O Banco Central tem um calendário para a divulgação das “Notas Econômicas-Financeiras” à imprensa e ao grande público que remete à velha máxima confessada, involuntariamente, pelo então ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero. Em conversa reservada com o repórter Carlos Monforte, da Rede Globo, em fins de agosto de 1994, antes de a gravação sobre o lançamento do Plano Real ir ao ar, Ricúpero explicou a lógica da comunicação oficial na economia: “O que é bom a gente antecipa; o que é ruim a gente esconde”.
Para azar do ministro da Fazenda, que iria pilotar o Plano Real (Fernando Henrique Cardoso deixou o cargo em maio, para se desincompatibilizar e poder concorrer (e vencer) à presidência da República em 1994, a confissão foi captada por antenas parabólicas. O PT fez um escarcéu, Ricúpero foi demitido e substituído de emergência pelo ex-governador do Ceará, Ciro Gomes.
Mas, como repórter de Economia há mais de meio século, posso atestar que sempre foi assim. Os “press-releases” oficiais são água com açúcar. Só mencionam os fatos positivos. Quando o Banco Central divulgava dados nos anos 70 era preciso o repórter recorrer aos anexos estatísticos e fazer muitas contas. Os “leads”, ou seja, as informações mais relevantes, eram escondidas.
Na gestão de Carlos Langoni, o diretor Alberto Furuguem, sistematizou as informações do BC em suas áreas de atuação em um educativo informativo mensal. Com o avanço da internet, a partir dos anos 90, e as necessidades de transparência para os mercados, a partir da instituição do sistema de metas de inflação, em março de 1999, as informações que antes saíam no final da tarde, passaram a sair por volta das 11 horas. Agora saem no começo da manhã.
Mas a ordem de divulgação está ligada ao que melhor a área econômica pode apresentar. No fim dos anos 90, começo deste século, quando as privatizações deram um fôlego aos dados fiscais, estes eram os primeiros a serem divulgados. E os últimos eram os dados das contas externas. Quando as contas externas começaram a melhorar a partir de 2002, com as compras da China, os dados da balança comercial e transações correntes tomaram a frente.
Maior rombo desde 2016
E os dados fiscais consolidados do setor público (governo Central, BC, INSS e estados e municípios além das estatais, excluídas Petrobras e Eletrobrás) em novembro de 2023, divulgados nesta 6ª feira pelo Banco Central, acusaram déficit primário de R$ 37,270 bilhões público (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida). Houve um aumento acelerado de gastos, após superávit de R$ 14,798 bilhões em outubro, pelo aumento das liquidações de restos a pagar (como precatórios) e de emendas parlamentares pelo Tesouro para o governo aprovar sua agenda econômica na Câmara e no Senado.
Em termos históricos, foi o 2º maior déficit para o mês de novembro desde os de R$ 39,140 bilhões de novembro de 2016. Em novembro de 2022 houve déficit primário de R$ 20,089 bilhões. Mas a comparação com 2016 mostra uma situação fiscal bem melhor. Sobretudo porque o Produto Interno Bruto cresceu desde então e as métricas do déficit primário, da conta de juros e do déficit nominal, que considera os juros, são bem mais suaves.
Em novembro de 2023, o resultado fiscal primário foi composto por um déficit de R$ 38,923 bilhões do Governo Central – o Tesouro Nacional teve déficit de R$ 19,63 bilhões, o Banco Central, de R$ 167 milhões e o INSS, de R$ 19,59 bilhões. Já os governos regionais (estados e municípios) geraram superávit de R$ 1,996 bilhão (os Estados tiveram superávit de R$ 3,672 bilhões, mas os municípios tiveram déficit de R$ 1,676 bilhão. Já empresas estatais tiveram déficit de R$ 343 milhões. Nos 12 meses encerrados em novembro, o resultado primário do setor público consolidado foi deficitário em R$ 131,4 bilhões, equivalente a 1,22% do PIB (0,15 p.p. do PIB superior ao déficit acumulado nos doze meses encerrados em outubro). A PEC 2022 autorizou R$ 177,5 bilhões, mas o Tesouro trabalha com a meta de R$ 125 bilhões até dezembro.
