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O jornal GGN teve acesso a um dossiê contendo quantidade relevante desses ataques a partir de postagens escritas e vídeos
São dezenas de postagens e vídeos com o mais puro suco do que é possível encontrar nas redes sociais envolvendo ataques racistas, homofóbicos, misóginos e a reputações, sendo eles, em sua maioria, voltados para figuras públicas com opiniões diferentes que são ou mulheres ou negros ou homossexuais.
Desta maneira, há pelo menos uma década, o influenciador digital Paulo Ghiraldelli, que se apresenta como professor, escritor e filósofo, comenta na internet fatos envolvendo a realidade política, social e intelectual brasileira distorcendo a imagem e a reputação das pessoas enredadas por seu discurso virulento – chegando a fazer apologia ao estupro.
O jornal GGN teve acesso a um dossiê contendo uma quantidade relevante desses ataques, recentes e mais antigos, a partir de postagens escritas e vídeos, além de notícias publicadas por veículos de imprensa de todo o país repercutindo ações judiciais contra o influenciador digital.
Um dos alvos preferenciais de Ghiraldelli tem sido o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a quem chama de “Silvio Alpeida Empáfia”. Na ocasião em que o ministro esteve com o presidente Lula na Terra Indígena Yanomami, o influenciador se referiu à visita como “nojo retinto estrutural” e fez insinuações sobre o cheiro de Almeida.
Em outras postagens, chama o ministro de “analfabeto”, “covarde” e que ele “não gosta de trabalhar” e que “recebe salário sem fazer nada”. Ghiraldelli, num outro vídeo, diz que o ministro “se olha no espelho” e “se vê como o branco de classe média”, também referindo-se a ele como a figura do homem negro que na Colônia e no Império era usada pelos escravocratas como “capitão do mato”, “bibelô de branco”.
A notícia falsa mais usada pelo influenciador é a de que Almeida mente ao dizer que é filósofo, porque, na manipulação de Ghiraldelli, o ministro nunca cursou Filosofia, fato facilmente comprovável a partir do currículo lattes de Almeida, formado na disciplina pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).
São ao menos oito vídeos, apenas este ano, em que o influenciador desfere ataques de toda ordem, sempre a partir de um observatório crítico à atuação de Almeida, mas que se revela mera desculpa para ofensas racistas, baixarias variadas e acusações falsas em desacordo com a realidade utilizando frases como “não faço nada e recebo salário retinto” para induzir a ideia de que o ministro não trabalha.
Lucro com a baixaria
Ocorre que Ghiraldelli possui milhares de seguidores seduzidos pela verve tóxica, pornográfica e aviltante. Não tanto quanto o seu correlato da extrema-direita, Olavo de Carvalho, que também se apresentava como filósofo.
Só no YouTube, são 565 mil que seguem o canal do influenciador com vídeos assistidos por mais de 20 mil pessoas. Mas há ainda perfis no Instagram, Rede X (antigo twitter), Facebook e um site.
Por estes canais, Ghiraldelli arrecada recursos com assinaturas e via PIX, ou seja, não apenas com a monetização dos perfis lucra o influenciador que, além de Silvio Almeida, alvo sistemático há pelo menos três anos, tem predileção por achincalhar mulheres de expressão, casos da filósofa e escritora Djamila Ribeiro, da filósofa e professora Márcia Tiburi, da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) e da advogada e apresentadora Gabriela Prioli.
Cada uma delas recebeu uma alcunha depreciativa ou racista de Ghiraldelli. A escritora Djamila Ribeiro é chamada de “preta djamula” e “analfabeta”. No caso de Tabata Amaral, ele diz, em um vídeo: “Eu vou até o fim do mundo perseguindo a pessoa. Então Tabata [Amaral] você pode ganhar um inimigo aí. E você não vai me aguentar, não vai. Não peça para que eu fique seu inimigo, Tabata. Eu a destruo”. E ele diz que não adianta Tabata ser “bonita” porque ele é mau.
Uma estratégia de Ghiraldelli é o uso do viés de confirmação. Com Gabriela Prioli, o influenciador joga com o fato de que as opiniões liberais da advogada, a quem ele chama de “loira burra”, não encontram eco em setores mais à esquerda da sociedade, como o movimento negro. Em um vídeo, ele diz: “Gabriela Piolho [Prioli] acusou o movimento popular negro de junho, julho de genocida”, algo que Prioli nunca disse.
