‘Muitos jovens que votam em Milei sugerem não se interessar por aquele período tenebroso, o da ditadura’, escreve a colunista Marcia Carmo
Há poucos dias, em um churrasco em Buenos Aires, um grupo de argentinos com idades entre 18 e 22 anos explicava os motivos do voto no candidato da extrema-direita Javier Milei, da Liberdade Avança. “Ele é contra a política”, disse um. “Ele vai tirar os corruptos do poder”, disse outra. Filhos de famílias de classe média, os jovens contavam que seguem o candidato há mais de dois anos em suas redes sociais, especialmente no Tik Tok.
Muitos eleitores de Milei, de 52 anos, nasceram depois da histórica crise de 2001, quando os panelaços, os saques e correrias dominaram o país que viveu, naquele período de profunda instabilidade política, econômica e social, a queda de cinco presidentes em onze dias. Nas últimas semanas, nas carreatas de Milei pelo interior da Argentina, como a que realizou, nesta semana, em Bahia Blanca, os rostos desta geração ‘pós-crise 2001’ eram os mais visíveis. E alguns deles foram os que ali puxaram o coro: “No primeiro turno, no primeiro turno”, sinalizando o desejo de que o presidenciável seja eleito daqui a um mês, no dia 22 de outubro. O estilo ‘rock-star’ do economista, que foi goleiro da segunda divisão de futebol no país, e costuma usar vocabulário chulo em seus discursos, leva seu eleitorado a associá-lo com uma espécie de ‘símbolo de uma revolução’ que em pouco tempo acabaria com a inflação de 124%, registrada nos últimos 12 meses, com a pobreza de cerca de 40%, e a insegurança pública, principalmente nas periferias das grandes cidades do país.
Pesquisas de intenção de votos apontam que a eleição seria definida no segundo turno, em novembro. Os levantamentos, divulgados nos últimos dias, também indicam que Milei seria o favorito e, em caso de segundo turno, a disputa seria entre ele e o ministro da Economia e presidenciável Sergio Massa, de União pela Pátria (peronismo/kirchnerismo). Em terceiro, se os números forem confirmados nas urnas, ficaria a representante do ex-presidente Macri, Patricia Bullrich, de 67 anos, que foi ministra da Segurança Pública. Levantamentos recentes sobre o perfil do eleitor mostra que Milei é favorito entre os que têm menos de 30 anos, como indicou, por exemplo, a consultoria política Aresco.
A Argentina está completando, neste ano, 40 anos do retorno da democracia. Foi quando o então presidente Raúl Alfonsín foi eleito após a sangrenta ditadura militar (1976-1983) e a derrota da Argentina na Guerra das Malvinas – a guerra em si tinha sido uma iniciativa dos tiranos para tentar conquistar popularidade, mas o fracasso contribuiu para antecipar a retomada da democracia. Nesta semana, no primeiro debate da campanha, que contou com a participação dos candidatos à vice-presidência, a vice de Milei, a deputada Victoria Villarruel, de 48 anos, foi chamada de ‘defensora de genocidas’, ‘mentirosa’ e ‘nhoque’ (sinônimo de quem só aparece no trabalho no dia 29 de cada mês para pegar o salário). As acusações partiram do vice na chapa de Massa, o chefe de Gabinete da Presidência, Agustín Rossi, do vice de Bullrich, Luis Petri, e de Nicolas del Caño, da Frente de Esquerda, liderada pela presidenciável Myriam Bregman. “Você esteve com o ditador (Jorge Rafael) Videla na cadeia. Conversou com ele, até poucos dias antes de ele morrer. O que você conversou com ele? O que ele te contou? As Mães e Avós da Praça de Maio ainda buscam seus filhos e netos sequestrados, desaparecidos, na ditadura”, disse Del Caño, de 43 anos. “Vocês vão liberar o porte de armas de fogo e podem ocorrer tiroteios nas escolas, como acontece nos Estados Unidos”, disse Rossi, de 64 anos.
Filha de militar e líder de uma campanha que chama “em defesa das vítimas do terrorismo” e “dos que morreram pelas bombas dos terroristas”, antes e durante a ditadura, ela respondeu que esteve com o ditador para entrevistá-lo para um livro. E ainda afirmou que todos os seus concorrentes, presentes no debate, eram políticos de carteirinha, que nada fizeram pelo país e que não valia a pena votar por eles.
Muitos jovens que votam em Milei sugerem não se interessar por aquele período tenebroso, o da ditadura. “O golpe ocorreu há quase 50 anos. As pessoas estão preocupadas com a vida de hoje. Com a inflação, com a pobreza, com as contas”, disse um comentarista na televisão, dias antes do debate. Milei e Villarruel colocam o foco neste eleitorado que afirma ter outras prioridades. Na contagem regressiva para a eleição, eles começam a amenizar algumas das propostas – “a dolarização não será de um dia para o outro”, disse ele; “no caso das armas, respeitaremos a lei”, disse ela.
Tudo está interligado nesta eleição argentina (e em outras também). Os 40 anos de democracia e os rumos políticos, econômicos e sociais do país. “Pior do que está não pode ficar”, disse uma jovem de 20 anos naquele churrasco. Ela não viveu a ditadura e tampouco a revolta popular de 2001 – foi quando nasceu e cresceu o kirchnerismo e que agora vive a sua maior prova de fogo e que será resolvida nas urnas.
MARCIA CARMOS ” BLOG BRASIL 247″ ( ARGENTINA / BRASIL)