Pois em novembro de 2016, o déficit primário de R$ 39,9 bilhões veio principalmente do governo Central (R$ 20,6 bilhões, enquanto o INSS tinha déficit de R$ 18,9 bilhões – o que mostra pouca mudança mesmo com a reforma de 2019, que agora começa a ser aplicada). O déficit acumulado em 12 meses tingiu R$ 156,7 bilhões, o equivalente a 2,50% do PIB.
Os juros sempre pesam
E os juros nominais pagos em novembro de 2016 somaram R$ 85 bilhões, ou 1,48% do PIB, acumulando R$ 424 bilhões em 12 meses (6,78% do PIB).
Já em novembro de 2023, os juros nominais do setor público consolidado, apropriados por competência, somaram R$ 43,6 bilhões, contra R$ 50,3 bilhões em novembro de 2022, graças a um ganho de R$ 18,3 bilhões do Banco Central em operações de “swap” cambial no mês de novembro (em novembro de 2022 houve ganho de R$ 7,6 bilhões).
Mas a conta de juros continuou explodindo, porque os impactos da redução da taxa Selic (que remunera mais de 60% da dívida pública só começaram a fazer efeito em agosto de 2023, quando caíram de 13,75% para 13,25% ao ano, setembro e novembro (em dezembro houve nova queda de 0,50 ponto percentual para 11,75%). Assim, os gastos mensais (incluindo as operações de swap) foram de R$ 81,714 bilhões em setembro, de R$ 86,947 bilhões em outubro, e R$ 43,617 bilhões em novembro.
De janeiro a novembro os gastos com juros somaram R$ 654,4 bilhões, ou 6,60% do PIB. No acumulado em 12 meses, os juros nominais alcançaram R$713,4 bilhões (6,60% do PIB) em novembro de 2023, ante R$ 581,8 bilhões (5,82% do PIB) nos 12 meses até novembro de 2022. O esforço de contenção de gastos continua sendo superado pelo acrescimento anual de juros.
A gangorra da renda nos juros
Curiosamente, de janeiro a novembro de 2023 os gastos acumulados com juros (R$ 654,4 bilhões) aumentaram R$ 127 bilhões frente aos R$ 527,4 bilhões dos primeiro 11 meses de 2022. Como se sabe, os juros da dívida são transferidos às camadas de maior renda da sociedade, incluindo os bancos. E a cota de juros supera os gastos a descoberto do orçamento da União, redirecionados pelo governo Lula para as camadas de menor renda.
Ou seja, por enquanto Lula ainda não conseguiu equilibrar a gangorra da redistribuição da renda para as camadas mais humildes da sociedade, que o elegeram.
Indústria reage em novembro
A produção industrial (PIM) de novembro teve crescimento de 0,5% sobre outubro, sem efeitos sazonais, depois de variar positivamente 0,1% em outubro. Os dados garantem um crescimento no último trimestre do ano.
Os setores que estão liderando a indústria estão ligados à Petrobras. A indústria extrativa mineral (que inclui minérios, petróleo e gás, cresceu 3,4% em novembro, enquanto na indústria de transformação, que teve o crescimento liderado pela alta de 2,8% no setor de bebidas, a indústria de refino de derivados de petróleo teve expansão de 0,6% sobre outubro.
Dados conflitantes nos EUA
A criação de 216 mil novos empregos em novembro contrastou com a redução do índice do mercado de serviços nos Estados Unidos. Para os analistas, a combinação dos dois indicadores adia a possibilidade de o Federal Reserve iniciar a redução dos juros (0,75 ponto percentual em 2024) no 1º trimestre.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)