Em qualquer circunstância, política econômica é meio para se atingir os verdadeiros objetivos de qualquer estado nacional
Peça 1 – economia estagnada
Divulgada na quarta-feria, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE, registrou alta de apenas 0,7% no mês de novembro e de 1,95% em 12 meses. No acumulado de 12 meses, é um indice 1,6% abaixo de novembro de 2020.
Já a Pesquisa Mensal da Indústria (PMI), referente a novembro, mostrou queda mensal das Indústrias de Transformação (-0,23%). O índice geral mostrou alta de 0,52% mas devido exclusivamente às exportações de commodities agrícolas e minerais.
A indústria de transformação é a que mede, efetivamente, a temperatura da economia interna, o potencial de geração de empregos e de arrecadação fiscal.
Em 12 meses, a indústria cresceu 1,16%, mas puxada pelas indústrrias extrativas (+14,01%) compensando a queda de 0,76% na indústria de transformação. Nem se ouse comparar com 120 meses atrás.
Quando se analisam as grandes categorias econômicas, Bens de Capital (o setor que produz máquinas que irão registrar nova produção à economia) teve queda de 15,32% em 12 meses. Ontem mostrei aqui a diferença de preços entre uma máquina chinesa, importada, e uma máquina produzida pela Romi, a maior indústria brasileira de máquinas. E essa invasão chinesa está afetando setores consolidados, como o siderúrgico.
Peça 2 – o equilíbrio fiscal
Na quarta-feira, o Tribunal de Contas da União divulgou suas estimativas sobre a questão fiscal.
- O trabalho constatou que a Receita Primária Federal Líquida, em 19,2% do PIB, é muito acima do que foi observado nos anos recentes, indicando estar superestimada. Além disso, a sustentabilidade da Dívida Líquida do Setor Público parece não ser alcançável nos próximos 10 anos. O valor estimado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (R$ 12,5 bilhões) em economia de despesas também não é factível.
Ou seja, para não haver cortes orçamentários, teria que haver um crescimento das receitas – que depende do comportamento da economia – e de algumas medidas fiscais, que o TCU julgou insuficientes. Sua estimativa é de um déficit primário de até R$ 55,3 bilhões, e o descumprimento da meta de resultado fiscal proposta na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Peça 3 – a taxa de juros
Mantidas as atuais regras do jogo, o Copom (Comitê de Política Monetária) terá muitos argumentos para reduzir o ritmo de queda dos juros. Ontem, o FMI (Fundo Monetário Internacional) apitou a flauta de Hamlin para os bancos centrais encerrarem o ciclo de queda dos juros.
Segundo o Financial Times, a bíblia do mercado, um alto funcionário do FMI alertou que os bancos centrais precisam agir com cautela no corte das taxas de juros este ano, já que as expectativas do mercado de uma política monetária mais frouxa podem alimentar outro surto de inflação.
No mesmo tom, Karen Ward, estrategista-chefe de mercado para Europa, Oriente Médio e África na JPMorgan Asset Management, reforçou que, passado o entusiasmo com a decisão do FED, de não aumentar os juros, o mercado deveria cair na real e começar a se preocupar com a volta da inflação.
É um jogo modorrento, de tão previsível. Se a inflação aumenta, há que se aumentar os juros. Se a inflação cai, há que se aumentar os juros para a inflação não subir de novo.
Aliás, sugiro a leitura do livro “História da Diplomacia Monetária”, de Maurício Metri. Aí se entenderá melhor o uso que a Inglaterra fez da política monetária, quando a libra dominava e o Banco da Inglaterra dava as ordens, sucedido pela era do dólar e do FED (o Banco Central americano). E como os países periféricos iam bovinamente para o matadouro, até que fossem salvos pelo Senhor Crise.
Enquanto isto, o Conselho de Estado da China alterou as regras do Comitê de Política Monetária do PBOC (o banco central chinês). Pelas novas regras, quem passa a definir a política monetária é o Partido Comunista chinês.
Segundo a nota oficial,
A alteração também estimula o fortalecimento da orientação das expectativas e da comunicação com o mercado, acrescentou.
Antes disso, em setembro do ano passado, Liu Shijin, membro do comitê de política monetária do Banco Popular da China (PBOC), alertava para as restrições da política monetária, devido à ampliação dos diferenciais de juros em relação aos Estados Unidos.
“Se a China continuar a se concentrar em políticas macro em seus esforços para estabilizar o crescimento, haverá cada vez mais efeitos colaterais. Mais importante ainda, perderemos novamente a oportunidade de fazer reformas estruturais.”
As reformas estruturais anunciadas passam pela demanda – com a proposta de oferecer aos trabalhadores imigrantes acessos aos serviços públicos -, e do lado da oferta, com o estímulo ao empreendedorismo em setores emergentes.
Peça 4 – a economia como meio
A diferença fundamental entre o modo de pensar Ocidental – profundamente amarrado à coordenação do FMI, como representante do grande capital financeiro – e a China está na maneira como analisam a política econômica.
Em qualquer circunstância, política econômica é meio para se atingir os verdadeiros objetivos de qualquer estado nacional: a promoção do desenvolvimento como maneira de alcançar o bem estar social da população. E o bem-estar, na forma de atendimento em educação, saúde e outros direitos, é o motor que impulsiona o desenvolvimento, pela oferta de mão de obra especializada e pelo fortalecimento do mercado interno.
Só que se tem um país que foi institucionalmente destruído pela irresponsabilidade golpista do período mensalão-Bolsonaro, um governo politicamente enfraquecido pelo controle do Centrão sobre o Congresso, do mercado sobre os gastos públicos e uma mídia que, ao mesmo tempo, defende o controle de gastos e critica a retirada de isenções espúrias a setores empresariais e religiosos.
Em algum momento, o governo Lula terá que pagar para ver. Se permitir a manutenção dos juros atuais, se continuar com as mãos amarradas para investimentos públicos e políticas de defesa da produção nacional – especialmente contra a invasão chinesa – apenas adiará a ida para o matadouro.
É mais do que hora de encabeçar um movimento em defesa da produção nacional.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)