HADDAD, O MINISTRO INCOMPREENDIDO E OS GASTOS DE SAÚDE

CHARGE DE AROEIRA

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No lugar de se considerar injustiçado, Haddad deveria utilizar o principal instrumento de um Ministro da Fazenda, o discurso didático

Assim como nos tempos do Ministério da Educação, o Ministro Fernando Haddad dá pouca atenção à comunicação pública. Irrita-se com o que considera julgamentos injusto, considera óbvio tudo o que ele sabe, sem se dar conta de que o que é óbvio para ele não é óbvio para o público – e para a mídia. Foi assim durante toda sua gestão no Ministério da Educação e na Prefeitura. Os que acreditavam nele – e não estavam na mídia convencional – tinham que sair caçando informações para defendê-lo.

Agora, repete o estilo, com um agravante: atribui as críticas que vem sofrendo a um genérico “esquerda”, ignorando que a crítica a políticas de austeridade há muito transcenderam a divisão entre  esquerda e direita. Parece ter aprendido a usar os bordões de mercado contra os críticos.

Ontem me telefonou indignado com as críticas, com as “imbecilidades” ditas a respeito do orçamento da saúde Depois, atropelou as explicações. Finalmente, recomendou que ouvisse o assessor Guilherme Mello, que teve paciência para uma explicação detalhada.

De fato, a partir de 2024 não haverá redução no piso da saúde, como todos – repito TODOS – os veículos entenderam até agora, com base na falta de explicações adequadas de Haddad.

Explicando:

  1. Até meados deste ano ainda vigorava o Teto de Gastos do governo Temer, corrigindo os gastos de saúde e da educação apenas pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado).
  2. No início do ano entrou um remendo, a PEC da Transição, funcionando como ponte para o novo sistema, o tal “arcabouço fiscal”.
  3. Com o arcabouço, voltam os pisos da saúde e da educação, conforme previsto originalmente na Constituição de 1988, devolvendo à saúde os R$40 bilhões que foram surrupiados pela Lei do Teto.

O problema está na transição, em 2023.

  • O orçamento, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2023 foi feita por Paulo Guedes.
  • A Lei do Teto foi substituída pela PEC da Transição. A discussão é: quando volta o piso da saúde, que destina 15% da receita líquida da União para a saúde, se em 2023 ou 2024.

A PEC da Transição

Segundo Mello, na transição, a ideia de Haddad era recompor o nível de gastos e orçamento pré-Lei do Teto. O grupo de transição – formado, entre outros, por Pérsio Arida, André Lara Rezende, o próprio Guilherme Mello – achava mais prudente pedir um “wave”, um perdão, pela impossibilidade de cumprir o orçamento. Era a posição de algumas linhas do PT, que não viam condições, naquele momento, de derrubar a Lei do Teto.

Haddad insistiu que precisava recompor o orçamento e, para isso, seria necessário uma PEC com nova regra fiscal. E conseguiu aprovar. Sendo aprovada a PEC, teto de gastos e pisos deixaram de valer. No entanto, o orçamento de 2023 foi construído com regras do teto de gasto.

O que a PEC da Transição fez foi ampliar os gastos. Deu aumento de R$150 milhões para gastos sociais, a maioria dos quais para a saúde. Permitiu a volta do Mais Médicos, o aumento das Bolsas do Capes. E elevou os gastos totais do governo para algo próximo a 19% do PIB, contra um nível menor que 18% do orçamento de Bolsonaro.

Segundo Mello, 18% do PIB é um dos níveis mais elevados. Quando Lula entrou em 2003, a proporção era de 15%. Depois aumentou de 2 a 2,5 pontos. A proporção só cresceu no segundo governo Dilma, mas por conta da queda do PIB.

Para evitar incertezas sobre política fiscal, a Fazenda decidiu aprovar a nova regra até agosto, porque senão valeria a Lei do Teto. Aprovada, em tese voltariam a valer os novos pisos para educação e saúde. O problema é que, como o orçamento de 2023 foi aprovado de acordo com a Lei do Teto, quando se retoma o piso constitucional, cria-se um imbróglio em como fazer a transição. Com os limites do orçamento, se aumentar a saúde e educação (que já foram turbinados pela PEC da Transição) teria que remanejar de outras contas.

O novo sistema

Aí a Fazenda se debateu com três interpretações sobre o que fazer:

  1. Uma delas seria aplicar o novo piso desde o começo do ano. Aí haveria necessidade de R$ 20 bilhões a mais de dotação do que a prevista no orçamento. Nos últimos 3 relatórios do Tesouro tiveram que bloquear despesa, porque não havia orçamento.
  2. Segunda interpretação: vale mas só a partir do momento da aplicação da nova regra fiscal. O impacto existe, mas é menor.
  3. Terceira interpretação: as regras de execução do teto estão valendo para 2023, orçamento feito com base na regra que existia na época. Só vai valer novo piso em 2024.

A discussão, portanto, é só para essa fase intermediária. Para 2024, vão ser recompostos todos os pisos, conforme previsto na Constituição, como porcentagem da receita líquida. Segundo Mello, será o segundo ano consecutivo de aumento da dotação orçamentária para saúde e educação.

A consulta ao TCU é para saber qual a interpretação que vale para os pisos. Aparentemente, considerará que o novo piso só ira valer para 2024.

A meta zero

Segundo Mello, foram apresentadas ao Congresso todas as medidas para alcançar a meta zero. Mas dependerá substancialmente do desempenho adequado das receitas, porque o nível de despesas está dado: repetirá os 19,1% de 2023.

Todas as medidas enviadas ao Congresso são progressivas – isto é, atingem proporcionalmente mais os mais ricos. Segundo ele, há boas possibilidades de serem aprovadas, com algumas negociações sobre alíquotas e prazos, já que o Congresso tem composição mais complexa que o Executivo.

Mas há ganhos relevantes já aprovados. A maior delas foi o voto de qualidade do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Além dos ganhos das causas em discussão, também terá o condão de desestimular novas ações porque, antes, havia convicção das empresas de poder ganhar no CARF.

Outra conta relevante é o fim da subvenção para custeio do ICMS, que consiste na redução ou isenção do ICMS pelos estados ou na concessão de créditos fiscais. De acordo com a Receita Federal, em 2022, o valor total dos benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados foi de R$ 238 bilhões.

Agora, avança-se na pauta de renda, tributando a renda dos super-ricos, em offshores e fundos exclusivos. 

A grande discussão se será suficiente para meta zero.

Em agosto e setembro, a arrecadação não veio boa, segundo Mello porque, do ponto de vista do cálculo da receita nominal, houve grande deflação no IGP-DI (Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna). Como a economia se primarizou, o IGP corrige os preços no atacado, impactados pelas commodities e é mais representativo para o cálculo da receita fiscal que o IPCA (que reflete mais serviços e comércio). Quando o IGP afunda (este ano deve dar deflação), o desempenho da receita piora.

Bolsonaro conseguiu 18,7% de receita federal líquida como proporção do PIB, mesmo desonerando combustível, por conta da alta de commodities

Sem  deflação do IGP, zerava o déficit deste ano. Para o próximo ano, a previsão é de um crescimento do índice facilitando a busca da meta.

A guerra de informações

Ficam aí registradas as informações da Fazenda. Seria relevante, daqui para frente, que em lugar de se considerar injustiçado com as “imbecilidades” do que ele chama de esquerda, Haddad se preocupasse em utilizar o principal instrumento de um Ministro da Fazenda, o discurso didático.

Amanhã publicarei os estudos críticos ao arcabouço.

Aqui, o que o Google revela sobre o tema:

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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