Inexoráveis, as despedidas continuam e a nossa geração perdeu mais um grande talento: Jerônimo Jardim! Que ele vá e que nós o tenhamos, e a sua obra, para sempre em nossas memórias afetivas e musicais. Respeito! Admiração! Descanse em paz, amigo! Saudades!
O texto abaixo foi publicado em minha coluna em junho de 2012.
Um disco histórico
Jerônimo Jardim nasceu em Jaguarão, no Rio Grande do Sul. Adotado ainda na adolescência pela cidade de Bagé, a ela dedica sua melhor querência. Vivendo hoje em Porto Alegre, lá forjou importante obra cultural, mantendo vivo o olhar sobre o nativismo disseminado pela campanha gaúcha. Como bom tapejara, desde guri carrega na guaiaca o orgulho por sua gente.
Bacharel em Direito, publicitário, servidor aposentado do Tribunal Regional do Trabalho, exerceu a advocacia e o cargo de professor de Direito e Processo do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Rio Grande.
Mas o que nos interessa aqui e agora é a sua múltipla obra como compositor e escritor. Autor de três peças para teatro e de cinco livros infantis, Jerônimo lançou também dois bons romances: In extremis – Na alça de mira (2010), e Serafim de Serafim (2011). Compositor, teve músicas gravadas por conterrâneos seus, inclusive Elis Regina, que, em 1979, lançou “Moda de Sangue”, dele e Ivaldo Roque. E venceu o MPB-Shell/81 com “Purpurina”, interpretada por Lucinha Lins.
Sua produção musical e literária teve de ser interrompida quando um problema de saúde o forçou a deixar o violão e a escrita de lado. Aos poucos, entretanto, as ideias foram retomando espaço no dia a dia de Jerônimo Jardim. Até que, passo a passo, um dia após o outro, tudo desaguou em música na Sala Álvaro Moreira, em Porto Alegre. Lá, acompanhado por Toneco da Costa (arranjador, violonista e diretor musical do show), Pedrinho Figueiredo (produção, vocal, mixagem, escreveu arranjos para sax soprano e flauta e os tocou), Fernando do Ó (percussão), Greice Morelli (vocais), João Vicente (violão de sete cordas) e Luís Arnaldo (cavaquinho), foi gravado Jerônimo Jardim, ao vivo – de viva voz (independente).
O que nele se escuta é, talvez, menos importante do que o que se sente ao ouvir as músicas. Pulsa firme em cada uma delas a dignidade e a fortaleza de um compositor que, como poucos, expõe em versos a alma gaúcha. Feito um haragano, J. J. é arisco, difícil de domar, não se atém a formalidades estéticas banais, muito menos a simplismos facilitadores.
Sax e violão, mais o sete cordas, dão a introdução de “De Viva Voz” (J. J.). No choro delicado, a voz resvala nas notas, pois Jerônimo não é cantor, mas um trovador de suas músicas. Isso em nada diminui seu cantar; ao contrário, eleva-o a um ponto alto, onde o que prevalece é a emoção de sentir-se pleno em seu ofício de viver para fazer e cantar suas composições.
Seguem-se sambas brejeiros com melodias simples e letras bem humoradas: “Minha Nega”, “Perdoar”, “É Isso Aí”, todos de J. J.; choros: “O Amor É Assim” (J. J. e Luiz Coronel) e “Cartas Digitais” (J.J. e Clair Jardim); e frevo: “Lenha na Fogueira” (J. J. e Clair Jardim).
A tudo a plateia, os músicos e Jerônimo Jardim, estes com amplo talento, dão o tom de camaradagem explícita que perpassa cada compasso do show de uma vida levada para o disco histórico.
AQUILES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)