Após a surpresa do PIB de +0,9% no 2º trimestre, com avanço 3,4% na comparação com o mesmo trimestre de 2022, 10º resultado positivo consecutivo neste tipo de comparação, em sequência ao forte crescimento (revisto) de 1,9% para 1,8% no 1º trimestre, o mercado financeiro iniciou na Pesquisa Focus, captada pelo Banco Central até a última 6ª feira, 1º de setembro (mesmo dia em que o IBGE divulgou o PIB), e divulgada hoje, 2ª feira, uma série de reavaliações da economia brasileira para 2023 e 2024.
Com os números consideravelmente acima da expectativa mediana do mercado e da LCA Consultores (+2,7% na base anual e +0,3%, na variação trimestral, a LCA justifica o desvio pelo fato de que as maiores taxas e desvios positivos do 2º trimestre (…) partiram de segmentos mais relacionados à oferta de bens e serviços com baixa correlação direta com as condições financeiras. Lembro que a agropecuária conta com crédito subsidiado e a indústria extrativa está ligada às exportações e à demanda externa, com cotações ditadas pelo mercado internacional, em especial o andamento da economia chinesa.
Embora eu tenha restrições a esse levantamento da Esalq, pois no PIB do IBGE a fatia da agropecuária é menor que 9%, a consultoria chama a atenção para a “notável importância da expansão da Agropecuária e seus transbordamentos para o restante da economia, em um contexto no qual o agronegócio responde atualmente por quase 25% do PIB brasileiro (segundo estimativas do CEPEA/Esalq)”.
O saudoso Joelmir Betting tinha uma expressão peculiar para definir as dificuldades dos formuladores da política econômica para dominar a inflação brasileira com os controles monetários: “era igual a cercar frango em campo largo”, dizia. O Banco Central chega a ser pretensioso em querer controlar a inflação pelas taxas de juros (Selic). Os últimos três anos mostraram que há forte influência dos preços dos alimentos e de pressões externas fora do controle do BC. Os alimentos dispararam em 2020, no 1º ano da pandemia, porque a ministra da Agropecuária e do Abastecimento só cuidou do binômio inicial (missão dos produtores) e deixou de lado os estoques reguladores.
Com a demanda gerada pelo fique em casa e pelo Auxílio Emergencial, aumentou o consumo de alimentos numa fase sem grandes safras. Faltou arroz e soja em grão para fazer óleo. O Brasil “celeiro do mundo” teve de importar ambos, além de leite em pó, em setembro de 2020. O quadro seguiu ruim em todo o governo Bolsonaro. Em fevereiro de 2022, quando os preços já retomavam a tendência de alta, após as deflações de 2020 e 20221, veio a invasão da Ucrânia pela Rússia, cujas consequências foram nova explosão de preços dos alimentos e combustíveis. Tudo fora do controle do BC.
Ao perceber isso, Paulo Guedes, empenhado na reeleição de Bolsonaro, tratou de turbinar a economia. Reforçou de modo extraordinário os programas sociais de distribuição de recursos aos eleitores, e cortou os impostos dos produtos críticos sob controle do governo (combustíveis, em especial a gasolina, a energia elétrica residencial e as comunicações). A inflação em 12 meses despencou de 11,7% em abril de 2022, para 5,79% em dezembro. Mas não impediu a eleição de Lula, nem o novo estouro da meta de inflação pelo BC.
O desenho de 2023 mostra que a superoferta de alimentos (plantados em 2022) derrubou a inflação além do que previa o Banco Central, que manteve os juros excessivamente elevados, acreditando na recomposição integral dos impostos federais e estaduais reduzidos ano passado. Se tivesse trocado ideias com o governo, incluindo a nova política de preços da Petrobras – e não exibisse a orgulhosa e (custosa para todo o país) independência do Executivo -, o Banco Central poderia ter baixado a guarda antes e evitado o aumento do endividamento das famílias e dos pequenos e médios empresários. Foi o efeito da Selic mantida em 13,75% até 2 de agosto, quando caiu para 13,25%.
