O JORNALISMO DE MENTIRAS:EURÍPEDES INAUGURA OFICIALMENTE NO ESTADÃO O ESTILO VEJA

No início da sua gestão, houve um passaralho que tirou do jornal parte dos repórteres mais comprometidos com a notícia.

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Diretor de jornalismo do Estadão, Eurípides Alcântara é dono do feito de ter tido papel central na destruição de um dos mais relevantes veículos brasileiros, a revista Veja.

Ele comandou a entrada da revista no esgoto, com denúncias absurdas, sem nenhum critério jornalístico, e ataques inclementes contra os críticos. Vocês podem conferir em meu livro “O caso Veja”, ou na série que publiquei na Internet, “O caso de Veja”.

A revista ingressou em uma espiral de ódio e antijornalismo poucas vezes vista na mídia brasileira. O objetivo era destruir o inimigo, valer-se da chantagem para negócios na área de livros didáticos e cursos apostilados, e participar politicamente do jogo – não o de fazer jornalismo. Criava notícias falsas, soltava capas estrambólicas e não se preocupava com assassinatos de reputação dos críticos.

Aparentemente, esse estímulo chegou ao Estadão. No início da sua gestão, houve um passaralho que tirou do jornal parte dos repórteres mais comprometidos com a notícia.

Agora, a quantidade de asneiras e erros editoriais superou qualquer período das história do veículo.

Vamos entender o padrão Veja a partir da notícia de que Lula pediu à Ministra Simone Tebet para interferir no CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe) para liberar US$ 1 bilhão para a Argentina, visando inviabilizar a candidatura de ultradireita de Milei.

Peça 1 – como juntar fatos reais, e irrelevantes, para compor uma narrativa conspiratória

A matéria diz que o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe) – que existe – liberou US$ 1 bilhão para a Argentina – o que ocorreu -, visando resolver pendências cambiais, permitindo liberar um crédito do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O CAF existe justamente para isso. Na grande crise cambial de 2002, sua atuação foi essencial para que o Brasil superasse o momento.

A Argentina pleiteava um empréstimo-ponte de US$ 1 bilhão. Como o nome já diz, o empréstimo visava apenas permitir ao país criar condições para um empréstimo maior – do FMI. 

O caso foi levado ao pleno do CAF. Como sempre ocorre nessas ocasiões, a representante do Brasil – Ministra Simone Tebet – pediu informações ao Itamarati sobre a posição dos demais países-membros.

A composição acionária do CAF é a seguinte:

  • 17 países da América Latina e do Caribe:
    • Argentina (10,5%)
    • Brasil (8,6%)
    • Chile (6,4%)
    • Colômbia (17,7%)
    • Costa Rica (2,7%)
    • Equador (3,9%)
    • Guatemala (1,6%)
    • México (3,8%)
    • Panamá (1,7%)
    • Paraguai (1,3%)
    • Peru (18,2%)
    • República Dominicana (2,2%)
    • Suriname (0,5%)
    • Uruguai (3,1%)
    • Venezuela (11,5%)
  • Espanha (10,7%)
  • Portugal (2,2%)

Cada país tem direito a votos proporcional à sua participação. Logo o poder de voto do Brasil é de apenas 8,6% dos votos da instituição, muito inferior ao da Colômbia, Peru, Venezuela e Espanha.

A Argentina recebeu o empréstimo, acertou com o FMI, recebeu o crédito maior do banco e quitou a dívida com o CAF. Tudo isso antes das primárias que definiram os candidatos a presidente.

A versão da Veja-Estado: Lula ligou para Simone Tebet, por intermédio do diplomata Celso Amorim, e ordenou-lhe que obrigasse o CAF a emprestar para a Argentina para barrar o avanço da candidatura de Milei.

O fakenews foi divulgado no próprio perfil do Twitter de Andreza Matais, diretora de redação também e, obviamente, imediatamente serviu para que a ultradireita espalhasse por todas as redes sociais do Brasil e da Argentinas. Foi um belo apoio a um candidato ultradireitista – bem de acordo com as concepções políticas de Eurípides e seu guru, José Roberto Guzzo.

Peça 2 – retaliação aos críticos

A resposta do governo veio de forma educada. Simone Tebet deu entrevista retificando os erros (ainda não eram tratados como mentira). E a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) soltou uma nota educada, repondo os fatos, e assinada pelo jornalista George Marques.

A retaliação veio em seguida,

Primeiro, uma reportagem levantando outros desmentidos de Tebet. Depois, uma resposta da própria Matais a Marques, divulgando seu salário na Secom.

Obviamente, o Twitter transformou Andreza – e o Estadão – em agressora, provocando enorme reação não apenas de petistas mas de comentaristas habituais escandalizados com a demonstração de truculência.

O jornal persistiu na fakenews, não admitindo o erro e trazendo informações públicas, óbvias, e relacionando novamente à disputa política na Argentina.

Depois, uma matéria tentando desqualificar as explicações de Tebet

“Mas uma rápida pesquisa no Portal da Transparência do Governo Federal (https://portaldatransparencia.gov.br/busca/pessoa-juridica/RB1705115-corporacao-andina-de-fomento—caf–mp-) mostra que o CAF já recebeu R$ 2,81 bilhões do Brasil.

Foram vinte aportes – o menor de R$ 1,4 milhão, o maior de R$ 465 milhões – de março de 2014 a dezembro de 2022. No linguajar dos orçamenteiros, o dinheiro é classificado como “inversão financeira”, equivalente a “investimentos” federais.

Para o argumento de Tebet, pouco importa a natureza da despesa. É dinheiro de impostos dos cidadãos que poderia ter sido usado para outra coisa. O custo de oportunidade, usando economês, nesse caso, parece ter sido ok. O CAF recebeu de volta o dinheiro. Caso não o tivesse, um risco não desprezível considerando que o devedor é a Argentina, o Brasil teria arcado com R$ 200 milhões de prejuízo”.

Ou seja, se minha avó fosse roda, eu seria bicicleta.

Trabalhei no Jornal da Tarde no período em que os dois jornais eram dirigidos pela segunda geração dos Mesquita. Com exceção de Julinho Mesquita (da terceira geração) a família tinha suas idiossincrasias, mas jamais permitiria o antijornalismo nas suas páginas, porque sabia que a credibilidade do jornal depende do tratamento que dá aos fatos.

Peça 3 – a vitimização do agressor

Para rebater o enorme dano provocado pela fakenews, o jornal recorreu a outro expediente bastante utilizado pelo jornalismo de esgoto no seu auge: divulgar supostas agressões recebidas de adversários políticos.

No pior período da campanha do impeachment, onde qualquer fato, por menor que fosse, permitia explorações políticas, Miriam Leitão protagonizou dois que se tornaram clássicos.

O primeiro, foi acusar as “milícias do PT” de conspurcarem sua biografia na Wikipedia. Um jovem funcionário, em um computador do Palácio, de fato, incluiu um item – com links para as matérias – mostrando erros de previsão de Miriam em algum momento. Seu alarido bastou para que Dilma Rousseff caísse na conversa e demitisse o jovem.

O segundo foi acusar uma comitiva da CUT de tê-la agredido em um voo para Brasília. A comitiva, de fato, ecoou slogans contra a Globo, mas em nenhum momento se deu conta ou incomodou Miriam no avião. O relato de Miriam foi desmentido por dezenas de vídeos do voo, nenhum apontando para militantes batendo em sua cadeira para intimidá-la. Aliás, seria impensável que um militante agisse dessa maneira sem provocar reação de outros passageiros, ou do próprio comandante do avião. O relato indignado de Miriam foi feito uma semana depois do suposto episódio.

O que o Estadão fez, no dia seguinte, foi divulgar a história de que milícias petistas tinham hackeado o perfil de Matais e pediam dinheiro para não divulgar seu Imposto de Renda.

Bastou para que criasse uma solidariedade surda de colegas surdos que passaram a tratar o caso como verdadeiro – sem exigir comprovação – atribuindo-o à misoginia contra jornalista e mulher. E os ataques a Tebet, seriam o quê? E o ataque injustificado contra um jornalista que trabalhava na área pública?

Repete-se, novamente, a disseminação de fakenews, a não correção de informações falsas, e a criação de narrativas tão fantasiosas quanto aquelas praticadas pelo bolsonarismo. Ou melhor, pela própria Veja, no auge do jornalismo de esgoto. Pergunto: é assim que se pretende diferenciar o jornalismo profissional dos aventureiros de redes sociais?

Nesse exato momento, dois veículos nacionais – Jornal Nacional e O Globo – trabalham arduamente para se livrar da herança maldita dos anos 2010. Buscam ampliar o escopo de leitura e reduzir as resistências, através de colunistas de pensamento um pouco diversos entre si, e objetividade nos fatos. Ao contrário dos dois jornais paulistas, Folha – que parece definitivamente ter deixado o jornalismo para a UOL – e o Estadão.

O dia terminou com o Estadão reiterando as notícias falsas, Matais deletando seu perfil no Twitter e a sensação horrorosa da volta do monstro da Lagoa Negra, a incorporação da Veja em um jornal que já foi respeitável.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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