Se alguém tinha dúvidas da alta interpelação da produção da Indústria de Transformação com a cadeia da indústria automobilística, os dados de julho, divulgado hoje pelo IBGE, com queda de 0,6% frente a junho (quando fica estável, após avanço de 0,3% em maio) confirmam que o fim dos estímulos do programa do governo para a compra de carros mais populares e caminhões brecou a recuperação da indústria como um todo na largada do 3º trimestre. De janeiro a julho a queda do PIB da Indústria é de 0,4%, com taxa zero em 12 meses.
Em julho, três das quatro grandes categorias econômicas e 15 dos 25 ramos pesquisados na indústria tiveram queda de produção. As maiores influências negativas vieram de veículos automotores, reboques e carrocerias (-6,5%), seguido das indústrias extrativas de petróleo, gás e minério de ferro (-1,4%). Queda expressiva ocorreu em equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-12,1%) e máquinas e equipamentos (-5,0%). Também caíram confecção de artigos do vestuário e acessórios (-8,0%), manufatura de produtos de metal (-4,8%) e produtos de borracha e material plástico (-3,8%).
Na ponta da expansão, estiveram nove dos 25 ramos de atividades, liderados por produtos farmoquímicos e farmacêuticos (+8,2%), produtos alimentícios (+0,9%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+0,7%).
É estranho que a supersafra de alimentos (que derrubou a inflação e ajudou o crescimento) ainda não tenha produzido incremento proporcional na sua transformação em produtos alimentícios voltados ao mercado doméstico. Sinal de que o agronegócio tem menos ramificações do que sugere o Cepea/Esalq, que aponta participação de 25% do agronegócio no PIB. Pelo IBGE, a agropecuária tem 7,8% do PIB. Se pouco mudou na indústria, não é crível que mais da metade do PIB do agronegócio esteja concentrado em serviços.
Dependência dos juros
Por outro lado, entre as nove atividades com alta na produção, produtos farmoquímicos e farmacêuticos (8,2%), produtos alimentícios (0,9%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (0,7%) exerceram os principais impactos em julho de 2023.
Com exceção da indústria extrativa, cujo principal consumidor é o mercado externo, as vendas para o mercado doméstico foram afetadas pelas altas taxas de juros. Ou melhor, na expectativa de queda futura das taxas de juros (o que só veio a ocorrer em 2 de agosto), os consumidores estão adiando as compras, esperando juros mais palatáveis.
Esse movimento está levando o comércio a ter sérios problemas de caixa. Além de Recuperação Judicial da Americanas e das Lojas Marisa, a Via (que reúne as Casas Bahia e o antigo Ponto Frio) está tentando renegociar as dívidas com os credores. Por isso, o mercado aguarda com expectativa a reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, dia 20 de setembro.
Há quem defenda que, para estimular as vendas do Dia das Crianças e da Black Friday, o Banco Central deveria acelerar o ritmo de queda da Selic para 0,75 ponto percentual na reunião deste mês (em vez dos 0,50 p.p. anunciados). A Selic cairia de 13,25% para 12,50%, provocando movimento mais intenso de baixa nos juros bancários. O Copom, entretanto, não gosta de criar instabilidade em relação ao que prevê nas atas de cada reunião.
Os defensores da ideia lembram que, tirando a próxima reunião, e mantido o ritmo programado pelo Copom, a Selic só desceria para 12,75% em setembro e para 12,15% em 1º de novembro. Na última reunião do ano, em 13 de dezembro, o efeito da nova baixa dos juros não alcançaria as vendas do Natal.
Velocidade limitada
Ao analisar o emplacamento de 207,7 mil veículos leves e pesados em agosto, segundo dados divulgados ontem pela Fenabrave, o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco admite que, “encerrado o programa de descontos, as vendas de veículos novos voltam à trajetória de recuperação gradual”. Os números da Fenabrave representam queda de 19,8% ante julho, sendo a maior que (-20,4%) em veículos leves e (-4,5%) em veículos pesados.
Para o Bradesco, a forte queda em veículos leves refletiu a base de comparação ampliada pelo programa federal de descontos para aquisição de automóveis novos. Em agosto, as vendas voltaram a um patamar ligeiramente superior ao observado ao longo do 1º semestre do ano, reforçando a leitura de recuperação gradual do setor.
O Bradesco considera que, “embora os juros sigam em patamar restritivo” nos próximos meses, a continuidade do ciclo de cortes e a resiliência do mercado de trabalho devem contribuir positivamente para a dinâmica do setor, que tende a operar com vendas ligeiramente acima de 200 mil unidades por mês, descontados os efeitos sazonais.
GILBERRO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)