Francisco Dornelles merecia o registro de um político que foi quase tudo na vida pública, preservando a dignidade, a honra e a delicadeza
Tive uma longa convivência com Francisco Dornelles, ao tempo em que foi deputado e senador, ministro da Fazenda, da Indústria, Comércio e Turismo, e também do Trabalho e Emprego, nos governos FHC. Era personagem frequente da coluna que por anos escrevi em O Globo, para ciumeira de outros políticos do Rio. Sim, Dornelles era uma boa fonte para muitos jornalistas, mas era seletivo. E o critério era a confiança.
Habilidoso como poucos, negociador franco, competente nas áreas em que atuava, exímio tributarista, Dornelles foi também um homem de rara delicadeza, um cavalheiro de fino trato nas relações pessoais. Sua partida me entristece, neste tempo de políticos crispados e interesseiros, inclusive na relação com os jornalistas.
Lá nos idos da transição, ele era Secretário da Receita Federal do governo Figueiredo, e seu tio, Tancredo Neves, tornou-se o candidato do MDB e da oposição à ditadura pelo Colégio Eleitoral, já que as diretas haviam sido barradas. Nessa condição, ele muito ajudou o tio na negociação com os militares, especialmente com o ministro do Exército, Valter Pires. Tancredo precisava de garantias de que, se eleito, assumiria, e disso tratou Dornelles. Tancredo o indicou ministro da Fazenda mas, como não chegou a tomar posse, Dornelles durou pouco no governo de José Sarney. A seguir tornou-se deputado.
Na Câmara era um animal dos bastidores, liderando quase sempre os partidos por que passou: Deixou o PLF para ser fundador do PPR, que se tornou PPB e depois PP, o atual partido de Arthur Lira. Foi relator de dezenas de matérias, especialmente das relacionadas com o sistema tributário, área em que foi um dos expoentes na Constituinte, ao lado de José Serra. No Senado não foi menos importante, e muito me ajudou nas negociações para aprovação da MP 398, que criou a Empresa Brasil de Comunicação – EBC, da qual fui a primeira direto-presidente.
Dornelles, um autêntico liberal democrata, tinha trânsito livre em todas as correntes políticas, o que fazia dele um negociador eficiente em matérias conflitivas. Tinha uma memória fabulosa para contar histórias de políticos. Tinha um fino senso de humor mas era discreto e reservado, evitando as festas e os eventos borbulhantes de Brasília. Se ia a uma festa, ficava poucos minutos e desaparecia.
Aqui ficou até 2014, quando tornou-se vice-governador do Rio. Assumiu o governo quando Pezão licenciou-se para tratamento de um câncer e depois, quando foi afastado pela Lava Jato. Com sua ida para o governo do Rio, já não nos falávamos com frequência, mas ele nunca esquecia meu aniversário. No dele, 7 de janeiro, eu tentava falar mas ele quase sempre estava viajando com dona Cecilia e as meninas, que não são mais meninas, mas era assim que ele se referia às duas filhas.
Visitei-o pela última vez na Fundação Getúlio Vargas e fiquei impressionada com o fato de que, apesar da idade e sem mandato, ele ainda despachava diariamente lá, com a equipe que sempre o acompanhou. A FGV era sua base.
Agora escrevo artigos obituários com uma frequência espantosa. Dornelles merecia o registro de minhas modestas lembranças de um político que foi quase tudo na vida pública, preservando a dignidade, a honra e a delicadeza. Sua partida me ensina, novamente, a não deixar para amanhã o que deve ser feito hoje. Não cheguei a telefonar comentando o livro de memórias que ele me enviou pela fidelíssima assessora Isabel.
Não conheci quem não gostasse de Dornelles.
TEREZA CRUVINEL ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)