O método foi de considerável serventia na campanha de Jair Bolsonaro para as eleições presidenciais de 2018, e seguiu em uso pelo chamado “Gabinete do Ódio”, sabidamente instalado no Palácio do Planalto nos anos seguintes. Dezenas de informações falsas passaram a ser desmentidas todos os dias por agências de checagem.
Há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que tentam estreitar o espaço para esta epidemia virtual. Nas últimas eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atuou para obrigar Facebook, Rede X e YouTube a derrubar conteúdos manipuladores da opinião pública, que serviram também para propagar informações inverídicas sobre a vacina contra a covid-19.
Ghiraldelli parece não se ver como parte desta engenharia de demolição da realidade factual.
Contra o historiador Leandro Karnal, que este ano assumiu publicamente relacionamento amoroso com um cantor, Ghiraldelli dispara ataques homofóbicos fazendo uso de charges obscenas e associações pornográficas para rebaixar Karnal de qualquer relevância intelectual a ele relacionada.
Caso você se pergunte qual a divergência de ideias dele com Karnal, é impossível saber a partir das postagens do influenciador nas redes sociais. Só se extrai ofensas tipificadas pelo Código Penal.
Denúncias não o pararam
É alarmante não apenas a quantidade de postagens e vídeos de Ghiraldelli com conteúdos degradantes direcionados às suas vítimas, mas a quantidade de anos em que ele faz as publicações, sofrendo ações judiciais, mas sem nunca ter sido barrado nas redes sociais, na medida em que se tratam de postagens que violam as regras de uso das comunidades.
Para além das ofensas raciais e xingamentos, Ghiraldelli gosta de fazer postagens misóginas, com fotos de mulheres nuas ou seminuas, se referindo a elas como objetos ou descrevendo relações sexuais que manteve. Em uma delas chega a tripudiar de uma mulher que ele diz ser “meio gorda”. Em um artigo publicado em seu site, afirma que “a mulher feia é burra”.
Em novembro de 2013, alunos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) usaram latas e panelas para protestar contra a conduta de Ghiraldelli, durante a abertura da I Semana Acadêmica de Filosofia da instituição. Segundo os alunos, Paulo utilizava em sala de aula palavras e discurso ofensivo contra mulheres, negros e gays.
A socióloga Sabrina Fernandes, escritora e influenciadora digital de esquerda, também atacada de forma misógina por Ghiraldelli, chamando-a de “burra”, chegou a fazer vídeos denunciando-o e alertando o campo ideológico ao qual se associa de que nele o influenciador buscava respaldo. Assim se sucederam outros vídeos e postagens rechaçando a influência que Ghiraldelli tenta manter junto a uma parcela de internautas, sobretudo os de esquerda, dada suas críticas ao governo Bolsonaro.
Condenações judiciais
Como não poderia deixar de ocorrer, na Justiça ele sofre sucessivas derrotas com a obrigação de pagar indenizações, retirar conteúdos e se retratar, coisa que pouco se sabe se realmente o faz, e se o faz nada o impede de reincidir, a não ser quando a determinação é direta para as empresas proprietárias das redes sociais usadas pelo influenciador, mas sem nunca ser proibido de manter seus canais sob tais circunstâncias.
Em março do ano passado, a Justiça Federal da 3ª Região condenou Ghiraldelli pela prática de injúria, por ter chamado a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) de “falsa e vagabunda”. No âmbito da ação, Ghiraldelli se disse arrependido. Na prática, seguiu a tecer o rosário de impropérios misóginos e racistas.
O Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo reverteu, em 2021, uma decisão de primeira instância e deu vitória à defesa do jornalista Luis Nassif, editor-chefe do Jornal GGN, em uma ação movida contra Ghiraldelli. Ele foi condenado após ter veiculado vídeos com ataques ao jornalista. O TJ entendeu que críticas às personalidades da imprensa não englobam acusações sem provas.
Outra condenação, em 2020, desta vez tendo de indenizar a vítima em R$ 57 mil, Ghiraldelli chamou Henry Bugalho, também influenciador digital, de “bochecha bandido”, “o mais bandido de todos”, “esquerda burroide”, “bagulho bunda suja”, entre outras ofensas de diferentes teores. Também insinuou que o influenciador “recebia financiamento da Odebrecht”.
RENATO MACHADO ” JORNAL GGN” ( BRASIL)