As revisões se sucedem
No próximo dia 20, o Comitê de Política Monetária deve reduzir para 12,75% a Selic. O mercado, segundo a pesquisa Focus, espera que feche o ano em 11,75%. Mas as 151 instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa que responderam à pesquisa Focus do BC já estão fazendo as primeiras revisões de suas projeções.
Além do PIB de 2023, elevado de 2,31% para 2,56% (2,66% nas respostas dos últimos cinco dias úteis) – a LCA que havia revisto antes dos dados do IBGE a taxa de 2023, de 2,2% para 2,4%, apontou carrego estatístico de 3,1% para o 2º semestre (mesmo que o 3º e o 4º trimestre não tenham crescimento, o PIB de 2023 estaria em torno de 3,1%) está revisando suas projeções para cima. Idem Bradesco e Itaú e todo o mercado financeiro. A inflação do IPCA subiu de 4,90% para 4,92%, nível mantido nas respostas dos últimos cinco dias. Acima do teto da meta, de 4,75% (3,25% de IPCA+ tolerância de 1,50%).
A questão se estende para 2024. O PIB maior ajuda a reforçar ao crescimento das receitas, uma das premissas do arcabouço fiscal. Mas, ao mesmo tempo, em que a Focus aponta um PIB de 1,33/32% em 2024 (1,44% nas apostas dos últimos cinco dias, incorporando o novo PIB), a mediana do mercado já cogita de redução mais contida da Selic em 2024, diante do melhor desempenho da economia. Depois de atravessar um mês com previsão de 9% em dezembro de 2024, a Selic foi elevada para 9,25% nas respostas dos últimos cinco dias úteis. Isto porque o IPCA foi mantido em 3,88% (o teto da meta é de 4,50%).
Para 2025, espera-se IPCA de 3,50%, dentro do teto da meta, e Selic em 8,50%. O PIB é estimado em 1,90%.
Contas externas em revisão
Um dado que chama a atenção é a dispersão nas apostas sobre as contas externas em 2023 e 2024. O Banco Central já errou muito as previsões para o saldo da balança comercial deste ano. Na pesquisa Focus, após o superávit de US$ 9,8 bilhões em agosto, em linha com o consenso do mercado (US$ 10 bilhões), houve alguns ajustes no saldo comercial, de US$ US$ 70,90 bilhões para US$ 72,35 bilhões. Entretanto, o aquecimento da economia e a alta dos minérios e do petróleo levaram à redução para US$ 69 bilhões no saldo previsto nas respostas dos últimos cinco dias.
Com déficit esperado de US$ 43 bilhões em conta corrente (balança comercial – conta de serviços e rendas, que inclui juros da dívida e remessas de lucros e dividendos), as apostas dos últimos cinco dias úteis foram a US$ 46 bilhões. Mas o ingresso de Investimentos Estrangeiros Diretos no País foi mantido em US$ 80 bilhões o que garante cobertura folgada no Balanço de Pagamentos.
Para 2024, a previsão é de US$ 60 bilhões de saldo comercial, déficit de US$ 50,2 bilhões em Conta Corrente (US$ 51,3 bilhões nos últimos cinco dias), mas tudo coberto pelo ingresso de IDP de US$ 80 bilhões.
Bradesco vê saldo de US$ 83 bilhões
Ao analisar os dados de agosto, o Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco considera que, “com queda das importações e resiliência das exportações, saldo comercial permanece elevado” e acumula, até agosto, superávit de US$ 63 bilhões. O banco observa que, apesar da redução dos preços, as exportações permanecem altas, sustentadas pelo crescimento de 10% do volume, com destaque para commodities agrícolas e industriais.
Já as importações apresentaram queda, com forte recuo de preços, enquanto o volume segue praticamente estável no acumulado até agosto. Algumas categorias apresentaram um crescimento mais robusto dos volumes, como duráveis e bens de capital, enquanto as compras de intermediários e combustíveis recuaram. Para 2023, o Bradesco projeta saldo comercial de US$ 85 bilhões, com destaque para o crescimento do volume das exportações.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)