MILEI RECEBE O APOIO DA ULTRADIREITA DOS EUA E ATACA LULA, PAPA FRANCISCO E CHINA

CHARGE DE GAZO

‘A eleição argentina não representa apenas o destino do próprio país, mas da região, do continente’, escreve a colunista Marcia Carmo

A pouco mais de um mês do primeiro turno da eleição presidencial argentina, o candidato de ultradireita e fã do ex-presidente Bolsonaro, Javier Milei, da Liberdade Avança, recebeu apoio explícito da extrema-direita dos Estados Unidos. Numa entrevista de meia hora ao ex-apresentador do canal Fox News, Tucker Carlson, o ‘libertário’, como Milei se define, se encaixou perfeitamente no discurso de um setor do poder e da sociedade americana contra ‘o socialismo, o comunismo, a China e a Rússia de Putin’. Nesta narrativa, ele incluiu o presidente Lula.

Na entrevista no X (ex-Twitter), Tucker pergunta: “O senhor disse que se for eleito não fará negócios com a China”. A frase do sempre polêmico ‘jornalista’ americano foi o detonador para Milei ratificar o que tem dito desde que sua candidatura ganhou combustível depois das prévias realizadas no dia 13 de agosto. “Na verdade, não só não farei negócios com a China. Não vou fazer negócio com nenhum comunista. Sou um defensor da paz e da democracia e os comunistas não fazem parte disso. Os chineses, Putin e Lula não entram aí (no seu manual).” Milei aproveitou a entrevista, realizada em Buenos Aires, para falar sobre suas ambições regionais.

“Nós queremos ser o farol moral do continente. Queremos ser defensores da democracia, da liberdade, da diversidade, da paz. E nós, a partir do Estado, não vamos promover nenhum tipo de ação com comunistas e socialistas.”

Esse é um dos mantras de Milei na sua campanha à Casa Rosada. Há cerca de três semanas, num evento organizado pelos americanos, o Conselho das Américas, no hotel Alvear, de Buenos Aires, o ex-jogador de futebol, ex-cantor de banda de rock e economista disse que quer distância da China. A plateia de diplomatas, empresários, analistas e jornalistas o ouvia em silêncio – estupefata. Foi quando então, no salão do Alvear, e agora no X, com Tucker, Milei disse: “Isso não quer dizer que os argentinos não possam comercializar… Se querem comercializar com a China, com a Rússia, com o Brasil, o problema é dos argentinos.” O Brasil e a China são os principais sócios comerciais da Argentina e, nos últimos anos, os chineses realizaram investimentos crescentes, em diferentes setores no país.

Desde que foi demitido pela Fox em abril passado, Tucker passou a fazer suas entrevistas na rede social comprada por Elon Musk. Musk definiu a entrevista de Milei ao ex-Fox como “interessante”. Não foi a primeira vez que ele fez comentários sobre o ‘libertário’. Recentemente, Musk disse que se Milei fosse eleito significaria “uma grande mudança” para a Argentina. O presidenciável respondeu que se eleito esperava, então, a sua visita. Foi mais ou menos quando Musk apagou seu tuite do X.

A vinda de Tucker para entrevistar Milei tinha sido informada por setores da imprensa americana. Ele entrevistou Trump várias vezes e desde que passou da TV para o X também entrevistou Nayib Bukele, de El Salvador, e Viktor Orbán, da Hungria – símbolos da ultradireita. A entrevista com Milei superou a audiência da entrevista com Trump, passando de 300 milhões de visualizações, de acordo com o dado na rede de Tucker, que tem dez milhões de seguidores no X. Os programas de Tucker costumam ser aclamados pelos conservadores e, por extensão, os integrantes do Partido Republicano, dos Estados Unidos.

