Num dia muito quente entrei em um restaurante próximo a Praça Marques de Pombal, em Lisboa para comprar água.
– Boa tarde! Por gentileza, o senhor tem água fresca (gelada em Portugal).
– Tem gelada – ele respondeu
– Mas é a mesma coisa – quis ser simpática
– Não, gelada é gelada. Fresca é fresca.
– Então manda a gelada mesmo – respondi sorrindo.
– Onde é a casa de banho? (banheiro em Portugal).
– Só tem banheiro – ele disse com o rosto sério para me provocar por eu ser brasileira.
Ao redor do balcão estavam homens curiosos, que seguravam o riso com a provocação do empregado do balcão (garçom em Portugal).
– Dá para fazer xixi? – falei com intuito de chocar.
O garçom sem graça, riu, e disse que sim.
– Então está ótimo, seu engraçadinho – eu respondi em direção a tal casa de banho ou banheiro.
Antes de eu sair do estabelecimento fiz mais uma pergunta
– O senhor tem bala?
– Só se for de revólver.
– Ah, é mesmo, aqui chama rebuçado. Aliás é bem feio este nome.
– Pois. Não tenho.
– Não tem bala ou rebuçado?
– Nenhum dos dois.
– E chiclete? Tem?
– Chiclete é marca. Aqui chamamos pastilha elástica.
– Então, não entendi o senhor.
– Por que?
– Porque eu estou no seu país e procurei pedir coisas como dizem aqui e o senhor insistiu em falar como os brasileiros e agora que falo como os brasileiros, o senhor insisti em falar como português. É do contra?
– É só para te picar (irritar, provocar em Portugal).
– No Brasil picar é levar uma mordidinha de mosquito ou picar alimentos, entre outras coisas. Bom, vou embora. O senhor sabe se por aqui passa o autocarro 727? –
– Não, só passa o ônibus 727.
– É melhor eu partir porque não me apetece (agrada em Portugal) continuar com esta conversa de maluco. Bye bye.
– Isso é inglês – reagiu o homem brincalhão.
– Que bom que sabe disso. Adeuzinho. Tchau. Tudo de bom. Combinei com uma amiga de comer uma punheta (Se vir essa palavra no restaurante, peça para o garçom, porque você vai gostar. Trata-se de uma especialidade à base de bacalhau, uma das melhores comidas típicas de Portugal.
– Sei bem o que é punheta no Brasil – o garçom insistiu em continuar o duelo de palavras.
– Sabes? Que ótimo. Então aproveita e faça uma – sai quase que correndo porque a conversa ia para um caminho perigoso.
Todos riram no restaurante.
Logo em seguida entrei no autocarro (ônibus em Portugal) e num ponto à frente, vários fiscais entraram para checar se havia algum passageiro sem pagar a passagem ou sem pagar o passe mensal. Comigo estava tudo em ordem. Eu estava sentada num banco bem perto do motorista, por isso, só ouvi um senhor um pouco bêbado falando muito atrás de mim.
– O senhor vai ver na máquina que está tudo certo.
– O seu passe está inválido senhor – disse o fiscal com barba e cara de bravo.
– Pois, não sabia.
– Mas está.
– Pois.
– Pois – respondeu o fiscal bem irritado – O senhor tem 2 euros?
O senhor enfiou as mãos nos bolsos da calça em desespero à procura de dinheiro. Eu, com dó comecei a procurar 2 euros em minha bolsa, mas não tinha nada, só tinha cartão e o autocarro não tem este sistema,
– Pare na próxima paragem – pediu esbracejando o fiscal.
Quando o autocarro parou, o fiscal convidou o senhor a descer sem cobrar multa. O que achei uma atitude generosa.
Do lado de fora o senhor gritou:
– Muito obrigado. O senhor pode vir amanhã no mesmo horário, no mesmo autocarro que o passe já terá sido carregado.
O fiscal apenas reagiu com onomatopeia:
– Grrr…Aff…Hãhãm…
Eu sorri, não resisti a cara de desapontamento do fiscal.
– Essa foi boa.
O fiscal me olhou quando eu disse isso e perguntou por que.
– Porque foi engraçado, mas fiquei com dó e procurei 2 euros para pagar a passagem dele.
– A senhora não deve fazer isso, nunca, porque eles acostumam e acham que sempre alguém vai pagar para eles.
– Mas ele ficou tão sem graça que eu fiquei com pena.
– Ainda bem que não pagou. Nunca faça isso.
– Mas foi engraçado quando ele disse que o senhor pode voltar amanhã no mesmo horário e lugar para verificar o passe dele – eu disse às gargalhadas.
O fiscal também sorriu com vontade.
– Como se isso fosse possível, eu encontrá-lo na mesma hora, com o mesmo motorista e o mesmo autocarro – disse rindo muito.
– Esta piada vou contar para os meus amigos do Brasil.
– Hahahahahahahahahahahahahahahahaha. Essa é uma ótima piada de português, pode contar – mais leve e com sorriso no rosto, o fiscal desceu na próxima paragem e acenou para mim com o insistente sorriso nos lábios.
Levei este sorriso comigo e o aceno simpático. Até as pessoas que estão sob pressão, num trabalho de extrema responsabilidade podem dar uma pausa na seriedade e gargalhar sem perder o profissionalismo. Que bom que ele se permitiu relaxar e mostrar que aquela cara de autoritário era uma máscara que escondia o seu bom humor.
LUCIANE BALBINO ” FACEBOOK DA AUTORA” ( PORTUGAL)