Contribua usando o Google
Jornalismo brasileiro parece ter perdido totalmente a noção de relevância. O que se tem é um palpitômetro vazio
Há muito o que se criticar em Lula. Pode-se discutir a fala de indicação de um caminho claro de desenvolvimento, a desarticulação ministerial, as seguidas concessões à Câmara, ao mercado e às Forças Armadas.
Mas o jornalismo brasileiro parece ter perdido totalmente a noção de relevância. O que se tem é um palpitômetro vazio, superficial, palpite de rede social, de quem não parece dispor de mínima condição de uma crítica fundamentada, praticando exclusivamente o jornalismo de implicância.
Alguns exemplos.
Lula e o terrorismo de Israel
Na Folha, a colunista que se julga ferina, propõe ironicamente “Lula para o Prêmio Nobel da Paz”. Qual a crítica?
“Para Lula, “Israel também está cometendo vários atos de terrorismo”. Confunde supostos crimes de guerra, aos quais Israel poderá responder no futuro, com terrorismo puro”.
Qual a definição de terrorismo pela ONU (Organização das Nações Unidas):
“Atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral […]“
E, aí, a conclusão fantástica, filha direta do “mata mas não estupra” de Paulo Maluf:
“Não há notícias de que o Exército de Israel, por mais letal e condenável que seja sua ação, esteja estuprando mulheres, arrastando-as pelas ruas, assassinando pais na frente de filhos e vice-versa, queimando e decapitando gente ainda viva, com o único objetivo de aterrorizar as pessoas e pelo prazer de matar”.
Nem se discuta a maneira como endossa acriticamente todas as versões de Israel, do Hamas comedor de criancinhas – dados que são questionados até pelos setores liberais do país. Mas, segundo a douta comentarista, Israel pode ser taxado de genocida, assassino, criminoso. Mas não de terrorista. Nunca ouviu falar do conceito de terrorismo de estado. Ah, bom!
O caso Márcio Pochman
Essa tese, do terrorismo de Israel, só é superada pela inacreditável reportagem, : “Afirmações de presidente do IBGE sobre China e mudança em comunicação preocupam ala de ex-técnicos do órgão”. E o subtítulo: “Pochmann também disse que atual forma de comunicação com imprensa ficou para trás”
Segundo a matéria, as preocupações são de uma ala de ex-técnicos do órgão e pesquisadores de fora do Instituto” – sempre no genérico. Na verdade, é um artigo chupado de um artigo de uma ex-diretora do IBGE, e, depois, utilizado em copy-paste por diversos veículos.
Mas, afinal, o que Pochman falou de tão grave:
- avaliou que a produção de estatísticas do IBGE foi construída somente a partir de práticas respaldadas em países do Ocidente, como Inglaterra, Estados Unidos e França. Para ele, há uma “mudança de época” em vigor, e boas experiências também partem hoje do Oriente. Nesse sentido, o economista citou trabalhos desenvolvidos pela China.
Alguma dúvida sobre a que ele se refere? Mudanças fundamentais ocorrendo na economia e na sociedade, e ele propõe que se busquem mais modelos para se agregar aos indicadores do IBGE.
Mas, segundo o jornal, “a fala deixou em alerta pesquisadores que veem falta de transparência do país asiático na área estatística”.
Outra afirmação de Pochman, questionada, foi a de que:
“A comunicação do passado era aquela em que o IBGE produzia as informações, os dados, fazia uma coletiva e transferia a responsabilidade para o grande público através dos meios de comunicação tradicionais. Isso ficou para trás”, disse Pochmann.
“Hoje cada um de nós tem a capacidade de comunicação, é um produtor de informação também, de análise, de opinião. Isso tem gerado uma sociedade complexa, inclusive pelo fato da difusão de fake news, de mentiras”.
As grandes discussões econômicas se dão em cima de indicadores. E a mídia explora compulsivamente apenas os indicadores de mercado. É óbvio que o acesso de mais pessoas aos indicadores do IBGE é uma medida de democratização da informação.
Para o jornalismo de implicância, a declaração de Pochman é uma maneira de não se submeter ao escrutínio do “jornalismo profissional”.