Na Fox, Tucker abordava, em tom de preconceito e deboche, questões como imigração, raça, gênero e sexualidade, por exemplo. Na entrevista a Milei, ele deu uma de suas gargalhadas ao perguntar sobre o Ministério da Mulher, que hoje existe na Argentina e é liderado por uma cientista política homossexual. Milei disse que o Ministério reduz o papel da mulher e que, então, deveria existir o ministério do homem. Os dois ainda concordaram que a mudança do clima não existe – algo que Milei já tinha afirmado tempos atrás ao questionar a existência do aquecimento global. Agora, esse também passou a ser outro mantra da sua campanha.

A repercussão da entrevista de Milei foi comemorada por outro fã de Bolsonaro, o consultor argentino Fernando Cerimedo, que tinha afirmado que a eleição de Lula tinha sido resultado de fraude. “Vocês não imaginam a quantidade de conversas nas redes sociais no mundo, principalmente nos Estados Unidos, sobre Milei. Ele não só será presidente. Vai ser um líder mundial. A esquerda não esperava por isso”, escreveu nesta sexta-feira. As palavras de Milei geraram repúdio até entre empresários que simpatizam com sua eleição. Foi o caso do ex-chefe do presidenciável, o empresário Eduardo Eurnekian, do grupo Corporação América, com negócios que vão de aeroportos em vários países, tecnologia, vinhos e petróleo. Num almoço, no mês passado, onde Milei discursou, Eurnekian tinha dito publicamente: “Conte com a gente”. Agora, após a entrevista de Milei ao ex-Fox, Eurnekian disse, nesta sexta-feira, que o economista “não está a altura de julgar ninguém e opinar sobre ele (o papa Francisco)”.

“O papa é um argentino e é um orgulho para todos nós”, disse. Milei disse a Tucker que o pontífice está “do lado” do que chamou de “ditaduras sangrentas”.

“O papa é condescendente com os assassinos. E não os condena. Ele é condescendente com todos os de esquerda, mesmo quando eles são verdadeiros criminosos. Isso é um problema. E ele acha que a justiça social é um elemento central da sua visão. E a justiça social é roubar um fruto do trabalho de uma pessoa e dar a outra”, disse o libertário.

Para Milei, o papa Francisco tem “afinidade com os ditadores sangrentos”. Nos trinta minutos de entrevista, Milei foi ficando cada vez mais à vontade para, então, não só repetir os mantras de sua campanha, mas para desenvolver ainda mais seu raciocínio. “O socialismo é assassino, violento e gerador de pobreza”, disse. Nas últimas pesquisas de opinião, Milei aparece como favorito e conquistando as intenções de voto que antes seriam no peronismo (ministro da Economia, Sergio Massa) e no macrismo (Patricia Bullrich). As pesquisas não acertaram, porém, que Milei seria o favorito nas primárias que foram realizadas em agosto. Entre analistas argentinos, de diferentes tendências, a interpretação é que Milei “pegou o discurso de Bullrich e colocou uma dose cavalar de radicalismo” e tem atraído, principalmente, o voto dos jovens. O cenário econômico não tem ajudado a campanha de Massa, que mantém diálogo tanto com empresários como com sindicatos.

Na Argentina, os movimentos sociais e os sindicatos fazem parte da realidade cotidiana do país. Quando Tucker lhe pergunta a Milei como governará (ainda falta a eleição) se ocorrerem reações às suas medidas, Milei respondeu que apelará “à força da lei”. Numa conversa com uma alta fonte do governo brasileiro, que já morou em Buenos Aires, ela observou que “obviamente, não vamos nos meter na escolha dos argentinos, mas aqui pensamos na reação social, caso Milei leve adiante o que diz”. Milei já disse que acabará, por exemplo, com os planos sociais – eles são uma rede de contenção aos altos índices de pobreza e de inflação na Argentina. A preocupação em relação aos planos e possíveis atos de Milei levou o ex-presidente Mujica a defini-lo como “nem de direita e nem de esquerda, mas um louco”. Na contagem regressiva para o primeiro turno, no dia 22 de outubro, a eleição argentina, está provado, não representa apenas o destino do próprio país, mas da região, do continente.

MARCIA CARMO ” BLOG BRASIL 247″ ( ARGENTINA / BRASIL)

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