AS GUERRAS HÍBRIDAS, O PAPEL DA INTELIGÊNCIA DO EXÉRCITO E O CONTROLE CIVIL -EPISÓDIO 2

CHARGE DE FREDDY

De 1999 para cá houve a politização do Exército e a aquisição de um sem-número de ferramentas de inteligência para espionagem interna

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Não se entende a falta de controle civil sobre a inteligência militar. No artigo “As guerras híbridas, o papel da inteligência do Exército e o controle civil – 1” mostramos os níveis de atividade da inteligência militar para as guerras híbridas – todas em total consonância com as guerras híbridas do bolsonarismo.

O artigo se baseia em um Manual do Exército de 1999. De lá para cá houve o aumento da politização do Exército e a aquisição de um sem-número de ferramentas de inteligência para espionagem interna, ao largo de qualquer controle civil.

No entanto, em 13 de agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal definiu limites ao compartilhamento de dados do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).

“O Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão realizada nesta quinta-feira (13), deferiu parcialmente medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6529 para estabelecer que os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando for comprovado o interesse público da medida, afastando qualquer possibilidade desses dados atenderem a interesses pessoais ou privados. Segundo a decisão majoritária, que deu interpretação conforme a Constituição ao parágrafo único do artigo 4º da Lei 9.883/1999, toda e qualquer decisão que solicitar os dados deverá ser devidamente motivada, para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário”

Segundo a medida cautelar, “A Abin é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), formado também pela Casa Civil, pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, pelas Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) e pelas Agências Nacionais de Transportes Terrestres (ANTT) e de Transportes Aquaviários (Antaq), entre outros órgãos”.

A ação, proposta pela Rede Sustentabilidade e pelo Partido Socialista Brasileiro sustenta que o quadro tornou-se mais grave após o Decreto 10.445/2020, alterando a estrutura da ABIN. Com o decerto, bastaria uma requisição para que o diretor-geral da agência tenha conhecimento de informações sigilosas.

No dia 11 de outubro de 2021, foi analisada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o mesmo tema. A relatoria foi da Ministra Carmen Lúcia. 

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, na conformidade da ata de julgamento, por unanimidade, em conhecer parcialmente da ação direta de inconstitucionalidade e dar interpretação conforme ao parágrafo único do art. 4º da Lei n. 9.883/1999 para estabelecer que: a) os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida, afastada qualquer possibilidade de o fornecimento desses dados atender a interesses pessoais ou privados”

No seu voto, Carmen Lúcia traz um história relevante sobre os serviços de inteligência:

Breve histórico da atividade de inteligência no Brasil 

O embrião da atividade de inteligência no Brasil surgiu com o Conselho de Defesa Nacional – CDN, que, conforme o Decreto n. 17.999 /1927, tinha entre suas atribuições “o estudo e coordenação de informações sobre todas as questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da Pátria” . Entretanto, a previsão de órgão de inteligência específico ocorreu no contexto da Guerra Fria, com a instituição do Serviço Federal de Informações e Contrainformações – SFICI pelo Decreto n. 9.775-A /1946, sendo efetivamente montado apenas doze anos depois, pelo Decreto n. 45.040/1958, durante o governo de Juscelino Kubitschek. 

Durante a ditadura militar, foi instituído o Sistema Nacional de Informações – SNI pela Lei n. 4.341/1964. Pelo diploma normativo, o SNI substituiu o SFICI, herdou a estrutura dele e passou a ter novas atribuições e maior poder. O Chefe daquele órgão passou a ostentar status de Ministro de Estado. Nessa época, o Sistema Nacional de Informações foi desvirtuado e cooptado como instrumento de repressão do regime militar, sendo o General João Baptista Figueiredo chefe do SNI antes de assumir a Presidência: 

“Ao longo do período militar, o órgão de inteligência foi adquirindo cada vez mais prestígio, ao mesmo tempo em que também cresceu seu poder. Logo, a singela estrutura do SFICI deu lugar a um amplo sistema de informações, com órgãos vinculados nos diferentes níveis de governo e com agências e delegacias que cobriam todo o território brasileiro, tendo alguns postos também no exterior. 

“Embora atividades secretas de busca de informações, sob o patrocínio do governo, existissem no Brasil há mais tempo, foi a criação do SNI, em junho de 1964, poucos dias após a tomada do poder pelos militares, que marcou o início de um período específico. Nele os serviços secretos representariam enorme concentração de poder e alimentados pela semiclandestinidade oficial, tanto ajudariam a dar sustentação de forma definitiva aos governos militares quanto teriam importância excepcional durante a estratégia da ‘abertura política’. Os serviços secretos foram, na melhor acepção do tema, ‘atores políticos’ qualificados do período” (Bitencourt, Luis Antônio. O Poder Legislativo e os Serviços Secretos no Brasil, 1964-1990. Brasília: Faculdades Integradas Católica de Brasília, 1992, p. 26). 

A partir do final da década de 1960, com início da luta armada em reação ao regime militar, no que ficou conhecido como ‘anos de chumbo’, o SNI passou a envolver-se cada vez mais com a repressão. A eficiência e eficácia de seus agentes na vigilância e detenção dos oponentes do regime e a violência de alguns de seus métodos deixariam feridas na sociedade brasileira que levariam anos para cicatrizar, com algumas ainda abertas. A atuação do serviço naquele período contribuiria para o estigma que acompanha a atividade de inteligência no Brasil até nossos dias” (GONÇALVES, Joanisval Brito. “Políticos e Espiões: O Controle da Atividade de Inteligência” . 2. ed. Impetus: Niterói/RJ, 2019, p. 164-165). 

Em 1990, o Presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o Sistema Nacional de Informações – SNI, mantendo apenas a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República – SAE. 

Em 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu a Subsecretaria de Inteligência – SSI, subordinando-a à SAE, e autorizou a criação da agência brasileira de inteligência. Em 7.12.1999, entrou em vigor a Lei n. 9.883, que restabeleceu a atividade de inteligência no Brasil, instituindo o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN, com a ABIN como seu órgão central. 

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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