A história é conhecida. A caminho do Senado, passando pelo cego que o advertira sobre os riscos dos idos de março, César lembrou que o mês estava no dia 29, e nada acontecera. O adivinho lembrou que ainda faltavam dois dias, e naquela mesma tarde o imperador foi assassinado. Tomara que nosso agosto, distante de março, já no fim, possa ser fechado no calendário sem maiores tragédias, embora deixando o rastro de crises latentes, que preocupam, e permitindo supor que persiste um esforço para manter a população em suspenso, obra dos que consideram que quanto mais dividido o país, melhor para os catastrofistas.
Um agosto de preocupações. Em nome de questões que são importantes, mas podiam dispensar conflitos, tem-se permitido que à justa defesa de minorias ou excluídos se incorpore um clima de beligerância, renovado dia a dia. Negros e brancos, índios e urbanos, aprofundamento das regionalizações, agronegócio contra postulantes de terras, e estes contra os poderosos, gêneros beligerantes, sanitários públicos comuns, igualdades onde a natureza fez desiguais, lulistas e bolsonaristas em guerra permanente. A nação desconfiando do Supremo Tribunal, que, por sua vez, assume poderes que não lhe cabem. Novela em torno de suspeito relógio de luxo, cuja utilidade se resume em contar nossas horas de atraso. Coisas que não temos sabido discutir sem o conteúdo de contrariedades insanáveis. Não há nação, pelo menos entre as que conhecemos, que tenha conseguido prosperar vivendo em climas desse tipo. E o que ainda está por acontecer?
A recomendação dos idos de agosto é que precisamos respirar, para que tudo se discuta sem maiores atropelos, divergências civilizadamente tratadas entre o que pensam e propõem caminhos da esquerda, do centro e da direita. Discurso ideológico é importante, desde que as tendências, os partidos e os governantes removam a intenção de se mutilarem ou se destruírem mutuamente.
Agosto já ficaria bem, se acenasse com dias menos tensos. Antevéspera de um setembro para o Brasil resfolegar e remover dos olhares políticos o vermelho do ódio, sentimento que, se nunca fez bem às pessoas, muito menos à nação e aos que têm a responsabilidade de conduzi-la. É para se temer o futuro, quando, olhando para nós mesmos, a casa comum da nacionalidade anda separada, conflituosa, como nestes dias que estamos vivendo.
De que então carecemos para se viver numa casa minimamente em ordem? Certamente dispensamos heróis façanhudos, esses que botam pra quebrar, prendem e esfolam. Precisamos de um pacificador. Aquele a quem os brasileiros possam confiar a aspiração de paz, mas sem vieses ditatoriais que levem ao garroteamento das divergências indispensáveis, porque são elas que filtram e fazem avançar os interesses nacionais.
O promotor ideal dessa paz seria o velho Supremo Tribunal, com suas figuras circunspectas, acima de vaidades e tendências políticas, guardiães do bem maior da Constituição, que é o bem do povo. Mas os ministros ali assentados não parecem animados diante desse dever, preferindo prestigiar a receita de um dos pares, o mais ressaltado, que por conta própria denuncia, investiga, julga e condena, da mesma forma como, com facilidade, sai de suas trincheiras e avança sobre deveres e atribuições que escapam da alçada do tribunal.
Então, ao presidente Lula – tornando-se menos presidente e mais estadista – caberia levantar a bandeira da pacificação nacional. Nada mais adequado para fechar com brilho seu terceiro mandato, e entrar para a História como alguém que, superando-se, soube superar o maior dos desafios. De olho no futuro, aplainando divergências políticas e eleitorais, mas chamando a sociedade para ajudá-lo no projeto de paz, porque sem ela não haverá prosperidade.
Contudo, para tanto, é preciso guardar o diploma de presidente e assumir o papel de estadista. A hora é essa. Quando setembro vier.
WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)