Com o Congresso e o Judiciário em recesso até fevereiro, o mês de janeiro na política está parecendo com as cascatas especulativas do noticiário do futebol nas férias dos principais times. Muito lero-lero e poucas contratações/mudanças. Fora o meu Flamengo que, enfim, com um ano de atraso, contratou um craque, o uruguaio De La Cruz (se tivesse vindo em 2023 não teria sido um ano tão frustrante) e o Galo, que repatriou o Scarpa, o ano quase não teria novidade digna de festejo. Os agentes dos jogadores usam a imprensa para valorizar um jogador, dizendo que um dos cinco grandes do futebol brasileiro está de olho no personagem. O cara da vez é o ex-tricolor Luiz Henrique, atualmente no Bétis (Espanha). O Fluminense desistiu, com a pedida alta, e preferiu investir em veteranos como Renato Augusto.
Na política, as cerimônias de lembrança do 8 de janeiro de 2023 incitaram uma possível revolução da sensata, porém tardia, MP de prorrogação da desoneração dos encargos sociais até 2027, mas com redução progressiva dos benefícios fiscais e obrigações trabalhistas. Responsável pelo cofre da Fazenda, que larga nesta segunda-feira (15) com um rombo de R$ 36,5 bilhões pela cobertura obrigatória do Tesouro Nacional às perdas finais líquidas do Banco Central (não me pergunte, caro leitor, se não é incoerente o presidente Roberto Campos Neto se arvorar de independente, por Lei, ao Executivo, mas vir causar um rombo fiscal no Tesouro, logo na área fiscal, sempre fustigada pelo BC), o fato é que Fernando Haddad tem de negociar até março para evitar o pior. Crianças, um dia abandonam as rodinhas de segurança das bicicletas e pedalam sozinhas. Por que as empresas de 17 setores precisam de muletas permanentes do Estado, que tem outras prioridades sociais?
O troca-troca
A troca no Ministério da Justiça e Segurança Pública, ocorrida na mesma semana das cerimônias de comemoração da sobrevivência inabalável do Estado Democrático de Direito às ações golpistas de 8 de janeiro de 2023, marca, efetivamente, o início da segunda fase do governo Lula III.
No ano eleitoral de 2024, no qual Lula precisa articular para que a base do governo – que saiu visivelmente enfraquecida das urnas de 2022, vencidas por Luis Inácio Lula da Silva – tenha êxito nas eleições municipais, que servirão como prévia para 2026, tudo indica que a vinda de Lewandowski para o governo é apenas o primeiro movimento esperado para este ano. Em 2023, sem base forte na Câmara e no Senado, o governo Lula teve de cooptar quadros dos diversos partidos que compõem o Centrão, mas o desempenho operacional e o resultado político nas votações do Congresso deixaram a desejar. A cada negociação o governo tinha de ceder anéis, sob a forma de liberação de emendas. Mas no ano eleitoral de 2024 a gula do Centrão quer decidir quando e como o governo (o Executivo) libera as verbas do Orçamento Geral da União.
Não será surpresa, portanto, se a troca na pasta da Justiça for seguida com mais uma ou duas mexidas no Ministério. Se não bastasse o fraco desempenho, há suspeitas pairando sobre a atuação de Juscelino Filho na pasta de Comunicações. Mas há pressões do Centrão que cobiça duas pastas com ação capilar em todos os municípios, como a Saúde e Educação. Assim como Lula resistiu à decretação da Garantia da Lei e da Ordem, a famigerada GLO para debelar as arruaças de 8 de janeiro de 2023, realizadas justamente para as Forças Armadas tutelarem o governo, ele precisa resistir para que o Centrão não queira tutelar o governo.
No troca-troca de um loquaz Flávio Dino, que tomou à unha a segurança do Estado Democrático de Direito e o governo Lula, com o auxílio providencial do secretário-executivo, Ricardo Capelli, por um reservado e discreto Ricardo Lewandowski, tanto o país como o governo perderão um dos mais operativos ministros, como a imprensa ficará privada das inteligentes tiradas de Dino, que se saiu bem em todos os mais traiçoeiros episódios de provocação das alas bolsonaristas na Câmara e no Senado. No STF, Dino falará mais nos autos e terá menos exposição. Uma pena para os que ficarão privados de sua verve.
Capelli e Paes X Ramagem e Bolsonaro
O país deve muito a Ricardo Capelli por sua operosa atuação, já como interventor na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, na coordenação das previamente dispersas forças de segurança do DF, que eram parte da trama para facilitar a baderna que levasse à GLO. Ele não faz parte do time de Lewandowski, que tende a utilizar antigos colaboradores de seu gabinete no STF. Grato a Capelli, o presidente Lula já sondou o ex-secretário-executivo do Ministério de Justiça e Segurança Pública para outros cargos na Esplanada dos Ministérios.
Mas o convite do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD-RJ), para que Capelli faça parte do seu governo, seria encarado no governo Lula como um lance para fortalecer a candidatura de Paes, que tenta a reeleição, contra o candidato do PL, o delegado e ex-diretor geral da Abin, Alexandre Ramagem, eleito deputado federal pelo PL-RJ com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como Bolsonaro ganhou fácil de Lula na capital, o fortalecimento da candidatura Paes seria um ensaio para a recuperação do terreno para 2026.
Paes, que não tem poder de polícia, está às voltas com cobranças milionárias de milicianos para que a prefeitura realize obras na Zona Oeste (um túnel para ligar a avenida Brasil a Campo Grande, desafogando o tráfego do eixo usado pelo BRT), e a implantação do parque Piedade, na Zona Norte. Neste caso, o prefeito parece colher novos dissabores com sua mania de demolição. As antigas instalações da Universidade Gama Filho estavam na mira da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para ser transformada em Hospital, já que as centenárias instalações na Rua de Santa Luzia não dão conta da demanda. Assim como fez com a Perimetral (muito bem demolida nas praças 15 e Mauá, mas que poderia ter sido interligada com o túnel Marcello Alencar, desafogando o trânsito da Zona Sul – sobretudo Botafogo e Lagoa), pôs abaixo o trecho da Avenida Rodrigues Alves. Quem vem da Zona Sul para a Ponte Rio-Niterói e Baixada, incluindo o Galeão, que Paes tenta relançar, sabe que o tempo da ligação aumentou em quase uma hora. E as vigas não foram achadas.
Em princípio, Paes queria usar Capelli na elaboração de um plano de segurança municipal, que esbarra no fato de ser a segurança pública competência do governo estadual. A ação da PM e da Polícia Civil está sob o comando do governador Cláudio Castro (PL-RJ). Enquanto tentava facilidades do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em perdões de dívidas e um Desenrola para a dívida do Estado do Rio de Janeiro, Castro parecia se afastar de Bolsonaro. Mas a gênese de Castro falou mais alto e o governador já está se aproximando de Bolsonaro e de seu candidato Ramagem.
A Paes restaria o uso mais efetivo da Guarda Municipal. Limitações constitucionais restringem o uso de armas de fogo pela GM, cuja função se limita basicamente a zelar pelo patrimônio da cidade. Outra atuação, posta de lado na pandemia, era a briga diária de gato e rato contra os camelôs e o comércio ilegal de mercadorias contrabandeadas ou roubadas. Mas o trunfo de Paes na disputa contra o campo bolsonarista foi a intervenção da Polícia Federal e das Forças Armadas nos aeroportos e portos, além da área costeira do Estado do Rio de Janeiro, face à inoperância (para dizer o mínimo) das forças policiais, infestadas pela cooptação das milícias e das gangues do narcotráfico. E foi Capelli quem deu início à intervenção. Inútil com Braga Neto em 2018.
Spy X Spy
Os episódios vergonhosos que desvendaram a mistura das forças policiais com a milícia mostram que será um difícil caminho separar o joio do trigo na segurança pública local. A banda podre da polícia (Militar ou Civil) sempre comungou da máxima do famigerado delegado Sivuca (várias vezes eleito para a Alerj), de que “bandido bom é bandido morto”. Aplaudida pela classe média despolitizada, a máxima encobria uma solução drástica para evitar que o bandido chegasse a uma audiência de instrução com o Juiz, quando poderia entregar a banda podre da polícia. O campo bolsonarista comunga da ideia.
