MINHAS HISTÓRIAS COM MILLÔR FERNANDES

por Cynthia Brito

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Foram somente dois encontros com Millôr Fernandes, mas uma vida inteira admirando seu humor e genialidade.

Millôr Fernandes entrou na minha vida através da seção Pif Paf, em O Cruzeiro. Gostava de suas tiradas, mas era apaixonado por suas caricaturas, um artista completo.

Quando veio o golpe, tornou-se figura referencial no jornalismo, não apenas através de O Pasquim, mas da peça “Liberdade, Liberdade”, em parceria com Flávio Rangel.

Tínhamos montado um grupo de teatro em São João da Boa Vista, o Gajos, e resolvemos encenar a peça. Deu trabalho. Havia muitas músicas populares, de grandes sambistas, mas, naqueles tempos sem Internet, sequer sem CD, não tínhamos a menor ideia da melodia. Tratei de colocar uma melodia em cada letra. Anos depois, quando conheci o original, morri de vergonha. Na época, deu certo.

Com nosso grupo, excursionamos, fizemos uma apresentação em Uberlândia, indo de Kombi.

Os tempos eram tão bicudos que fomos denunciados ao Segundo Exército pelo Cássio, um são-joanense, estudante da Faculdade de Direito, e membro do Comando de Caça aos Comunistas. Éramos um grupo em que os mais novos tinham 15 anos, eu tinha 19 e os mais velhos 22.

Quando a denúncia chegou ao Instituto Educacional, dona Adélia, a diretora, livrou a rapaziada são-joanense e me apontou como único responsável. Dadas as relações de amizade dela com meu pai e com meu futuro sogro, presumo que atuou assim porque Poços ficava em outra jurisdição.

Naquele ano, eu tinha feito o Tiro de Guerra. Fui, inclusive, eleito presidente do Grêmio do Tiro. Mas o período já tinha acabado quando a denúncia chegou a Poços. Poços ainda não tinha se tornado o antro de dedurismo que se tornou, depois que elegeu um prefeito bolsonarista. Uma das denúncias foi para a Delegacia. O delegado Onório, amigo do meu pai, foi até a farmácia pedindo para meu pai me alertar para ter cuidado.

A outra denúncia chegou ao tenente Hélio e aos sargentos do Tiro de Guerra. Também amigo do meu pai, o tenente Hélio repetiu as recomendações. E os sargentos avisaram a todos os atiradores com quem tiveram contato que me alertassem para não ir a São João, porque estavam armando uma armadilha para mim. Até hoje sou grato a esse sentimento de solidariedade dos sargentos – que revi, anos depois, como coronéis aposentados, em uma comemoração do Tiro.

Aliás, na comemoração houve uma cena divertida. No final do churrasco, apareceu a Eugênia, com quem tinha começado o namoro. Na hora da foto, ela comandou a organização, deu ordens que para os coronéis fossem para um lado, os demais para o outro, como uma verdadeira comandante.

Resolvi apresentá-la:

  • Minha namorada, Eugênia, Procuradora da República.

E os coronéis, ainda encantados com seu comando:

  • Procuradora? Mas tão simpática assim?

Cheguei em São Paulo em 1970, com o Pasquim sendo a referência máxima e, nele, a personalidade de Millôr. Saiu de O Cruzeiro, foi para Veja e foi dispensado em uma das mudanças de direção da revista.

Conheci Millôr Fernandes pessoalmente nos anos 90, em circunstâncias curiosas. Certo dia, recebi um telefonema de um editor de uma revista médica. Dizia ter sido amigo de meu pai. Depois, minhas irmãs se lembraram que ele tinha sido o fotógrafo que tirou fotos lindas de minha irmã Regina, na época com 8 ou 9 anos. Ele queria que eu escrevesse para sua revista.

Aceitei e, em uma ida ao Rio de Janeiro, para uma palestra, combinamos um jantar. No jantar estavam ele e a jovem esposa, segundo casamento, Millôr Fernandes e Cora Ronai e eu e a Ika, minha esposa.

Foi uma conversa interessantíssima. O amigo de meu pai era médico, foi servir em um pronto socorro, espécie de pré-SUS. Era bonitão e ganhou o apelido de Marta Rocha, havia filas de pacientes para se tratar com ele.

Depois, resolveu mudar e foi ser vendedor de uma multinacional farmacêutica. Passou a chefiar uma equipe. A estratégia de vendas consistia em ir a uma cidade polo e espalhar os vendedores pelas cidades vizinhas. No sul de Minas, a cidade polo era Poços de Caldas. E lá, o ponto de contato era seu Oscar, membro do Conselho Federal de Farmácia, presidente do Conselho Regional e, seguidor dos hábitos da família Nassif, um grande anfitrião – para desespero de dona Tereza que, não raras vezes, era avisada de um amigo indo almoçar poucos minutos antes de começar a preparar o almoço.

Solteiro, meu pai o levava para as boates do alto da Rua Assis Figueiredo, mas não entrava.

Era sogro de José Roberto Marinho, que Walther Moreira Salles reputava o mais educado dos Marinho. José Roberto e sua filha eram amigos de adolescência. Quando a relação ficou firme, ele tratou de orientar a moça para não se deslumbrar com a nova posição. Em suma, era um figuraço.

No jantar, a conversa fluiu tranquila, com Millôr discreto, mas nos brindando com suas tiradas de humor. E Cora Ronai muito simpática.

(Anos depois, quando começou a guerra ideológica e foi inaugurado o jornalismo de esgoto na imprensa, Cora ganhou uma página em O Globo e sua primeira tarefa foi me atacar, a pedido de Ali Kamel – com quem me digladiava na época).

O segundo encontro com Millôr foi em Fort Lauderdale. A IBM resolveu criar um conselho latino-americano do Thinkpad – seu notebook – e convidou para membros Millôr, Mário Henrique Simonsen e eu. Simonsen não pode ir.

O trabalho era agradabilíssimo. Passamos alguns dias em Fort Lauderdale assistindo as maravilhas eletrônicas desenvolvidas pela IBM. Depois, deveríamos opinar sobre a configuração, indicando a melhor relação preço-custo.

Foram dias muito agradáveis. Na volta, liguei para a IBM e pedi a indicação do melhor Thinkpad para comprar. Me indicaram um de dois ou três mil dólares. Comprei.

Quando o aparelho chegou, não tinha sequer entrada para CD. Me empurraram um aparelho quase fora de linha.

Aí entendi o fim dos PCs da IBM: eram bons de tecnologia, mas a empresa não tinha a menor ideia sobre venda a varejo e respeito ao consumidor.

Apesar dos dois contatos, não chegamos a criar uma convivência. Continuou sendo meu ídolo, e eu, seu admirador.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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