As Operações Psicológicas são tratadas com a sigla Op Psico. E, segundo o manual, “constituem uma parte essencial do poder”
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Desde a campanha de 2018, havia suspeitas de que as guerras híbridas – o conjunto de ações digitais do bolsonarismo – haviam sido planejadas pela inteligência do Exército. Ainda não apareceram provas maiores nas investigações da Polícia Federal. Nem se sabe se chegarão até lá.
Mas uma consulta ao Manual de Operações Psicológicas do Exército, edição de 1999, pode ajudar a avaliar o grau de especialização da força nas chamadas guerras híbridas.
As Operações Psicológicas são tratadas com a sigla Op Psico. E, segundo o manual, “constituem uma parte essencial do poder. Os chefes militares e políticos das nações têm utilizado, quer na paz, quer na guerra, as Op Psico como forma de persuasão ao longo da história”. Historicamente, o próprio Duque de Caixas as utilizou em várias de suas batalhas.
Com as redes sociais – diz o manual – as Op Psico ganharam outra dimensão.
“Atualmente, a importância das Op Psico tem aumentado em função da evolução dos métodos científicos de atuação sobre a motivação humana e do desenvolvimento dos meios de comunicação social de alta tecnologia, que já tornaram desprezíveis as distâncias, os acidentes do terreno e as massas líquidas. Ou seja, as fronteiras físicas já cederam lugar à fronteira psicológica. Nesse contexto, a opinião pública assume papel relevante na tomada de decisão nos níveis político, governamental ou militar”.
O trabalho menciona a participação de oficiais brasileiros em cursos realizados no exterior, “nos planejamentos de Exercícios de Grandes Comandos, nas atividades de Comunicação Social, de Inteligência e de Estudos de Pessoa”.
O trabalho separa a propaganda das Op Psico da mera propaganda comercial. A comercial visa exclusivamente influir na opção de compra de um determinado produto. Já as Op Psico procuram influir em convicções mais profundas, tal como a decisão de abandonar a luta e render-se.
Ainda na sua curta fase legalista, o Manual define as Op Psico como “parte integrante da Comunicação Social, assim como as Relações Públicas e as Informações Públicas, e seus métodos devem estar rigorosamente limitados pelos costumes, pela moralidade e pelos valores éticos do povo brasileiro”.
Princípios da ação
O Manual define os principais princípios das Op Psico:
a. Credibilidade – As Op Psico devem ser baseadas em fatos que levem o público-alvo a acreditar na mensagem, porque a credibilidade é fator primordial do seu sucesso.
b. Oportunidade – As Op Psico devem ser desencadeadas no momento oportuno, perfeitamente entrosadas no tempo e no espaço.
c. Progressividade – As ações a realizar devem ser escalonadas no tempo, segundo um ritmo adequado. Cada fase deve ter um ou mais objetivos definidos que contribuam para o sucesso da seguinte.
d. Continuidade – As Op Psico devem ser continuadas, sempre atuantes, desde os tempos de paz. Uma vez desencadeadas, devem prosseguir sem interrupções até atingir seu objetivo.
e. Coerência – As Op Psico devem seguir uma linha coerente de atuação, visto que a percepção pelo público-alvo de uma quebra de coerência pode destruir rapidamente a confiança adquirida.
f. Antecipação – As Op Psico devem antecipar-se aos fatos, aos acontecimentos e às ações contrárias aos seus objetivos.
g. Ofensiva – Em qualquer tipo de operação militar, independentemente de suas características, deve-se manter o caráter ofensivo das Op Psico, a fim de obter e assegurar a iniciativa, preservar a nossa liberdade de ação e impor a nossa vontade.
h. Flexibilidade – O planejamento das Op Psico e da atuação do seu pessoal deve ser flexível de modo a explorar modificações de conjuntura, novas técnicas e possibilidades surgidas. Também deve responder prontamente às mudanças de curso nas operações ou às mudanças em face das avaliações permanentemente atualizadas por meio de estudos-de-situação continuados.
i. Eficácia – A eficácia das Op Psico deve ser buscada a todo custo. Antes do desencadeamento de qualquer ação, devem ser analisadas ponderadamente as suas vantagens e desvantagens, definidas em relação aos resultados deseja- dos.
j. Unidade de Comando – A direção das Op Psico é centralizada no mais alto escalão, cabendo-lhe orientar e controlar todas as ações, já que decisões e interpretações diferentes podem anular, revelar ou contrariar todo o esforço realizado.
