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A contabilidade tem que refletir a situação da empresa ou das contas públicas de maneira realista e dinâmica.
Fui apresentado aos furos da contabilidade pública há muitos anos, provavelmente em fins dos anos 80, quando o auditor Antoninho Marmo Trevisan levantou uma questão óbvia, porém ignorada.
- A contabilidade tem que refletir a situação da empresa ou das contas públicas de maneira realista e dinâmica.
- Se o governo deixa de dar manutenção a uma estrada, está criando um passivo futuro, já que mais à frente haverá um gastos maior na sua recuperação.
- A contabilidade trata esse fenômeno com a taxa de depreciação, como se fosse uma dívida a ser paga no futuro. A contabilidade pública, não. Limita-se à conta de padaria, de conferir quanto restou em caixa, no final do dia.
Essa ignorância atroz limita todas as discussões sobre déficit público ao déficit nominal, que é a diferença imediata entre as receitas e despesas públicas, incluindo os juros nominais da dívida pública. Em outras palavras, é o quanto o governo gasta a mais do que arrecada, incluindo os juros que precisa pagar para financiar sua dívida.
Ora, essa conta atende aos interesses ideológicos dos terroristas do fiscalismo, mas é totalmente falsa.
A contabilidade privada, por exemplo, separa despesas de investimentos. Porque o investimento gerará uma nova receita mais adiante que, espera-se, seja maior do que o valor do investimento – senão, não haveria lógica em fazer o investimento. Por isso mesmo, é uma conta separada, porque é autofinanciável – seja na forma de financiamento ou na melhoria da infraestrutura do país.
Na contabilidade pública, leva-se em conta apenas o gasto. O governo financia uma nova estrada, uma nova ferrovia, aumenta a eficiência da economia, barateia o transporte, estimula novos pontos de desenvolvimento. Mas esse gastos são tratados apenas como despesa e servem para idiotas da planilha colocarem na conta genérica da “gastança”.
Pior acontece com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O banco praticava taxas internacionais de juros para financiamentos de longo prazo. Alegaram que a diferença entre a taxa BNDES e a Selic configurava subsídio – isto é, gastança -, embora a taxa anormal fosse a da Selic. Rapelaram o caixa do banco, para poder quitar o suposto subsídio.
No mundo real, como funcionam os números:
- O BNDES empresta o dinheiro.
- O financiamento vai direto para a construção de novas fábricas.
- As novas fábricas vão gerar, no futuro, quando estiverem em operação, mais postos de trabalho, mais fornecedores, mais produção. Tudo isso significa mais receita fiscal: da folha de salários dela e dos fornecedores, ao Imposto sobre Produção Industrial, e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias.
Tem-se numa conta final não apenas superavitária – se for considerar apenas a questão fiscal -, mas amplamente legitimada pela geração de emprego, pela ampliação da capacidade produtiva do país. Ou seja, traz desenvolvimento, que é o objetivo final de toda política econômica.
Então, usam esses conceitos por burrice? Claro que não: usam por esperteza confiando na burrice da cobertura da mídia, no total divórcio entre mídia e universidade, nas fontes viciadas da mídia, incapazes de arejar a discussão com opiniões contrárias.
Na Espanha, a presidente mundial do Santander, Ana Bottin, diz o óbvio: “Não estamos preocupados com o déficit fiscal brasileiro. Retomando o crescimento, o déficit acaba”. CEO do Bradesco, Octávio Lazzari repetiu o mesmo discurso em evento do BNDES, criticando a maneira como está se relativizando a necessidade de crescimento.
Recentemente, membros da equipe econômica estiverem em uma turnê com os executivos dos principais fundos de investimento globais. Nenhum manifestou preocupação com a questão fiscal brasileira, que consideram muito melhor do que a maioria dos países. Em todos os cantos, México, Brasil e Índica são vistos como a bola da vez dos investimentos internacionais.
Porque, então, essa grita da mídia brasileira? Exclusivamente porque as declarações de Lula afetaram as cotações de fundos multimercado em um momento de vencimento.
Os fundos multimercados que investem no mercado futuro podem utilizar uma variedade de estratégias, como:
- Arbitragem: compra de um ativo no mercado futuro e venda do mesmo ativo no mercado à vista, com o objetivo de lucrar com a diferença de preços entre os dois mercados.
- Speculação: compra ou venda de um ativo no mercado futuro com o objetivo de lucrar com a variação de preços do ativo no futuro.
- Hedging: utilização de contratos futuros para proteger uma carteira de investimentos contra oscilações de preços.
O que acontece, simplesmente, foi que a declaração de Lula afetou levemente as cotações dos vencimentos futuros, trazendo prejuízo aos vendidos. Ou seja, por conta de um cassino, sem nenhuma implicação na economia real, jornais fazem um carnaval sem sentido, mostrando cada vez mais a necessidade de Lula apresentar um projeto concreto, para superar a atoarda irresponsável da mídia.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)