Ontem, antes mesmo do reajuste de quase 16% na gasolina e de quase 26% no diesel vendido pela Petrobras nas refinarias, citamos aqui a análise da LCA Consultores que apontava para o fim do período benigno de desaceleração da inflação causada pela supersafra agrícola. Hoje, a Fundação Getúlio Vargas, ao divulgar o IGP-10 de agosto, indicou uma queda de apenas 0,13%. Em julho, o IGP-10 havia recuado 1,10%. Com o resultado, o índice acumula queda de -5,32% no ano e de -7,37% em 12 meses. Em agosto de 2022, o índice caíra 0,69% no mês, mas acumulava alta de 8,82% em 12 meses.
Na decomposição do IGP-10 fica claro que a deflação no atacado (o IPA representa 60% dos cálculos do IGP-DI, IGP-M e IGP-10, contra 30% dos preços ao consumidor e 10% do Custo nacional da construção civil) começa a se dissipar e até inverter, especialmente em três produtos agropecuários: soja, milho e bovinos. Depois de cair seguidamente de fevereiro a julho (mês em que teve baixa de 3,07%), a soja subiu 5,98% no IGP-10 de agosto. No milho em grão, a queda suavizou de -9,49% em julho para -0,67%. Os preços médios dos bovinos voltaram a subir 0,72% em agosto, após queda de 2,87% em julho. Por fim, o café, após cair 10,99% em julho, se reduziu 7,43% em agosto.
O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco chamou a atenção para o fato de que a “deflação no atacado começa a se dissipar”, acrescentando que o movimento nos preços de bens intermediários seguiu a mesma toada: recuaram 0,6%, após queda de 1% em julho. Para o Bradesco, o IGP parece ter atingido seu mínimo em julho, e deve voltar a apresentar variações positivas nos próximos meses. Mas observa que ainda há “um cenário benigno de custos para a indústria, que deve continuar contribuindo para a desinflação de bens ao consumidor”.
Campos Neto e as metas
Ou seja, a tradução da situação é de que “a luta contra a inflação não está ganha”, como advertiu ontem o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em palestra no 35º Congresso Nacional da Abrasel. À parte ser palmar que não se pode deixar de perseverar contra a inflação e que a obrigação de qualquer autoridade monetária é estar vigilante no comando da política monetária para evitar as pressões inflacionárias, parece claro que o alcance das metas de inflação exigirá esforço redobrado do Banco Central.
É curioso que Campos Neto, cujo mandato expira em 31 de dezembro de 2024, tenha chamado a atenção para a meta de 3,00%, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2024 e 2025 e estendida a 2026. Em todos os casos, há um intervalo de tolerância de 1,50% para cima ou para baixo da meta. Ou seja, Campos Neto já dá como perdida o alcance do teto da meta de 2023 (4,75%) e está mirando 2024, para não ter de deixar o BC com a 4ª carta de explicação ao CMN pelo estouro do teto da meta.
No cargo desde 2019, Campos Neto conseguiu ficar dentro das metas em 2019 (o IPCA foi de 4,31% e a meta era de 4,25%, com tolerância de 1,50%= 5,75%) e em 2020 (a meta era de 4,00%+1,50%=5,50% e a inflação ficou em 4,52%.
Já em 2021, a meta era de 3,75%+1,50%= 5,25% e o IPCA aumentou 10,06%. No ano passado, a meta era de 3,50%+ 1,50=5,00%, mas mesmo com os cortes de impostos dos combustíveis, energia elétrica e comunicações o IPCA aumentou 5,79%. Para este ano, a meta é de 3,25%+1,50%= 4,75%. As últimas projeções do mercado (Itaú e LCA) elevaram novamente o IPCA de 4,9% para 5,1%. Amanhã, em resposta à Pesquisa Focus, que o Banco Central divulgará na 2ª feira, o mercado vai traduzir as expectativas com os últimos aumentos dos combustíveis e a desaceleração da queda dos preços dos produtos agrícolas.
Simonsen ‘dixit’
No tempo em que a correção monetária era mais disseminada e a indexação – que ainda persiste como um obstáculo à eficiência da política monetária na redução da inflação no Brasil (pelos mecanismos da indexação, uma alta de preços tem muito maior impacto que uma queda de preços), o então ministro da Fazenda do governo do general Geisel, Mário Henrique Simonsen, às voltas com o duplo efeito da escalada dos preços do petróleo, em 1973, na inflação e nas contas externas, advertia: “A inflação aleija, mas o balanço de pagamentos, mata”.
Ou seja, as autoridades econômicas estavam diante de uma “Escolha de Sofia”. Supunha-se que, com a indexação (a história mostrou que seus efeitos danosos eram exponenciais quando a inflação saltou dos 40-50% parta 70% e a superou a casa dos três dígitos) era possível conviver com uma inflação alta.
Entretanto, a crise no balanço de pagamentos, ou seja, a escassez de divisas para comprar petróleo e outros bens (quando estourou a crise de 1973, o Brasil só produzia 15% do seu petróleo [a Bacia de Campos foi descoberta em agosto de 1974 e só começou a produzir nos anos 80, com a autossuficiência sendo alcançada na virada do século] asfixiava e podia “matar” a economia.
Simonsen dizia isso para convencer os empresários e a classe política a moderar o crescimento da economia para fazer o ajuste das contas externas e dos gastos públicos no governo do general Figueiredo (1979-1985), quando assumiu o Ministério do Planejamento.
Mas a pressão por gastos vindas dos ministros Delfim Neto (Agricultura) e Mário Andreazza ( Interior, que controlava o BNH) era forte e encontrava eco entre os empresários que queriam manter juros subsidiados do BNDES (uma enorme fonte dos rombos nas contas públicas, pois a correção monetária fora fixada em 20% e a inflação saltara para 45% no governo Geisel e para 70% ao ano no 1º ano de Figueiredo), sem que o presidente lhe desse respaldo, levou Simonsen a pedir o boné em 19 de agosto de 1979.
Delfim assumiu o comando da economia no Planejamento e conclamou os empresários a “tacarem o pau na máquina). Após crescimento em 1980, a economia captou em recessão em 1981 e mergulhou em uma década de baixo crescimento com a crise da dívida externa em fins de 1982 (na verdade a quebra do balanço de pagamentos, como advertia Simonsen).
O presidente do BC voltou a afirmar que é necessária a aprovação de medidas que aumentem a arrecadação nos próximos anos. Novamente, ele destacou as expectativas dos investidores com números piores do que aqueles projetados pelo governo. Na verdade, os gastos não estão sob controle. Seguem crescendo acima da arrecadação.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)