Enquanto isso, nenhuma matéria sobre o desmonte do órgão no período Temer-Bolsonaro, com suspensão de concursos e restrição de salários.
O caso Dino
O Ministério dos Direitos Humanos organizou o 4º Encontro Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, no último dia 6, em Brasília. O encontro juntou CEPCT de todo o país. A sigla se refere a Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. São órgãos consultivos e deliberativos, formados por representantes do poder público e da sociedade civil, que atuam no enfrentamento à tortura, a partir de visitas de acompanhamento, inspeções e monitoramento de unidades de privação de liberdade. É modelo similar ao dos Conselhos Tutelares.
O mandato dos membros dos CEPCT é de dois anos, renováveis por igual período. Os membros são eleitos pelos seus pares, em processo transparente e democrático.
No CEPCT-AM, do Amazonas, constava, eleita por seus pares, Luciane Barbosa Farias, esposa do líder do Comando Vermelho, que está preso. E, na condição de membro do CEPCT-AM ela participou de audiências no Ministério da Justiça, de Direitos Humanos e no Congresso.
Luciane foi alvo de operação da Polícia do Amazonas. Absolvida em primeira instância, condenada em segunda. Como o caso não transitou em julgado, é inocente até a sentença final. Ela dirige uma ONG em defesa dos direitos humanos dos presos no sistema penitenciário de Manaus.
O quadro por lá é horripilante, mesmo depois dos grandes massacres ocorridos anos atrás.
- Superlotação: O sistema penitenciário do Amazonas está superlotado, com uma taxa de ocupação de 191%. Isso significa que há mais presos do que vagas nas unidades prisionais. A superlotação leva a condições insalubres e a conflitos entre os presos.
- Falta de estrutura: As unidades prisionais do Amazonas apresentam graves problemas de infraestrutura. Os presos são submetidos a condições precárias de higiene, alimentação e saúde. A falta de estrutura também dificulta a segurança e o controle das unidades prisionais.
- Tortura e maus-tratos: Há denúncias de tortura e maus-tratos contra presos no sistema penitenciário do Amazonas. Os presos são submetidos a espancamentos, choques elétricos, privação de alimentação e água, entre outros abusos.
- Controle por facções criminosas: As facções criminosas exercem forte controle sobre o sistema penitenciário do Amazonas. Os presos são submetidos a regras e punições impostas pelas facções, que também lucram com o tráfico de drogas e armas nas unidades prisionais.
Nada disso foi objeto de reportagem. Entrevistada pelo repórter Fabio Zanin, a presidente interina do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM), Natividade Maia, foi objetiva:
“O que tem de palpável contra essa pessoa? Eu não tenho um único documento oficial, nada, que ligue essa jovem, essa mulher, à organização criminosa. O que acontece é a criminalização dos familiares dos presos”, diz Maia ao Painel.
“Ela, por ser mulher de um preso, tem lugar de fala para fazer a defesa dos direitos das pessoas encarceradas, porque lá dentro ocorrem muitas violações de direitos, tanto dos presos quanto dos familiares”, completa.
Os repórteres do Estadão limitaram-se a se fiar nas versões do Ministério Público e da polícia do Amazonas, mostrando que não aprenderam nada com a Lava Jato. E o resto da imprensa foi atrás, até a nota corajoso de Zanini.
O caso Capelli
Secretário Executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli colocou dois tweets seguidos, com uma diferença de três horas. No primeiro, ressaltava as medidas tomadas contra a lavagem de dinheiro do crime organizado. No segundo, ironizava os que criticavam o Ministro Flávio Dino.
O próprio Capelli esclareceu que o recado era destinado aos milicianos. De que adiantou? No título, a informação sobre “faíscas na guerra entre Flávio Dino e o PT”. Quem são as fontes? Fontes genéricas. Junte 10 petistas, conseguirá 10 opiniões diferentes. E nenhuma poderá ser considerada como posição oficial do PT.
Mas o que importa? O jornalismo de intriga veio para tratar os grandes temas nacionais com a mesma profundidade que os sites de fofoca cobrem a briga do casal Hickmann.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)