l. Adequabilidade – As Op Psico devem ser adequadas para o exato entendimento do público a que se destinam.
m. Objetivo – Os objetivos pretendidos devem ser identificados de forma clara e precisa, de modo a orientar o planejamento e a implementação das Op Psico e a avaliação dos resultados obtidos. Embora o planejamento deva ser flexível, os objetivos devem manter-se fixos, a menos que novas informações provenientes da realimentação revelem a necessidade de modificá-los.
n. Exeqüibilidade – Deve-se prometer medidas ou realizações que possam ser concretizadas, e sugerir, ao público-alvo, atos realizáveis, de acordo com suas possibilidades físicas.
A difusão das mensagens
a. As Op Psico só se concretizam quando as mensagens decorrentes das diversas ações que visam a influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo social são difundidas adequadamente, de modo que possam ser recebidas e interpretadas pelo público-alvo.
A difusão emprega os veículos previamente escolhidos, capazes de transmitir as mensagens dirigidas ao público-alvo.
Caráter sistêmico
a. As Op Psico devem funcionar integradas em um Subsistema de Op Psico (SSOP), como parte do SISCOMSEX, cujo órgão central é o Centro de Comunicação Social do Exército (CComSEx).
b. O CComSEx é o órgão responsável pelo planejamento, pela coordena- ção, pela execução e pelo controle das Op Psico, em tempo de paz.
c. O SSOP vale-se da estrutura organizacional do SISCOMSEX, estendendo-se do CComSEx até as 5a Seções dos Comandos Militares de Área (C Mil A).
d. Os C Mil A poderão contar com uma organização militar de Op Psico, além dos elementos especializados integrantes de suas 5a Seções. Essas organizações militares devem possuir uma estrutura flexível – contando inclusive com especialistas civis – e capacidade para operar descentralizadamente por destacamentos.
Elementos essenciais de propaganda
São elementos essenciais da propaganda a idéia-força, o tema, a frase- síntese (“slogan”) e o símbolo.
a. Idéia-força
(1) É um valor ou conceito abrangente, de natureza racional, emocional, ou ambas, que constitui forte apelo capaz de conduzir à consecução do objetivo das ações de Op Psico.
(2) É capaz de atingir camadas consideráveis de indivíduos. Por isso mesmo, ela diz respeito, sempre, a alguma coisa que, de certa forma, é aceita ou desejada por todos. Nascida das motivações existentes, consegue mais espontaneamente adesão voluntária do público-alvo, levando-o a agir em direção a um objetivo que corresponde, simultaneamente, aos seus sentimentos e aos desígnios de quem a emprega.
(3) Entre as motivações em que se forma, estão: as tradições, as crenças e superstições; as aspirações e desejos; os costumes; e os ressentimentos.
(4) As idéias-força permanecem mais ou menos estáveis dentro de uma dada sociedade, como, por exemplo: a igualdade, o progresso, o patriotismo, a justiça, a liberdade e a independência.
(5) O que dá força a uma idéia, capaz de torná-la uma idéia-força, não é propriamente a idéia em si, mas a sua carga de apelo, sua capacidade de capitalizar, num dado local e num dado momento, reações psicológicas favoráveis.
(6) Como exemplos, para a consecução do objetivo de “enfraquecer o ânimo combativo do inimigo” poder-se-ia considerar como idéia-força o “estabelecimento da paz” e, para a missão de “induzir a população do território inimigo ocupado a cooperar com a força de ocupação”, poder-se-ia adotar como idéia-força a da “reconstrução do país”.
(7) Na propaganda, a idéia-força é expressa por meio de temas. O tema é, portanto, a particularização de uma idéia-força.
A reconstrução do país
Para concretizar a idéia-força de “reconstrução do país”, podem ser considerados os seguintes temas:
1) necessidade de segurança para a população;
2) eficiência do governo de ocupação;
3) transitoriedade da ocupação militar diante da amizade entre os povos; e
4) preservação das obras públicas e do patrimônio cultural e artístico da região.
O slogan
(1) O “slogan” é uma pequena frase, ou mesmo uma só palavra, que resume e expressa um tema, com a finalidade de permitir a sua difusão ampla e a formação de condicionamentos psíquicos que facilitem a aceitação da idéia pelo público-alvo.
