A DERROTA DO MARCO TEMPORAL É UM PASSO POSITIVO NUMA LONGA HISTÓRIA

CHARGE DE AROEIRA

A decisão do STF representa uma rara iniciativa que poderá alterar essa situação para as novas gerações de uma nação que precisa acertar contas com seu destino

Ao formar uma maioria de 9 votos a 2 contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal deu um passo indispensável para se elevar o grau de civilização da sociedade brasileira.

Após cinco séculos e 23 anos de violência ininterrupta e vergonhosa impunidade, o STF reconheceu o direito dos povos originários sobre as terras habitadas ao longo de séculos, antes e depois do desembarque das forças colonizadoras de Cabral — e as infinitas expedições que se seguiram, após a independência e as várias etapas de nosso regime republicano.

Foi assim que se criou uma nação despedaçada no interior de um país submetido a selvageria institucionalizada pela violência do muito mais forte — num genocídio invisível de sociedades inteiras, com a destruição de culturas únicas, que guardavam uma memória insubstituível sobre a vida humana nesta fatia do planeta, com uma natureza particular e outras características peculiares.

Bastar recordar o massacre repugnante de milhões de vidas humanas, iniciado estimado no primeiro século de colonização, para reconhecer os traços típicos de uma nação não apenas desigual do ponto de vista da divisão da riqueza, mas dividida por um espírito colonizador que distingue povos e culturas, dominantes e dominados, com linhas muito bem definidas para o acesso ao progresso e a riqueza material.

Para se ter uma idéia da dimensão do crime cometido, basta recordar um fato significativo. Um relatório de 7000 páginas terminado em 1967 pelo promotor público Jader de Figueiredo Correa, considerado o mais completo levantamento histórico sobre as populações indígenas do país, permaneceu fora de circulação por quarenta anos — guardando para sempre relatos sobre escravização de tribos inteiras, maus tratos e tortura, sem falar no roubo de terras.

Deixando de lado a ínfima minoria — branca européia — que se beneficiou à farta num processo escandaloso e socialmente doentio, num exercício típico de sociedades coloniais, todos perderam, mesmo aqueles que até agora não se deram conta da grandeza de uma tragédia que se encontra no âmago de nossa cultura e nosso cotidiano social — e que muitos desviam os olhos para não enxergar.

A decisão do STF representa uma rara iniciativa que, espera-se, poderá alterar essa situação para as novas gerações de uma nação que precisa acertar contas com seu destino. O futuro dirá até onde será possível avançar.

Ao recusar unanimidade de votos em sua decisão, a mais alta corte do país deixa uma advertência. Ficou um caminho aberto para novos recursos e questionamentos, que envolve os interesses de uma riqueza imensa mas invisível, que desde sempre mantém uma ampla influencia sobre os rumos do país.

Mesmo derrotada no STF, essa força reacionária em atividade em vários setores do país mantém músculos econômicos e políticos para tentar paralisar avanços essenciais à formação da nação brasileira, plural pela natureza e pela história.

Alguma dúvida?

PAULO MOREIRA LEITE ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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