Sua intenção era ocupar cargos públicos, começando pela indicação ao CMN. Para tanto, montara uma equipe econômica robusta no Pão de Açúcar
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Conheci Abilio Diniz no início dos anos 80. Havia assumido a pauta e a chefia de reportagem de Economia do Jornal da Tarde e ousava meus primeiros artigos autorais.
Um dia, recebi telefonema de Alberto Morelli para um almoço com Abilio Diniz no restaurante Cá D´Oro. Fui. Para minha surpresa ele me ofereceu patrocínio para um seminário internacional no Jornal da Tarde. Fiquei surpreso. Indaguei a razão de ele não falar diretamente com os Mesquita. Disse que não os conhecia e que gostava dos meus artigos.
Levei a ideia para o Ruizito, o filho mais velho do Ruy Mesquita que tocava as reuniões de pauta da manhã. Levou para a reunião do Conselho e foi aprovada.
A partir da aprovação, montei um projeto robusto. O país começava a ensaiar a abertura. Os empresários já tinham restrições severas à gestão militar. Propus um seminário dali a 6 meses juntando Mário Henrique Simonsen e Celso Furtado, mais os economistas da UNicamp, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello.
Até então, estavam no índex dos jornais. Tínhamos que fazer ginástica para conseguirmos colocá-los em matérias. Depois, sugeri durante os 6 meses uma página semanal do JT de sábado, discutindo temas de políticas públicas.
Finalmente, propus um bônus no meu salário, como pagamento pela ideia, pélas edições das páginas e pela organização do seminário. Ruizito aceitou. Com base no acréscimo, aceitei um convite do Departamento de Estado dos Estados Unidos, para uma viagem para lá e levei minha então esposa para os 7 dias restantes – uma extravagância impossível, sem o adicional, devido ao acúmulo de compromissos com pais doentes e irmãs em idade escolar.
Na volta, Ruizito me avisa que passara a coordenação para José Eduardo Faria, editorialista do jornal. E, por esse motivo, não poderia pagar o adicional. Fiquei em uma situação complicada. Depois de uma reunião de pauta fui até sua mesa, disse-lhe que nem no pior lugar que eu trabalhara até então, a Veja, tinha sido tratado com tanta desconsideração. Achei que seria demitido. Mas no dia seguinte ele me avisou que haviam depositado um dinheiro na minha conta. Era uma merreca, mas pelo menos reconheciam o erro.
Faria não conseguiu tocar o projeto, que morreu. Quando morreu, indaguei a Ruizito se poderia tentar ressuscitá-lo. Autorizou. Fui até a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), conversei com o pessoal do Instituto Roberto Simonsen, que topou entrar na parceria. Reafirmei o patrocínio de Abilio. Entreguei o projeto ressuscitado para Ruizito… que entregou a coordenação para o economista João Sayad.
Não tive direito nem a convites para distribuir a amigos. Em um dos intervalos do seminário, Francisco Mesquita, o diretor administrativo, me esclareceu:
– Todo mundo sabe que foi você quem organizou tudo. Mas Ruizito queria ganhar pontos com a família.
Sobre o seminário, falo em outro dia.
A questão era Abilio. Sua intenção era ocupar cargos públicos, começando pela indicação ao Conselho Monetário Nacional. Para tanto, montara uma equipe econômica robusta no Pão de Açúcar, com Luiz Carlos Bresser Pereira, Yoshiaki Nakano e Geraldo Gardenalli entre outros. Eram fontes constantes das editorias de Economia.
A crise do Pão de Açúcar
Meu segundo contato com Abilio foi na crise brava do Pão de Açúcar, no final dos anos 80. Na época já havia montado a Agência Dinheiro Vivo, primeira agência de informações eletrônicas do país, distribuídas através dos terminais de ações da CMA. O Pão de Açúcar já enfrentava problemas de caixa em algumas agências. Conversei com alguém ligado a Abilio que me disse que era mais um problema de falta de um caixa centralizado. Então a falta de dinheiro se dava em algumas lojas.
Publiquei a nota do serviço online. Horas depois, Abilio me ligou aos berros, dizendo ter sido alertado pelo Fernão Bracher sobre a nota. Não adiantou explicar que a nota era uma defesa da companhia. Continuou gritando, me obrigando a responder aos berros também.
O Abilio arrogante já era bem conhecido do mercado. O banqueiro Walther Moreira Salles mais de uma vez me disse que o banco apoiou a expansão do Pão de Açúcar devido a Valentim Diniz, pai de Abilio, e pessoa bastante educada.
Mas certamente era implicância com seu modos. Na época, o próprio Bresser me disse que Abilio foi o comandante central do processo de recuperação do Pão de Açucar, que passou pela venda da nova sede que haviam construído, em sociedade com fundos de pensão.
Aliás, sobre isso vivi um episódio pitoresco. Um dia, pouco antes de ir para meu programa Dinheiro Vivo, na TV Gazeta, recebo um telefonema de Eduardo Suplicy:
– Nassif, você sabe de alguma coisa sobre um suposto suborno de Abilio ao pessoal de fundos de pensão, para vender a sede.
Disse-lhe que tinha ouvido falar, mas como meros boatos de mercado, sem nenhuma prova.
Quando voltei do programa, outro telefonema de Eduardo:
– Nassif, quero lhe comunicar que fui até Abilio e lhe disse: em nome da transparência, você pagou ou não pagou suborno? E ele respondeu que não.
– Mas, Eduardo, se ele tivesse pago, ele diria que sim?
Ai caiu a ficha do Eduardo e a dúvida persistiu.
A sociedade com o Casino
A saída encontrada por Abilio foi se associar ao grupo francês Casino, em um contrato mal-feito que permitia aos franceses, no final, o controle total do grupo. Tentou reagir, conseguiu financiamentos do BNDES para se contrapor aos franceses, mas não foi bem sucedido.
A partir dali, tornou-se um financista, com sucesso em vários investimentos.
Dois episódios menores mostram um pouco da personalidade de Abilio.
O primeiro aconteceu com minha filha de 10 anos. O avô tinha uma chácara em Bragança Paulista e a vizinha tinha um flerte com Abilio. Encontravam-se em Guarujá. A filha da vizinha pediu para minha filha ir com elas. Consenti, mas alertei a Mariana: se encontrassem Abilio, não falar que era minha filha, para evitar desaforos.
No encontro, Abilio esmerou-se em graças com as duas meninas. Quando a vizinha lhe disse que era minha filha, fechou a cara e não olhou mais para ela. E ela tinha 10 anos.
O segundo episódio foi no sequestro que sofreu. Abilio se orgulhava de sua forma física e, quando começou a onda de sequestros em São Paulo, recusava-se a andar com segurança. Foi sequestrado, assim como Luiz Salles, publicitário, pessoa pacata e extremamente gentil.
Ambos foram libertados simultaneamente. Luiz Salles estava inteiro. Abilio, emocionalmente arrasado, talvez por entender os limites tênues da vida.
Nos últimos tempos tentou reencontrar sua vocação pública, como âncora de um programa sobre temas brasileiros, entrevistando bilionários.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)