(2) O “slogan” deve ser expressivo e incisivo. Escolhido de modo a atuar sobre as motivações que mais interessem exacerbar e explorar, seu emprego caracteriza-se pela repetição freqüente, capaz de provocar condicionamentos psíquicos e reações desejadas do público-alvo.
(3) O número de “slogans” deve ser o menor possível, podendo limitar-se a um único para uma idéia-força.
(4) “Slogans” utilizados na Operação Rio (participação episódica do Exército em ações de Segurança Pública na cidade do Rio de Janeiro).
(a) Operação Rio. Paz de Cidade Maravilhosa; e
(b) Operação Rio. O Rio quer viver em Paz.
Símbolo
(1) O símbolo é uma síntese, visual ou auditiva, destinada a transmitir uma idéia-força, guardando com esta uma relação de identidade conhecida, facilmente identificado por todos, como, por exemplo, a cruz cristã, a suástica nazista, a foice e o martelo comunistas.
(2) Em virtude de sua simplificação e progressiva familiaridade com o público-alvo, atua rápida e instintivamente, originando predisposições que podem conduzir ao estado de espírito ou comportamento pretendido.
(3) O símbolo constitui um veículo simples e eficaz de transmitir uma idéia ou emoção e é particularmente adequado para a comunicação com pessoas de baixo nível cultural (Fig 2-1).
(4) O símbolo deve possuir as seguintes características:
(a) Simplicidade – O grau de aceitação de um símbolo depende, freqüentemente, da maior ou menor facilidade com que possa ser representado ou compreendido. Qualquer pessoa pode, por exemplo, traçar, com um pedaço de giz, uma cruz na parede ou fazer, com os dedos, o V da vitória.
(b) Sugestionabilidade – A eficácia do símbolo é diretamente propor- cional à sua sugestionabilidade. Essa eficácia, que é medida pela facilidade com que transmite a idéia, depende do valor em que se baseia o símbolo. Emoções, como amor, ódio, medo, patriotismo, etc., bem como religiões e ideologias, têm servido de base a muitos símbolos populares.
(c) Inalterabilidade – O símbolo não se deve prestar a alterações que possam ridicularizá-lo ou favorecer a quem o altera.
(d) Popularidade – O símbolo deve ser popular junto ao público-alvo.
(5) Cuidados especiais devem ser tomados, pois um símbolo escolhido e amplamente divulgado para atender um determinado público-alvo pode ter significado contrário, ofensivo ou até mesmo pornográfico para outro público distinto, provocando neste alterações comportamentais não desejadas.
A mensagem
a. Generalidades
(1) A mensagem destina-se a despertar a atenção do público-alvo sobre determinado assunto, criar necessidades correlatas e indicar soluções para essas necessidades.
(2) A mensagem deve ser preparada em torno de um tema e difundida pelos veículos mais adequados disponíveis.
(3) Na conduta de uma campanha de propaganda, devem ser considera- dos o preparo da mensagem e a escolha dos veículos para sua difusão.
b. Preparo da Mensagem – No preparo da mensagem, devem ser considerados os aspectos referentes ao seu conteúdo e os referentes à sua forma.
(1) Conteúdo da Mensagem – São os seguintes os principais fatores a serem considerados, no que diz respeito ao conteúdo da mensagem:
(a) Coerência – Toda mensagem deve ser coerente com as outras mensagens já utilizadas e com os objetivos visados pelas Op Psico em que a mesma está inserida.
(b) Credibilidade – É essencial que a mensagem baseie-se em fatos, que visem a obter a máxima credibilidade por parte do público-alvo, pois a ausência desta poderá redundar em fracasso da propaganda.
(c) Abordagem – A mensagem, embora possa basear-se em argumentos racionais, deve, preferencialmente, abordar o tema sob os ângulos emocionais que proporcionem os apelos mais fortes capazes de sensibilizar o público-alvo.
(d) Motivações – As mensagens devem ser adequadas às motivações que se desejam despertar no público-alvo.
(e) Aspectos Éticos – As mensagens devem levar em conta os aspectos éticos geralmente aceitos pelo público-alvo, a fim de evitar que fatores não essenciais ao tema criem inibições para a aceitação das idéias a serem transmitidas. Em particular devem ser evitados:
1) Exaltação de personalidades.
2) Ofensas, entre outras, à moral, às crenças e à dignidade do público-alvo, bem como às tendências fundamentais que se julgue existentes no mesmo.
(f) Linguagem – A linguagem utilizada no preparo de uma mensagem deve ser a usada pelo público-alvo a que se queira atingir.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)