O PROJETO 2370 E A DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA: POR QUE OS PARLAMENTARES PROGRESSISTAS DEVEM REJEITAR ESSA PROPOSTA

CHARGE DE NICO

Com apoio da Globo e apadrinhado por Arthur Lira, o projeto pode ser votado esta semana. Se aprovado, será um duro golpe contra o jornalismo independente

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, costura com os deputados do Centrão e a bancada do PT a votação do projeto de lei 2370/2019, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), na quarta-feira. O conteúdo original do projeto previa a remuneração de artistas pelas plataformas digitais, como YouTube, Google e Facebook. O projeto foi modificado e incluiu a remuneração de empresas jornalísticas.

Para que o projeto seja votado, o relator, deputado Elmar Nascimento (do União Brasil-BA), ligado a Arthur Lira, apresentou um novo texto. Melhor dizendo: ele assina o novo relatório, mas nos bastidores se sabe que o texto foi elaborado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), entidade controlada pela Globo.

O interesse da emissora da família Marinho no projeto pode ser dimensionado pela repercussão do projeto 23700/2019. Uma simples pesquisa revela que desde a semana passada os veículos da Globo são os que mais têm noticiado e repercutido a intenção da Câmara dos Deputados de aprovar o projeto, como se essa aprovação fosse um dos temas mais importantes em debate no País hoje.

Há três meses, a Globo utilizava sua tropa de choque jornalística para tentar aprovar o PL 2630, de Orlando Silva (PCdoB-SP). Naquele texto, a remuneração das empresas jornalísticas era um jabuti, e o artigo passaria despercebido se jornalistas independentes não o denunciassem.

A pressa na votação do projeto 2630 era, então, justificada com o argumento de que o Brasil precisava combater as fake news – e precisa mesmo, mas esta é outra discussão, que precisa ser travada de maneira honesta.

Na tentativa de conquistar apoio popular, até  deputados de esquerda aderiram ao discurso de que o projeto 2630 salvaria “nossas criancinhas”. A Globo fazia intensa campanha, com eventos na Abert frequentada por ministros de Lula e reportagens em todos os seus telejornais que associava o 2630 a um antídoto contra os crimes na internet.

Inviabilizado, porque exposto em sua natureza de barriga de aluguel, o projeto 2630 deixou de ser prioridade, e o jabuti foi inseminado no projeto 2370. O que esse movimento de bastidor revela é que a preocupação com nossas criancinhas nunca foi a real motivação dessa iniciativa parlamentar.

A menos que a referência às criancinhas sejam os filhos e netos dos barões da comunicação. Nesse caso, a referência é às criancinhas deles, não às nossas. O jabuti não era acessório, mas o principal. E agora os comentaristas da Globo, como Fernando Gabeira, já não escondem que o objetivo do projeto é remunerar o “jornalismo profissional”.

Bem, se por “jornalismo profissional” considerarmos o que faz a Globo, temos que colocar nessa conta uma das maiores fake news da história, que foi  o processo do Triplex do Guarujá, que manteve Lula 580 dias no cárcere da Polícia Federal. Ou a transformação de Moro em juiz exemplar.

É esse tipo de “jornalismo profissional” que os deputados de esquerda pretendem apoiar? Em defesa do projeto da Globo, esses parlamentares têm feito circular um texto que apresenta números sobre o faturamento das big techs e a conclusão (deles) de que os veículos independentes também terão uma remuneração maior com a aprovação do 2370.

Pelos números, a parte que fica com as big techs é muito maior do que a destinada hoje aos veículos de jornalismo, destinada mediante acordos, não por imposição legal. 

Não sei se os números são exatamente estes que os deputados apresentam, mas o que garante que as plataformas continuarão a remunerar os veículos de jornalismo a partir de uma imposição legal?

No Canadá, onde uma lei parecida foi aprovada, Google e Facebook já anunciaram que retirarão os links para conteúdos jornalísticos, quando o texto entrar em vigor, no início do ano que vem. Há quem diga que a Austrália aprovou lei semelhante e lá as coisas estão indo bem.

Na Austrália, como se sabe, o mercado de comunicação está praticamente concentrado no grupo Murdoch, como ocorria no Brasil com a Globo. 

O grupo da família Marinho fatura cerca de R$15 bilhões por ano e, portanto, o dinheiro que virá da publicidade digital, caso aprovado o PL 2370, não será significativo para a sua sobrevivência como empresa jornalística.

Na Austrália, a fatia do bolo distribuída pelas big techs às empresas jornalísticas é de R$ 200 milhões. Se o tamanho do bolo for o mesmo no Brasil, a Globo ficará com a maior parte disso, mas, ainda assim, uma quantia relativamente pequena se comparada a seu faturamento.

Agora, se as plataformas deixarem de veicular conteúdo jornalístico, todo o jornalismo  perde, mas a Globo não. Não só porque ela tem a sua própria plataforma, Globoplay, mas porque, voltando a reinar num mercado com menor difusão, ela retoma o gigantismo de outros tempos e, com isso, readquire poder. E poder, como Roberto Marinho sabia muito bem, significa dinheiro.

Com todos os seus defeitos, a atual estrutura empresarial da internet possibilitou a ascensão e consolidação do jornalismo independente. Houve, em outras palavras, um avanço, ainda que tímido, em direção à democratização dos meios de comunicação, já que hoje há veículos para vozes independentes.

O que o PL 2370 poderá causar é desdemocratização da mídia, e por isso o parlamentar que apoiar um projeto dessa natureza – que equivale a endossar o latifúndio na questão agrária – não merece o voto do eleitor progressista. Simples assim.

JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *