FALTA UM PROJETO NACIONAL PARA O BRASIL

CHARGE DE ZÉ DASSILVA

Entra governo, sai governo, democrático ou vivendo intervalos das ditaduras, fato é que o Brasil nunca teve um projeto nacional, com ideias e objetivos claramente definidos. É o que tem ajudado a inviabilizar, ao longo dos tempos, a verdadeira e desejada Federação. E tem sido assim desde Deodoro. Sem esse projeto maior, inspirador de todos os demais, nosso mapa se assemelha a um grande lençol, costurado ou remendado com panos diferentes e desiguais. Não há negar: as sortes desencontradas das regiões sempre foram a prova incontestável de que estamos longe do ideal federativo, num falso corpo às vezes confederado. Na maioria das vezes nem uma coisa nem outra. Tancredo Neves, quando procurava localizar sua Minas no mapa, dizia que ela separa, em cima, o Brasil muito pobre; embaixo, onde começa o Brasil remediado ou rico.

Tamanhas discrepâncias já levaram governadores do Norte e Nordeste a criar um consócio para gritar em nome de interesses, pois achavam que aquele pedaço do país sofre dificuldades que merecem ser consideradas prioritariamente pelo governo central. Se andaram bem ao reclamar atenções, estendida e reconhecida a legitimidade da queixa, qualquer que seja a região de onde parta, estranha-se o bombardeio a que está sendo submetido o governador mineiro, Romeu Zema, que propôs união mais estreita, para defender propostas comuns dos estados do Sul e Sudeste, onde se concentram grandes forças produtivas, das quais, é verdade, vale-se o Brasil inteiro. Além disso, se pobres são os nordestinos, pobreza também afeta outros estados, diz o governador, sob o fogo intenso dos que já o batizam como autor de proposta de um direitista, que tem sido a maneira de demonizas os contrários.

É fantasioso achar que vem partindo de Minas um movimento separatista, que seria grande sangria no organismo nacional. Da mesma forma como deliram os que julgam conveniente a separação, loucos também são os que veem o perigo onde ele não existe.

Se direitos de postulação são iguais, ou deviam ser, não haverá como desconhecer que também a voz do Centro-Oeste se faz ouvir, depois do Sul-Sudeste; para reclamar direitos, como reclamava o consórcio nordestino de poucos frutos. Nada de anormal, porque em cada lugar há deficiências e angústias a deplorar.

Mas, acima de questiúnculas, o saldo que vale a pena ter em conta é que, se as lideranças estão lutando cada qual para ver atendidas aspirações de suas regiões, sem que faltem sinais de intolerância entre elas, é porque nossa Federação ainda engatinha, de fraldas molhadas. Se cada um apenas olha para si, sem se importar com o conjunto, o Brasil está longe de ser um Brasil único, pensando e querendo como nação. Quem sabe, um dia?

Quem gera a violência?
Percebe-se. Os últimos conflitos entre as polícias estaduais e o crime organizado certamente colocam a sociedade diante de uma dúvida, que cresce na proporção em que os fatos se ampliam no cotidiano. Mais ainda quando, ignorando as causas sociais e de insegurança, muitos emprestam ao sangue e à violência interesses político-partidários. É forçoso e lamentável admitir que Guarujá e as favelas do Rio são como uma espécie de fermento venenoso; têm o poder de ampliar fatos e consequências, ajudando a dividir a opinião pública, condenada a fazer torcida sinistra em torno da tragédia. Eis a questão: ser contra ou a favor da polícia ou dos criminosos. Há multidões que se convenceram de que bandido bom é bandido morto, e, num outro time, adversário, os policiais não passam de sanguinários executores. E o problema, mesmo que complexo e gravíssimo, acaba reduzido a isso. Quando acontecer nova tragédia, distribuídas e confundidas as culpas, os políticos formarão comissões de sindicância, que nada apuram, extinguem-se e só voltam a se constituir quando se renovar a chacina. Até lá, depoimentos e relatórios inúteis, como é comum nessas sindicâncias de gabinete e cafezinho.

Tem sido assim. Os agentes de segurança explicam o peso de sua ação por serem recebidos pelos bandidos com hostilidades e ataques armados, em guerra francamente declarada. Moradores das praças de violência em que se transformaram muitas regiões suburbanas têm versão diferente: são agredidos, impiedosamente fuzilados, na ânsia das eliminações sumárias. Difícil apurar onde começam e onde terminam as culpas, talvez porque cada lado fique apenas com um pedaço da verdade.

No saldo, mais que a consistência dos fatos, por mais dolorosos que sejam, vale tomar em conta as dores da sociedade inocente, dos habitantes dos grandes palcos de contra- violência como forma de se opor à violência. O mundo já havia evoluído para coisa diferente, a antiviolência, conquista que tem sido confiscada ao Rio, S.Paulo e muitos outros pedaços do Brasil. Todo dia condenados a avançar no retrocesso.

Diante de tamanhas complexidades que cercam esses conflitos armados, as preocupações continuam focadas na distribuição de culpas. Quem é o maior devedor? O policial ou o criminoso? A quem atribuir excessos? Ora, caiba a quem couber o mal, verdade é que retrocedemos, porque a violência urbana já não devia mais fazer parte do cotidiano das pessoas; mas faz, agravada pelo fato de os atores desses conflitos morrerem e acabam reduzidos a meros dados estatísticos. Quantos morreram? Catorze ou dezesseis? Para simples efeito de comparação, quantos óbitos nas operações anteriores? Quantos serão na próxima vez para enriquecer o diagrama de sangue?

Estamos de volta ao atraso, quando importamos a guerra para esses bairros, bestificados, sem saber o que fazer. Além da perplexidade, que já é alguma coisa, Ainda bem que se escandalizam. Para dizer, como o historiador Johan Huizinga, em O outono da Idade Média: a violência é, simplesmente, algo impensável.

WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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