ainda tem capacidade significativa de mobilização. E haverá outros atos, talvez, até, com tom mais agressivo que este, que nada mais foi que um laboratório. Fora das eleições hoje, ele ainda manda. E muito. Talvez ache mesmo que poderá virar o jogo no Judiciário, como Lula virou com a divulgação das tramas conspirativas na Operação Lava Jato. Espera, quiçá, pela bala de prata que possa reabilitá-lo para chegar mais forte.
Para os pouco avisados sobre a continuidade do ataque institucional incessante da extrema direita, cabe lembrar que Lula mostrou saber em que terreno pantanoso ele pisa e não foi à toa que tratou de prestigiar, com as escolhas para os novos ministros do STF e para o Procurador-Geral da República, personagens que mais se expuseram na defesa da institucionalidade, como os Ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Não é que comunguem com ele, em muitos aspectos, sua visão de Estado e de país; certamente têm significativas diferenças de posições políticas e mostraram isso ao longo de suas vidas públicas. Mas, o que importa é que estão no mesmo barco da defesa da constituição e a sinergia entre o STF e o Executivo tem sido fundamental para barrar as tendências disruptivas daqueles que têm saudade da ditadura militar. Com essa aliança, será difícil Bolsonaro achar sua bala de prata.
ERNESTO ARAGÃO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)