Vou apresentar uma análise comparativa simples da evolução de dois estados brasileiros que passaram pelo último grande processo separatista
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A desastrosa fala recente do governador Romeu Zema sobre o consórcio de estados das regiões Sul e Sudeste vir a funcionar para fazer oposição aos estados das regiões Nordeste e Norte teve a inevitável consequência de reacender discussões sobre xenofobia e separatismo regional. O impacto midiático está sendo impressionante, porém as análises publicadas até o momento não estão tocando num ponto bastante interessante, que chamo aqui de paradoxo do separatismo.
De modo geral, áreas geográficas que costumam desejar a separação (sejam regiões de um país ou parte de um estado, num sistema federativo) são mais desenvolvidas do que aquelas áreas das quais desejam se separar (este é um padrão internacional, vide os casos da Espanha e da Itália, hoje). Ocorre que, em via de regra, as separações territoriais terminam beneficiando mais as localidades menos desenvolvidas.
Eu costumo priorizar, sempre que possível, a apresentação de alguma fundamentação empírica para meus argumentos. No caso em tela, vou apresentar uma análise comparativa bastante simples da evolução de dois estados brasileiros que passaram pelo último grande processo separatista ocorrido no Brasil, quais sejam, os estados de Goiás e Tocantins. A comparação entre ambos tem, ainda, a vantagem de que, no início, havia uma diferença mais significativa nos níveis de desenvolvimento, ao contrário da separação anterior, entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A tabela abaixo traz os dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados de Goiás e Tocantins, de 1991 (poucos anos depois da separação) a 2021, bem como o percentual do IDH de Tocantins em relação a Goiás.
Estado | IDH-1991 | IDH-2000 | IDH-2010 | IDH-2021 |
Goiás (GO) | 0,487 | 0,615 | 0,735 | 0,737 |
Tocantins (TO) | 0,369 | 0,525 | 0,699 | 0,731 |
% do IDH de TO em relação a GO | 75,8 | 85,4 | 95,1 | 99,2 |
Fonte: PNUD/IPEA/FJP (http://www.atlasbrasil.org.br).
Para deixar mais claro o que estou querendo evidenciar, fiz um gráfico com os resultados dos percentuais. As curvas dos gráficos deixam bastante claro que, após a separação, a diferença nos níveis de desenvolvimento entre os dois estados foi diminuindo ao longo do tempo. Em 1991, o IDH de Tocantins era equivalente a apenas 75,8% do IDH de Goiás. Em 2021, o IDH de Tocantins já era equivalente a 99,2% do IDH de Goiás. Ou seja, com a separação, a parte norte do antigo estado de Goiás (a menos desenvolvida), que passou a ser denominada estado de Tocantins, vivenciou uma aceleração relativa do seu processo de desenvolvimento humano, quando comparada com a parte sul do estado, que continuou com o nome de Goiás.
Por que este fenômeno costuma ocorrer, quando parece ser tão contraintuitivo? É provável que este seja um fenômeno multicausal, mas uma das explicações que, provavelmente, tem maior relevância diz respeito a certo processo de exploração econômica que regiões mais afluentes costumam exercer sobre regiões menos desenvolvidas, quando estas estão unidas legalmente.
Silvio Maranhão, meu saudoso professor na UFPE, realizou um seminário, no início da década de 1980, que levou à publicação de um livro, por ele organizado, intitulado “A Questão Nordeste” (Editora Paz e Terra, 1984), no qual, entre outras questões, discutia a diferença nos níveis de desenvolvimento regional, no Brasil, e a situação de desvantagem do Nordeste. Parte da discussão proposta por Sílvio Maranhão veio de sua Tese de Doutorado, que havia defendido na década de 1970, na Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, onde demonstrava como o processo de industrialização das regiões Sudeste e Sul foi, em muito, financiada pela drenagem de recursos financeiros das famílias e empresas consumidoras de produtos industriais da região Nordeste. As políticas de Industrialização por Substituição de Importações (ISI) obrigaram famílias e empresas de todo o país a comprar produtos industrializados que passaram a ser produzidos, majoritariamente, nas regiões Sudeste e Sul, por preços mais elevados do que aqueles dos produtos que eram importados, anteriormente. Ao passo que as famílias e empresas das regiões Sudeste e Sul – embora pagando preços mais elevados ao consumir bens industrializados nacionais – se beneficiaram dos empregos industriais, que têm os salários mais elevados, e dos investimentos em infraestrutura e energia etc., o mesmo não se deu com as famílias e empresas da região Nordeste, que ficaram, naquele momento, basicamente apenas com o papel de bancar parte do ônus das políticas de ISI, o que, inclusive, provocou os fortes processos migratórios que conhecemos.
Quando uma região menos desenvolvida de um estado se torna autônoma, como aconteceu com a parte norte (amazônica) do estado de Goiás, ela tende a se desenvolver mais rápido, pois passa a ter maior autonomia fiscal. Assim, começa a oferecer benefícios tributários e outros incentivos (incluindo mão de obra mais barata) com forte potencial para atração de investimentos, o que leva a uma aceleração do desenvolvimento. Observe-se que, se um fenômeno como este ocorre quando a separação se dá entre estados dentro de uma mesma federação, ele tende a ser muito mais intenso quando a separação ocorre com a divisão de um país em mais de um estado nacional.
A separação das regiões brasileiras em mais de um país, provavelmente, não seria, do ponto de vista absoluto, boa para nenhuma das regiões. A grandeza e a diversidade geográfica do Brasil são trunfos fundamentais para o desenvolvimento. A elevada unidade linguística em um enorme território, com uma grande população, facilita sobremaneira a migração de capital e, principalmente, de mão de obra, o que é um fator a estimular o desenvolvimento. Todavia, se por acaso houvesse uma separação de fato entre regiões, é provável que, do ponto de vista relativo, a desigualdade socioeconômica entre as regiões Norte e Nordeste em relação às demais regiões do Brasil diminuísse rapidamente.
P.S.: no meu último artigo, anunciei que traria uma continuação, o que será feito em breve.
JORGE ALEXANDRE NEVES ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas