CAPELLI NÃO APRENDEU A GRANDE LIÇÃO DE BRASÍLIA: SABER “TER SIDO” ALGUÉM , EM ALGUM MOMENTO

RICARDO CAPELLI

Em janeiro de 2007 um agoniado Geddel Vieira Lima puxou-me pelo braço no Salão Verde da Câmara dos Deputados. Ele se preparava para cumprir o quinto mandato consecutivo de deputado federal, eleito pela Bahia, e pretendia disputar o governo de seu estado em 2010. Durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2006, o verborrágico Geddel havia sido opositor implacável do petista. Um dos programas de Lula que elegeu para bater sem dó nem piedade, todos os dias, era a transposição do Rio São Francisco. O deputado baiano comungava da tese desprovida de verdade ou de Ciência segundo a qual a transposição diminuiria o potencial hidrelétrico do mais extenso rio brasileiro. Entretanto, a obra histórica e monumental definida pelo presidente, tinha enfim saído das pranchetas e estava pronta para se iniciar. Seria convertida, obviamente, em plataforma política fundamental para qualquer político – sobretudo quem buscasse votos no Nordeste.

– Amigo, você tem de me ajudar – disse Geddel, agarrando sem cerimônia a manga de meu terno. – O presidente às vezes te ouve, eu sei que você é amigo de muita gente do PT, e eu tenho de virar ministro, pediu sem cerimônia.

– Você ministro, Geddel? Durante quatro anos você bateu em Lula como quem bate num bife. Você foi a favor dessa maluquice de CPI dos Correios, mesmo sabendo que as denúncias eram mentirosas. Como o Lula vai te fazer ministro?

– Política não é assim. Se bati, paro de bater. Quero ser ministro da Integração Nacional…

– Mas Geddel – interrompi de pronto: – A Integração é o ministério que tocaa obra de transposição, e você é contra a transposição do Rio São Francisco.

– Era contra… eeera contra! Agora, sou a favor e executarei a transposição se ele me nomear. Lula – disse ele dirigindo-se a mim, uma vez que meu apelido sempre foi “Lula”, homônimo que facilita muito as coisas em Brasília – quando alguém bate em sua porta, o que você pergunta?

– Desculpe, não entendi o que você quer saber.

– Quando alguém bate à sua porta, o que você pergunta para quem está do outro lado?

– Pergunto “quem é”, ora essa – respondi.

– Exato! – gritou ele com o cinismo hipócrita dos iniciados e versados na política. E seguiu: – Você não pergunta “quem foi”. Pergunta “quem é” porque, em Brasília, é preciso estar sendo sempre alguma coisa para pôr de pé os projetos pessoais da gente. Meu projeto é governar a Bahia . E, para me eleger governador, preciso “estar sendo” algo poderoso nos próximos anos.

Geddel Vieira Lima dobrou Lula e o PT, comandou a Integração Nacional entre março de 2007 e março de 2010, porém, jamais conseguiu se eleger governador dos baianos. E certamente nunca irá sê-lo. Em 2010, sequer foi ao segundo turno no estado. Renasceu em Brasília como vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal nomeado pela presidente Dilma Rousseff a pedido do vice-presidente (jamais decorativo, sempre ardilosamente golpista) Michel Temer. Depois, virou secretário nacional da Aviação Civil do governo Dilma e, tendo integrado o comitê central do impeachment sem crime de responsabilidade, que foi um golpe de Estado, Geddel virou secretário-geral da Presidência no período inicial da ascensão de Temer depois da usurpação do poder de Dilma. Fiel a seu propósito de sempre “estar sendo” algo em Brasília, Vieira Lima foi traído pela desmedida ambição financeira pessoal enquanto exercia o seu livre arbítrio de ministro de Estado com gabinete no Palácio do Planalto.

Sem que as convicções morais, a formação ideológica, o padrão ético e a personalidade do jornalista Ricardo Cappelli tenham quaisquer parâmetros de comparação ou sugiram semelhança com o seu antípoda político Geddel Vieria Lima, a trajetória pessoal do ex-deputado baiano por dentro dos meandros dos gabinetes brasilienses guarda lições que o ainda secretário-executivo do Ministério da Justiça deveria ter aprendido neste primeiro ano de estágio nas arenas onde se joga com o poder na capital federal.

Cappelli é um quadro da esquerda brasileira e se revelou uma voz de comando com cabeça organizada no curso da intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. Depois disso, foi cirúrgico e exemplar, para os interesses do presidente Lula, na forma como interveio no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República quando o general Gonçalves Dias pediu demissão ao ser traído e lançado às feras sebosas da oposição quando vazaram vídeos editados da ação dele no Palácio do Planalto na reação ao golpe do 8 de janeiro de 2023. Ricardo Cappelli, todavia, não tem dimensão jurídica ou política para querer disputar o cargo de ministro da Justiça com uma personagem do diapasão e da relevância de Ricardo Lewandowski. Aí reside o erro capital dele em todo esse mimimi no qual se converteu a troca no ministério que ao longo de 2023 foi tão bem tocado pela dupla Flávio Dino & Ricardo Cappelli. Lewandowski não merece que sejam levantadas contra sua nomeação querelas comezinhas. Tampouco o advogado Manuel Carlos de Almeida Neto, que foi chefe de gabinete de Lewandowski no Supremo Tribunal Federal e secretário-geral do STF no período em que o futuro ministro da Justiça comandou a Corte, pode ter sua biografia comparada com a biografia de Cappelli como se o posto no qual um sucederá ao outro estivesse na gôndola de um supermercado brasiliense.

Até a semana passada, quando ficou evidente que Lewandowski diria “sim” ao convite do presidente Lula para suceder Dino no Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli conduzia sua pretensão de ficar no posto do ex-chefe com uma estratégia correta. Porém, quando o ex-ministro do Supremo confirmou o aceite, o secretário-executivo de Flávio Dino esqueceu de cortar o combustível de quem o estimulava a ganhar ar e deixou de orientar corretamente o seu leme para o lago plácido dos que constroem suas trajetórias políticas sabendo com galhardia e honradez “ter sido” alguém em algum lugar do poder federal enquanto reconfigura a rota das próprias ambições. A favor de Cappelli é preciso dizer: ainda há tempo para calibrar o GPS e seguir na tela de quem trafega nessa justa recomposição do poder à esquerda – em Brasília e no Brasil.

LUIS COSTA PINTO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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