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É hora de se passar as Forças Armadas a limpo, se se pretende um país moderno e democrático
Não há nada mais pusilânime, no jornalismo atual, que reportagens com menções a supostas ameaças de militares ao avanço das investigações sobre a tentativa de golpe das Forças Armadas. Que as FFAAs se sintam humilhadas pelo comportamento dos seus, aceita-se. Que porta-vozes afirmem (sempre em off) que não defenderão os subversivos, é meritório. Mas a ênfase de que o avanço das investigações poderá levar a uma perda de controle dos escalões inferiores, é sabujice, é uma suposição que humilha o próprio conceito de disciplina das FFAAs.
É hora de se passar as FFAAs a limpo, se se pretende um país moderno e democrático. Em 2014, a Academia Militar de Agulhas Negras, que supostamente deveria formar a elite militar, recebeu o capitão Jair Bolsonaro para um comício. Foi um dos episódios mais humilhantes da história das FFAAs, com as AMAN dirigida pelo atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva.
Nem se o condene o general Tomaz por seu passado. Antes de se converter em baluarte da democracia, o Marechal Henrique Duffles Teixeira Lott aderiu ao golpe que derrubou Vargas, nos anos 40, e foi premiado com o cargo de adido militar nos Estados Unidos. Então, é bem possível que, ante os novos ventos, o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva seja uma âncora legalista.
De qualquer modo, o episódio de 2014, mais o envolvimento dos militares com o governo miliciano de Jair Bolsonaro, mostram uma profunda degradação das FFAAs. Mais que isso, o comportamento dos militares comprova que o currículo da AMAN não serve para formar bons cidadãos e, muito menos, bons militares.
Não se ouve falar mais em Plano Nacional de Defesa. No setor tecnologicamente mais relevante das FFAAs – o da energia e do submarino nuclear – os três almirantes responsáveis tiveram comportamento deplorável. O Ministro das Minas e Energia permitiu a negociata da Eletrobras, vulnerabilizando um setor estratégico para o país; o comandante da Marinha recusou-se a entregar o cargo na presença do presidente eleito; e o segundo homem do setor declarou que não trabalharia com um “ladrão”. Está trabalhando. Sem contar o vexame dos tanques de 7 de setembro.
Como pode uma força que se pretende profissional permitir abusos dessa ordem? Agora, à medida em que a Polícia Federal avança nas investigações sobre o dia 8 de janeiro, manchetes de jornais assustados tentam recriar o fantasma militar.
A chamada não coloca em dúvida apenas a democracia brasileira, mas o próprio conceito de hierarquia, base de todas FFAAs. O temor é de uma reação dos escalões inferiores a esse avanço da PF. Como assim? Não existe alto comando? Estão colocando em dúvida o poder do alto comando? O alto comando se curvaria à ameaça de escalões inferiores. Aí não seriam mais FFAAs, mas milícias. Tomara que a fonte da reportagem seja imaginária, ou ninguém do alto comando. Se for, o país está perdido.
No período Bolsonaro, as FFAAs abriram mão da prerrogativa da força. Permitiram a entrada indiscriminada de armas sem registro. Permitiram que os Clubes Militares se transformassem em centros de conspiração. Toleraram toda sorte de abusos, interferências políticas. Não reprimiriam os negócios obscuros feitos por trás de fardas e patentes.
Agora, entra-se na fase mais decisiva, que determinará se o país poderá contar com Forças Armadas profissionais ou se continuarão sendo tratadas como o “partido da boquinha” ou do golpismo.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN ” ( PORTUGAL)