Hoje falaremos do nono álbum de Fabiana Cozza (terceiro pela Biscoito Fino), Urucungo, trabalho dirigido pelo cavaquinhista e bandolonista Henrique Araújo, ele que também assina a produção musical junto com o percussionista Douglas Alonso. Pelo release, sabe-se que ambos têm uma longa trajetória musical ao lado de Cozza, tendo participado de praticamente toda a sua discografia. Uma curiosidade: termo do quimbundo, “urucungo” é um dos nomes para berimbau.
Mas voltemos a Fabiana Cozza: seu vozeirão parece nascido para um dia cantar Nei Lopes. Pois em sua voz as músicas revelam-se como as verdadeiras obras-primas que são, tesouro que ela burilou como a ourives do ofício de embelecer o belo, tornando-o definitivo. E assim foi!
Samba, partido alto, samba-canção, samba-enredo e jongo são (en)cantados por ela, tais como “Urucungo”* (Marcelo Menezes e Nei Lopes); “Já Não Manda Mais Em Mim” (Ivan Lins, Vitor Martins e NL); Ré, Sol, Si, Ré”** e “Senhora do Mundo”*** (ambas de Wilson Moreira e NL); “Samba de Longe” (Reginaldo Bessa e (NL) e “Tela de Bamba” (Dauro do Salgueiro e NL).
Também o são junto a seus convidados – Leci Brandão (voz): “Dia de Glória” (Wilson Moreira e NL); Francis Hime (piano): “Ofertório” (Francis e NL); João Camarero (violão): “Pólen” (Fátima Guedes e NL); Nei Lopes (voz): “Quesitos” (Wilson Moreira e NL); Ilessi (voz): “Alquimias” (Everson Passos e NL); e Guinga (voz e violão): “Jurutaí” (Guinga e NL).
Os arranjos de Henrique Araújo (cinco), Gian Correa (cinco), João Camarero e Guinga (um cada um) se esbaldam em percussões, bateria, clarone, sax soprano, flauta, clarinete, piano, cavaco, bandolim, baixo acústico, violões (sete cordas e tenor) e coro, tocados por músicos que trazem no sangue a seiva da música negra ancestral. Tudo movido a ritmos, dores, saudades e esperanças em um mundo fraterno e mais disposto a acolher as diversidades, sejam elas musicais, de gênero, cor ou religião.
Ao ouvir as doze faixas do disco (selecionadas dentre as mais de 30 músicas que recebeu para escolher), sinto como se Cozza houvesse recebido a premonição de que tinha nas mãos alguns documentos musicais. As testemunhas da criatividade de um gênio popular, a matriz definitiva de quem flameja imponente na cultura musical africana/brasileira: Nei Lopes! Além de compositor, escritor e intérprete, Nei é um dos grandes estudiosos das culturas africanas no Brasil.
E eis que, num dia qualquer, reunidos os orixás, um deles apontou para ele e disse: Nei Lopes é malungo nosso! Como as colunas de Niemeyer, ele é o cara que identifica e traduz o Brasil. E deu-se o espanto!
Em meio a suas carreiras, Urucungo é um álbum que faz de Fabiana Cozza e Nei Lopes musicistas definitivamente fundamentais para a cultura musical afro-brasileira.
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AQUILES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)