Mas basta relembrar os episódios que envolveram a gangue do Zinho, que comandava a milícia da Zona Oeste. A morte de seu antecessor Ecko, executado numa viatura, antes de chegar à cadeia, ou de seu irmão, o “Faustão”, cuja morte, numa ação de cumprimento de mandados de prisão pela polícia civil, foi feita de forma sigilosa – sem comunicação ä delegacia local ou à PM da região (para que não houvesse vazamentos ao próprio bando). Como o “Faustão” foi morto na ação e os milicianos barbarizaram os bairros de Campo Grande e Santa Cruz, com incêndios em mais de duas dezenas de ônibus, quando a equipe da polícia civil pediu socorro da PM, esta fez corpo mole. Só depois do caos, o governador cobrou energia e a PM e a Civil reagiram.
A ação da PF que se seguiu, além de descobrir muitas armas que entravam junto como escambo do envio de drogas para o exterior, tratou de asfixiar a circulação financeira da milícia. Vendo-se cercado, Zinho começou a negociar por seus advogados para se entregar ä polícia. Mas, para garantir sua integridade física, evitou a PM e a Polícia Civil. Dirigiu-se à sede da PF, no Rio, na Avenida Rodrigues Alves. Só quando estava praticamente a salvo, na porta da PF, a advogada de Zinho avisou ao delegado da PF que ele estava se entregando. Sem tempo para qualquer ataque surpresa.
A gravidade da situação do Equador, país que, sob a atuação de poderosos cartéis mexicanos e europeus, virou rota do tráfico de cocaína dos vizinhos Peru e Colômbia, mostra que o Brasil, que é outro estuário das drogas e grande consumidor doméstico, precisa tratar como questão de segurança nacional o narcotráfico. As Forças Armadas e a PF têm feito pouco para combater o tráfico, que usa ouro extraído ilegalmente de garimpos em terras indígenas, contrabando de madeira, peixes e animais como moeda de troca por armas e drogas na tríplice fronteira com Peru e Colômbia. Falta planejamento. Capelli poderia ser útil na área.
A cara de pau do Banco Central
Além de pedir dinheiro ao Tesouro Nacional nesta segunda-feira, 15 (as perdas de 2023 serão cobradas em 2025), espero que o Banco Central tenha o pudor de não atribuir à eficácia da política monetária o fato de que, finalmente, no terceiro ano de sua independência, conseguiu não ser reprovado no cumprimento da meta de inflação e obrigado a escrever carta se justificando ao ministro da Fazenda, presidente do Conselho Monetário Nacional. O BC de Campos repetiria o caso do aluno relapso que, após apelar ao pai para abonar o boletim de reprovação, ainda pede dinheiro para ir na balada.
Depois de estourar o cumprimento do teto das metas de inflação em 2021 (o teto era 5,25% – sendo 3,75% de meta e tolerância de 1,50% – e deu 10,1%) e 2022 (o teto era de 5,00% e deu 5,79% porque o governo Bolsonaro, em medida eleitoreira, cortou impostos federais e estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações de julho a 31 de dezembro de 2022), a inflação de 2023, de 4,62% pelo IPCA, ficou dentro do teto de 4,75%.
Mas a baixa deve-se mais à queda dos preços dos alimentos, que subiram apenas 1,03% em 2023, e à nova política de preços da Petrobras, adotada em maio. Ao abandonar os reajustes automáticos do sistema de Paridade de Preços Internacionais (PPI) – uma promessa de campanha de Lula –, a Petrobras evitou sobressaltos nos custos dos fretes e nas tarifas de transporte urbano. Com a PPI, os preços sempre subiam rápido como um elevador. Mas em caso de rebaixo, face ao mecanismo da indexação, jamais eram transferidos ao consumidor. Repetem os juros: sobem pelo elevador e descem lentamente pela escada, com os bancos resistindo a perder seus ganhos.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)